segunda-feira, 16 de abril de 2007

Foto de uma Conversa



No dia em que Celso Furtado morreu, eu estava num vôo do Chile para o Brasil. Fizemos uma escala em São Paulo, para trocar de avião, e no saguão do aeroporto vi o jornal com a notícia. Passei-a adiante para o veterano economista que me acompanhava, consultor do projeto de cooperação internacional do qual eu era parte - o ponto alto da viagem foi uma excelente conversa em Santiago com o ex-ministro da Economia de Salvador Allende. Meu colega começou a chutar os cinzeiros e as latas de lixo ao redor, enquanto esbravejava contra a estupidez da elite brasileira. Quando se acalmou, trocamos idéias sobre o que Furtado representou para sua geração, que entrara na vida acadêmica nos anos 60 - ele mesmo havia escolhido a profissão por influência dos livros do mestre.

O episódio ficou para mim como um momento muito simbólico, porque durante todo o meu trabalho no Chile pensava na obra de Furtado e em sua atuação política, sobretudo os estudos que desenvolveu na Comissão Econômica da ONU para a América Latina (CEPAL), cuja sede era em Santiago. Relembrei aquelas sensações ao ler "A Foto de Uma Conversa".

Em 1991 Cristovam Buarque entrevistou Celso Furtado em Paris. As fitas com a gravação da conversa ficaram esquecidas até que o político pernambucano resolveu transcrevê-las, mais por razões sentimentais para lembrar o grande economista falecido em 2004. Buarque descobriu que o material continuava interessante e publicou um simpático livrinho com o papo com Furtado.

Em menos de cem páginas curtas, o mestre passa por uma grande quantidade de temas: sua experiência na Segunda Guerra Mundial, as transformações pelas quais passava a Europa no início da década de 90, a Guerra do Golfo como um retrocesso do pan-arabismo e da cooperação sul-sul, seu orgulho com a Sudene, a frustração com as possibilidades que o Brasil perdeu com o golpe militar de 1964 e as críticas ao modo como a economia é ensinada atualmente. Buarque acrescentou colunas laterais com seus comentários atuais às opiniões de Furtado.

As idéias do mestre continuam a estimular o pensamento e provocar a reflexão, impressiona como ele consegue sintetizar em poucas frases questões complexas. O nível do debate é muito mais alto do que qualquer coisa que exista atualmente na política brasileira. As preocupações de Furtado casam bem com as que estudo no curso sobre o nacionalismo no Brasil dos anos 50, agora leio os pensadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), como o filósofo Álvaro Vieira Pinto e o sociólogo Roland Corbusier. Mais tarde escrevo a respeito.

De aperitivo, fica lição de Furtado, aliás igualmente presente no ISEB: O ser humano é um projeto, algo sempre a se transformar, e só se completa na liberdade e na esperança. Menino nascido no sertão da Paraíba, o mestre entendia alguma coisa sobre a capacidade de alargar horizontes e reinventar-se.

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