quinta-feira, 31 de julho de 2008
O Governo Brasileiro e as FARCs
A revista colombiana "Cambio" saiu nesta quinta com matéria de capa acusando altos funcionários do governo brasileiro de manter relações com as FARCs. Segundo a publicação, emails encontrados no laptop de Raúl Reyes, o líder guerrilheiro morto no ataque ao Equador, mostram o envolvimento com o grupo de "cinco ministros, un procurador general, un asesor especial del Presidente, un viceministro, cinco diputados, un concejal [vereador] y un juez superior [desembargador]". A informação teria sido mantida em segredo pelas autoridades da Colômbia para não prejudicar os excelentes laços comerciais entre os dois países.
A denúncia é menos bombástica do que parece à primeira vista. O material divulgado pela revista mostra apenas diálogos e conversas entre líderes da guerrilha e autoridades brasileiras, alguns tragicômicos como o pedido de um desembargador gaúcho para visitar um acampamento das FARCs - presumo que os vôos para a Disneylândia estivessem lotados naquele verão... Não há denúncias de ajuda financeira ou militar do governo do Brasil à guerrilha colombiana. Pelo contrário, o ataque ao Equador foi executado com aviões da Embraer...
Por que a imprensa colombiana divulgou as acusações neste momento? Meu palpite é que as informações foram vazadas pelo governo Uribe no contexto mais amplo do início da campanha diplomática para desmantelar a rede internacional de apoio às FARCs, sobretudo na Europa. O objetivo é aproveitar as vitórias contra a guerrilha no plano interno para isolá-las externamente.
Neste cenário, as posições moderadas do governo brasileiro com relação às FARCs são incômodas para Uribe. É constrangedor que funcionários do Estado se reunam com membros de uma organização ilegal que diversos países próximos ao Brasil classificam como "terrorista". A Constituição elenca o repúdio ao terrorismo como um dos pilares da política externa brasileira, embora a realidade das disputas de poder muitas vezes obrigue à manutenção de diálogos com grupos como o Hezbolá - que atua como partido político no Líbano, com deputados e ministros - e à tentativa de encontrar um modus vivendi com as FARCs, para evitar conflitos na turbulenta zona de fronteira entre Brasil e Colômbia e garantir proteção ao número crescente de empresas brasileiras que operam em território controlado por guerrilheiros.
Em certos círculos da direita brasileira ganhou força a teoria conspiratória que transforma o governo Lula no principal sustentáculo da guerrilha colombiana (ou vice-versa, dependendo do entusiasmo do analista). O veículo para essa influência seria o Foro de São Paulo, a rede de partidos e movimentos da esquerda latino-americana. Em minha perspectiva, o Foro foi criado como uma tentativa desses grupos em redefinir seu lugar no mundo após a queda do Muro de Berlim e o colapso dos regimes comunistas na URSS e na Europa.
A idéia era boa, mas foi absurdo ter incluído movimentos armados na iniciativa. O Fórum Social Mundial, por exemplo, exclui tais grupos. Muito sofrimento ocorreu na América Latina em função de violência política. Não faria mal algum declarações de líderes de peso no continente, como o presidente Lula, repudiando com veemência essas estratégias criminosas. Como diz o cientista político Juan Linz, a democracia só se consolida quando vira "the only game in town", isto é, a única via legítima para chegar ao poder.
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5 comentários:
Maurício,
realmente a divulgação não chega a ser bombástica e não há nenhum dado comprometedor no conteúdo das mensagens, mas o mais preocupante não é um conteúdo específico e sim o conjunto da obra. O PT e membros do círculo mais íntimo do presidente (quando não ele mesmo) têm posições muito contraditórias em relação às FARC e uma tolerância extraordinária com grupos que violam as leis e comprometem a democracia protegidos por um discurso oco de igualdade social e esqueletos leninistas bastante apreciados no Planalto nos últimos anos. Manter uma via extraoficial de contato com um grupo terrorista que seqüestra e trafica drogas em um país vizinho é sim um comportamento reprovável e preocupante. Os episódios recentes das FARC revelaram não só a incapacidade brasileira de exercer liderança regional quando o assunto é segurança, mas também expuseram a delicada rede de relações do primeiro escalão do governo brasileiro, incapaz de tomar decisões à altura da importância do Brasil no subcontinente.
Desculpe o azedume, amigo, mas o governo de Nosso Guia já deu. Grande abraço.
Salve, Rodrigo.
Concordo contigo que há por parte do governo, e do PT, tolerância excessiva com relação às FARCs, com freqüência amparada numa visão romântica e idealizada da luta armada, no passado e atualmente.
Penso que o Brasil poderia ter um papel bem mais incisivo na crise colombiana, e que esse vácuo de liderança foi o que abriu caminho para intervenções extra-regionais, dos EUA e da França.
Será que ainda veremos mudanças na postura brasileira?
Abraços
Não acredito em mudanças neste governo. Temos caminhado para revigorar um certo terceiro-mundismo e feito outras tantas apostas no passado que parece ser um problema de visão de mundo.
O blog não tem mais link do Assembléia Geral? Assim enfraquece...rs
Grande abraço
O seu blog ainda existe?
Você o atualiza uma vez por mês!
Abraços
Cacetada... Agora ainda tenho que ouvir isso.
Verdade que o ritmo de atualização é lento, mas ainda não desisti dele não. Atualmente está atualizado. Um dia eu chego lá.
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