quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
Nos Passos de Hannah Arendt
Uma amiga certa vez exclamou em minha biblioteca: “Você tem os livros da Hannah Arendt!”. E folheava-os, deslumbrada. Curioso como a filósofa alemã é capaz de despertar reações entusiasmadas (na mesma estante estavam as obras de Tocqueville, a quem minha visitante não deu sequer um “oh!”). A excelente biografia “Nos Passos de Hannah Arendt”, da escritora francesa Laure Adler, ajuda a entender o porquê: poucos filósofos viveram com tanta paixão, em um século tão turbulento.
Arendt nasceu em 1906, numa família de classe média, judia e ativista de esquerda. Cresceu na Alemanha dos anos traumáticos da I Guerra Mundial, da crise econômica e da ascensão do nazismo. Muito da sua reflexão sobre a ruptura da civilização européia com a criação dos totalitarismos veio desse contexto histórico.
O ponto forte da biografia é esmiuçar a relação de Arendt com os movimentos políticos judaicos. Ela teve simpatia pelo sionismo e amigos emigraram para a Palestina e ajudaram a criar Israel. Contudo, percebeu já nos anos 1930 que o ódio entre árabes e judeus estava se tornando insustentável e passou a questionar a validade do projeto de reconstruir a nação judaica. O auge de suas críticas ocorreu na década de 1950, quando Israel se aliou à França e à Grã-Bretanha para atacar o Egito, mas suas opiniões se tornaram mais favoráveis ao sionismo com a vitória na Guerra dos Seis Dias.
Outro excelente capítulo: os anos de juventude de Arendt na Berlim disputada por nazistas e comunistas em meio a um círculo de amizades que incluía Karl Jaspers, Walter Benjamin, Theodor Adorno. Os dramas políticos são tão bem narrados que quase podemos escutar os tiros e as vidraças sendo quebradas, à medida em que a estudante se tornava destacada militante anti-Hitler, fugindo do país após 1933. Viveu anos difíceis como exilada pobre na França, onde os judeus foram muito, muito perseguidos, mas conseguiu escapar para os Estados Unidos. Muitos não tiveram a mesma sorte, como seu amigo Benjamin, que se suicidou para não ser preso. Na América, Arendt floresceu como professora, escritora, jornalista e conferencista de renome internacional.
A vida amorosa de Arendt foi igualmente rica. Sem ser uma mulher bonita, despertou grandes paixões. A mais famosa foi com seu professor Martin Heidegger – um dos mais importantes filósofos do século XX, e também um nazista, egocêntrico e covarde da pior categoria. Os dois tiveram um caso curto, mas a amizade e a colaboração intelectual entre ambos durou toda a vida, atravessando os dois casamentos de Arendt. O primeiro, breve, com o escritor Gunther Stern. O segundo, longo, com o ativista comunista (e posteriormente, professor universitário nos EUA) Heinrich Blücher.
É possível que o livro mais famoso de Arendt seja “As Origens do Totalitarismo”, mas o que mais gosto é “Eichmann em Jerusalém – relato sobre a banalidade do mal”. Foi escrito como jornalismo político de primeira qualidade, quando a autora cobriu para a revista New Yorker o julgamento do burocrata nazista responsável pelas ferrovias que levavam os judeus aos campos de extermínio. Ele fora capturado de modo ilegal na Argentina, pelo serviço secreto israelense e levado ao Oriente Médio para um grande processo (foto). Foi nessa época que o Holocausto deixou de ser um tema tabu e se tornou parte central da cultura e da identidade israelense. Adler conta bem a polêmica que o livro provocou e narra o comportamento nem sempre digno de Hannah Arendt ao longo do caso.
Ainda assim, a biografia peca pela ausência de análises aprofundadas sobre a obra de Arendt. Gostaria de ter lido algo mais sobre livros como “Homens em Tempos Sombrios” e “A Condição Humana”, ou mesmo de averiguar eventuais influências de Arendt sobre os neoconservadores nos Estados Unidos. Me parece que eles assinariam muito do que ela escreveu a respeito da União Soviética, da Revolução Francesa e da democracia. Não por acaso, Leo Strauss, o guru do movimento também influenciou muito Arendt.
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5 comentários:
apenas um comentário perdido pois sei que gosta dessas coisas, a Mossad é muito mais presente em território brasileiro do que imaginamos. Em São Paulo e outro determinado estado, encontram-se sedes de verdadeiras células de comunicação e inteligência...
quanto à "Eichmann", bom é lê-lo com Primo Levi e Viktor Frankl!Tive oportunidade de fazê-lo na Pós de Segurança Pública, motivado pelo Renato Lessa.
Forte abraço,
André
Salve, André.
Bebemos da mesma fonte, porque muito do que sei sobre o Holocausto veio das fantásticas aulas do Lessa, em especial um curso que ele ministrou no IUPERJ chamado "Pensar a Guerra".
Olha que eu já acho o Mossad bem presente na América Latina... Afinal, vivi na Argentina, a maior comunidade judaica do continente.
Abraços
Bom, mas o melhor da história você nos sonegou. A amiga pegou o livro da Hannah Arendt, ficou impressionada, e tal, te olhou como quem encontra uma alma gêmea; você comentou sobre a ardorosa relação dela e o Heidegger, e aí? E então?
Bem, Sergio, voce ha de convir que o velho pretexto de "va la em casa ver minha colecao de selos" nao funciona mais nestes tempos de globalizacao, mais acesso a informacao, etc. Em todo caso, ninguem da a minima para o pobre Tocqueville, que nao merece o desprezo.
Abracos
Uma excelente obra de Christina Miranda Ribas
-Justiça em Tempos Sombrios: A justiça no pensamento de Hannah Arendt
Prefácio de Tercio Sampaio Ferraz Jr.
Vale a pena ser lida! Estou utilizando-a para a seleção do mestrado, que versa justamente sobre as relações entre Pensamento, Política e Filosofia em Arendt apartir do caso Eichmann. Abraço!
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