quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Uruguai: a queda do Condor



Voltei ontem à noite do Uruguai. Minha estada coincidiu com a prisão do ex-ditador do país, general Gregorio Alvarez. A notícia foi saudada com festa na Plaza Libertad e o sentimento geral está resumido pela manchete do jornal La República: “A queda do Condor: primeiro Videla, depois Pinochet, agora Alvarez”. Faltou acrescentar Fujimori para celebrar a novidade: os tiranos sul-americanos não tem mais a garantia da impunidade.

Alvarez foi ditador entre 1981-1985, a fase final do regime militar uruguaio, mas havia ocupado uma série de altos cargos na repressão política ao longo da década de 1970, inclusive a chefia da perseguição ao principal grupo comunista, os Tupamaros. Estima-se que a ditadura tenha assassinado cerca de 200 pessoas, número expressivo num país tão pequeno. A maioria foi presa de maneira ilegal em outros países do Cone Sul e levados ao Uruguai pela tristemente célebre Operação Condor. Nossa anfitriã uruguaia foi uma sobrevivente da época, pois sua prisão no Brasil resultou numa campanha internacional por sua libertação, já nos estertores da ditadura.

Meus dias em Montevidéu também foram simultâneos ao congresso da Frente Ampla, a coalizão de partidos de esquerda que governa o Uruguai desde 2004. É uma das experiências mais interessantes na política sul-americana, região em que as forças progressistas só costumam se aliar quando dividem a cela. A Frente foi fundada em 1970 e conseguiu superar obstáculos enormes, como a repressão durante a ditadura, o domínio dos dois partidos tradicionais (Colorado e Nacional) e as rivalidades no seio da esquerda.

A Frente Ampla tem sido fundamental nos esforços de reforma do governo de Tabaré Vázquez, como nos processos abertos contra os líderes da ditadura militar. Apesar de uma dúzia deles estarem presos, as leis de anistia ainda não foram revogadas, como ocorreu na Argentina, embora se especule a possibilidade de um plebiscito nacional sobre o tema. Colorados e Nacionales são bem mais cautelosos a respeito, saudaram a prisão de Alvarez mas declararam que não é bom remexer o passado.

Conversei com militantes do PT brasileiro que acompanharam o congresso da Frente Ampla e ouvi análises muito interessantes sobre os debates, como a ótima impressão que tiveram da qualificação dos ativistas de base. Tributo à democracia mais sólida da América do Sul, que se destaca por uma população bem-educada (no sentido de instrução formal e do trato pessoal muito amável) e por partidos fortes e bem enraizados na sociedade.

A frente não conseguiu eleger sua nova presidente, basicamente por conta de manobra mal-sucedida do Movimento de Participação Popular, a principal organização da coalizão, que tentou impor um nome próprio. Mas houve decisões importantes, inclusive no campo da política externa, como o rechaço à negociação de um Tratado de Livre Comércio com os EUA – negociação, aliás, que nunca tomei a sério, os uruguaios sempre ameaçam com esse tipo de movimento para chamar a atenção da Argentina e do Brasil para suas demandas no Mercosul.

A Cúpula do bloco aconteceu num clima de tensão entre Argentina e Uruguai. Cristina Kirchner tomou posse com discurso em que culpou Vázquez pela crise das papeleras e enfrenta sua primeira turbulência política com as acusações do governo dos Estados Unidos de que teria recebido dinheiro de Chávez para financiar sua campanha. A imprensa uruguaia é muito crítica com relação ao Mercosul, às vezes com razão. O Brasil faz pouco pelos sócios menores do bloco, e como dissse aos meus amigos uruguaios, não esperem outra coisa de um dos países mais desiguais do planeta. Solidariedade com os mais fracos não é nossa virtude nacional.

5 comentários:

Anônimo disse...

Pena que o Brasil não pega carona nesta onda de rever os crimes cometidos pelo Estado durante o período da ditadura militar brasileira. Uma lição de cidadania vem soprando do lado oeste do continente sul americano....

Em relação ao Brasil ser um campeão de desigualdade, que tal pensarmos um bolsa-família para o Uruguai? Hahaha
Desculpe a infâmia...não consegui segurar!

Abração, Mau

Sergio Leo disse...

Te invejo, maurício, você sabe descobrir as coisas interessantes nesses momentos. Falei dessa história de Uruguai também, temos a mesma opinião. Numa das minhas primeiras vezes em Montevidéu, o taxista me perguntou se eu não queria conhecer o ditador. Me vendeu a idéia de que o ex-tirano era uma espécie de atração local, conversava com os turistas e coisas do gênero...

Maurício Santoro disse...

Salve, Igor.

A ditadura no Brasil foi tema das conversas entre a equipe e a conclusão a que chegamos é que o Brasil é o país que pagou as maiores compensações financeiras às vítimas do regime militar... e em troca deixou os criminosos impunes. Solução tipicamente brasileira.

Nunca me ficou claro exatamente o que o Uruguai espera do Brasil. As preferências que o país recebe em termos de acesso a mercado e tarifas são pequenas. Talvez um programa conjunto de planejamento industrial e investimento, como às vezes se propõe com relação à Argentina?

Caro Sergio,

bom, tem muita coisa interessante acontecendo na América Latina... É realmente impressionante. Quando vivia em Buenos Aires, passava muito em frente à casa do Videla, que morava perto da universidade onde eu estudava. Era um prédio tão tipicamente de classe média que chegava a assustar. Banalidade do mal, diria Arendt.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Maurício:
Sim, voltei depois de muito tempo! Espero que compreenda a auséncia, o final das aulas foi difícil.
Qué bom é ver que no extremo sul de América as coisas väo sendo difíceis pelos ditadores e, como argentino, é um "orgulho sano" ver que meu pais está na vanguárdia do processo. Você pensa que o Brasil va mudar a política sob os crimes da ditadura? Há debates (ao menos, pouco amplos) ao respeito?
Saludos!!

Maurício Santoro disse...

Hola Patricio!

Extrañe tu participación!

Não, meu amigo, infelizmente no Brasil ainda estamos presos aos velhos fantasmas da ditadura e muito, muito atrás do que vocês fazem na Argentina e também do que ocorre no Chile e no Uruguai.

Abraços