terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Pedindo uma Cerveja no Zimbábue
Keynes disse certa vez que numa situação de hiperinflação é melhor pedir três cervejas ao entrar num bar, porque o preço da bebida irá subir ao longo da noitada. Pensei na frase do economista ao ler o post de Chris Blattman (que toca um dos melhores blogs que conheço a respeito de desenvolvimento e questões afircanas) sobre o Zimbábue, país que vive uma terrível crise política e econômica. A foto mostra a quantidade de dinheiro necessária para comprar um copo de cerveja. Há polêmicas sobre o índice de inflação, mas acredita-se que possa ser de mais de 10.000% anuais - os piores na América Latina estiveram em torno de 3.000%. A expectativa de vida baixou para 37 anos.
Na época colonial, o Zimbábue se chamava Rodésia, batizado em homenagem ao empresário e explorador britânico Cecil Rodes, que se tornou conhecido por sua declaração de que ficava angustiado ao ver o céu estrelado, porque ali estavam vários planetas que ele nunca poderia colonizar. Para azar dos africanos, boa parte do continente estava disponível. A África Austral, com seu clima ameno, foi especialimente propícia ao estabelecimento de milhões de colonos brancos. Não por acaso, foi lá que as independências não puderam ser negociadas e tiveram que ser conquistadas à bala: África do Sul, Angola, Moçambique, Namíbia, Zimbábue.
No Zimbábue, a minoria branca fez uma célebre declaração unilateral de independência dos britânicos, porque acreditava que Londres iria chegar a algum tipo de acordo com a maoria negra. Esta, evidentemente, não gostou da perspectiva de viver num regime racista e o resultado foi uma feroz guerra civil. O líder do governo branco, Ian Smith, morreu há poucas semanas. O chefe dos rebeldes, Robert Mugabe (foto) governa o pais desde os anos 1980.
E o faz pessimamente. Mugabe é ao lado do ex-presidente do Congo, Mobuto Sese Seko, o exemplo clássico do líder de um movimento de libertação que se tornou um magnata corrupto e autoritário.
Mugabe esteve no centro de uma crise diplomática nesta semana. Houve uma Cúpula entre África e União Européia em Lisboa e o primeiro-ministro britânico basicamente disse "ou ele ou eu". Optou-se por Mugabe, para grande constrangimento dos trabalhistas britânicos, que se viram excluídos do que deveria ter sido uma vitrine para suas políticas com relação à África.
A razão da opção por Mugabe é ilustrada na fala de uma amiga minha, que nasceu no Zimbábue mas como milhares entre seus compatriotas mais educados, emigrou para a África do Sul: "Não gosto de Mugabe, mas qualquer coisa é melhor do que ter os ingleses novamente se intrometendo por aqui". Os países africanos foram contra qualquer tipo de ação que representasse embargo ou intervenção estrangeira no continente, a pretexto de defesa dos direitos humanos.
Mugabe também divide os movimentos sociais africanos. Em seminário que fizemos em Johannesburgo, levamos sindicalistas do Zimbábue que contaram sobre as perseguições e ameças que sofrem. Colegas sul-africanos lhes responderam de maneira agressiva que não entendiam como eles podiam ser contra um governo que estava realizando uma reforma agrária. A situação ficou tensa. Eles se referiam aos confrontos entre trabalhadores sem terra e fazendeiros brancos, que tem sido manipulado por Mugabe, evidentemente em seu próprio benefício. A questão fundiária na África Austral é um barril de pólvora, não poderia deixar de sê-lo numa região onde até há pouco os negros não podiam ser proprietários de terra.
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9 comentários:
Certamente o desenvolvimento da África passa pela eliminação destes ditadores, excrementos reminescentes de um passado colonial ainda presente.
Ao mesmo tempo, achei hipócrita a atitude do governo britânico. Muito da miséria em que alguns países africanos vivem é herança direta do colonialismo inglês. E não me lembro de ações concretas do Reino Unido para desenvolver tais lugares..
Bem, meu caro, estamos à espera da sua análise da cúpula UE-África. Ouvi muitos elogios a respeito de sua aula de sábado.
Abraços
Maurício,
já leu "Queimando tudo", biografia do Bob Marley? Há capítulos legais sobre o Zimbábue.
Forte abraço!
Salve, André.
Não, nunca li a biografia do Marley, sequer sabia que ele andou por lá. Mas acabei de encomendar na Amazon um livro sobre a história contemporânea da África, que aborda o continente dos anos 1950 em diante. Foi muito elogiado lá e fora e sinto falta de uma referência assim para usar com os alunos do Clio.
Abraços
O Zimbabábue está, de fato, numa situação calamitosa. E o Mugabe é um sujeito inteligente (apesar de, nas suas palavras, já ter, além das muitas graduações, uma graduação em violência...) e, logo após sua subida ao poder, pareceu dar sinais de que o poder não lhe tinha subido a cabeça. Mas o Bob went mad, e aquele bigodinho à la Hitler que ora enfeita seu rosto causa-me calafrios.
Trabalho em Johannesburg com vários zimbabueanos, e, pelo jeito, a situação do país não parece ter solução a curto prazo. A oposição é fraca, Mugabe é muito carismático e saber usar muito bem o discurso maniqueísta, comigo ou com o inimigo, explorando as feridas deixadas pelo colonialismo e o regime do Ian Smith. Contudo, diferindo do Igor neste ponto, Mugabe e outros ditadores africanos não são somente excrementos do colonialismo, mas tem uma histório bem mais longo em África. O colonialismo deu-lhes outra cara, mas não os criou.
A quem interessar o assunto, consultar: http://www.soros.org/resources/articles_publications/publications/zimbabwe_20071201
http://www.soros.org/resources/multimedia/zimbabwe
Sobre a África pós-independência (1962 sendo tomado como ano-base), ler o excelente livro de Paul Nugent, Africa since Independence.
Concordo que a "gramática é o último refúgio dos canalhas", mas me incomodam meus próprios erros. Assim, onde se lê "saber" leia-se "sabe", onde se lê "longo" leia-se "longa", e que se acentue o "tem", lendo-se "têm". E que seja feita justiça à "história", expurgando-se "histório".
Olà, Masjop.
Voce trabalha para o Open Society? O instituto tem programas muito bons na Africa Austral.
Abracos
Olá, Maurício,
na verdade, trabalho para a AfriMAP(www.afrimap.org), que é um dos muitos programas da Open Society. Lido mais com assuntos relacionados a Moçambique, mas também dou meus pitacos em outros países. Na África austral, o programa mais abrangente da Open Society é a OSISA (www.osisa.org). No caso da AfriMAP, nos dedicamos mais à produção de relatórios, os quais, no momento, se concentram em três áreas: justiça, democracia e prestação de serviços públicos.
Grande abraço,
Jonas.
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