segunda-feira, 20 de julho de 2009
Democracia nos Andes
“Radical Democracy in the Andes”, da recém-falecida cientista política americana Donna Lee Van Cott, é pequena jóia de análise sobre as administrações municipais da zona rural da Bolívia e do Equador. Van Cott examina as relações entre movimentos sociais indígenas, partidos, ONGs e doadores internacionais, num panorama dinâmico em que se destaca o aumento da participação popular, mas com restrições quanto à permanência de práticas autoritárias, desigualdades de gênero, intensa polarização e instabilidade.
O período estudado são as décadas de 1990 e 2000. Nesta época plena de mudanças, houve inicialmente um amplo processo de descentralização administrativa, com mais responsabilidades sendo atribuídas aos governos municipais. O novo espaço foi aproveitado pelos movimentos sociais e as pequenas cidades elegeram em números crescentes vereadores e prefeitos de tais grupos – os bolivianos Movimento ao Socialismo de Evo Morales e o MIP de Felipe Quispe e os equatorianos Pachakutik e Amauta Yuyay.
Van Cott analisa diversos municípios e observa que numa região de instituições frágeis, a liderança pessoal importa. Os prefeitos que se destacaram foram os que construíram coalizões de apoio que atravessaram as linhas de divisão étnica (sobretudo entre indígenas e mestiços, são comunidades rurais com poucos brancos) e conseguiram aliados com recursos financeiros e técnicos em carência nas administrações locais, como ONGs internacionais, agências de cooperação e universidades. O contato pessoal dos políticos com suas bases e a ida aos distritos mais remotos também são fundamentais, porque diante da escassez de verbas os prefeitos andinos dependem da colaboração dos cidadãos para a realização de mingas (mutirões) para executar obras públicas.
Os dois principais partidos examinados por Van Cott – o MAS boliviano e o Pachakutik equatoriano – nasceram de um amálgama de movimentos sociais (sindicatos, cocaleiros, indígenas, grupos católicos vinculados à teologia da libertação) e um dos pontos altos de seu livro é mostrar as tensões entre as bases populares e os dirigentes. A eleição de Evo Morales e a breve e tumultuada participação do Pachakutik no governo do coronel Lucio Gutiérrez (2003-2005) criaram pressões por empregos, verbas e muitas desilusões e ressentimentos com relação ao comportamento dos líderes no inevitável jogo de barganhas da vida política.
Esses foram os trechos que mais me tocaram, porque refletem minha experiência nos últimos anos, em viagens de trabalho à Bolívia e ao Equador (as fotos acima foram tiradas por mim na cidade boliviana de El Ato, bastião das revoltas recentes). Pesquisei movimentos sociais nos dois países e entrevistei lideranças e militantes de base. Meu estudo sobre como são a chave para entender a dinâmica política da Bolívia foi premiado pelo Itamaraty e está publicado em livro.
Meu trabalho em terras equatorianas foi mais restrito, o que ficou de mais forte foi a entrevista que fiz em Quito com a ex-chanceler Nina Pacari (foto abaixo), uma das líderes do Pachakutik. Ela rompera havia pouco com o governo Gutiérrez e em nossa conversa foi possível perceber o fosso que se abriu rapidamente entre o coronel e seus antigos aliados. O que eu não previa – e que Van Cott explica muito bem – foi como a ruptura lançou o Packakutik numa crise da qual o partido jamais se recuperou. Quem se aproveitou dela foi uma sigla indígena evangélica, o Amauta Yuyay, e um tecnocrata que se valeu da confusão reinante para ascender como um foguete – o atual presidente, Rafael Correa.
Van Cott chama a atenção para os riscos que ameaçam a consolidação democrática nos Andes, como a extrema volatilidade eleitoral, que dificulta a implementação de reformas. Mais do que isso, os movimentos sociais da região foram formados em clima de enfrentamentos violentos e com frequencia se mostram pouco propensos a reconhecer a legitimidade de outras opiniões. A pressão pela coesão do grupo também pode levar ao conformismo e à intimidação, bem como a sub-representação de setores discriminados, como as mulheres.
Além da tensão entre movimentos e partidos, há um problema não resolvido na conjuntura estuda por Van Cott: a reeleição. Ela destaca a importância das lideranças individuais, mas ressalta as tradições indígenas de rotatividade dos cargos de chefia política. Da Bolívia a Honduras, esta é uma questão que está no epicentro das crises da América Latina.
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5 comentários:
Meu Caro Amigo:
Esperemos que a Democracia nos Andes seja cada dia mais forte.
De propósito, deixo meu endereço pra todos os outros leitores que tenham o extranho gosto de se contatar com um argentino, em especial o Carlos, homem de grande experiéncia: iglesiaspa@gmail.com .
Boa sorte!
Patricio Iglesias
Ojala, don Patricio.
Espero que a correspondência entre você e o Carlos seja longa e frutífera!
Abraços
Olá Professor.
Preciso muito entrar em contato contigo, todavia não tenho seu e-mail, pois o que inha era do Ibase e o do Iuperj está voltando. Poderia me enviar seu e-mail para que possamos conversar.Meu e-mail fabricio.oliveira@bakerhugues.com
caro santoro,
esses acontecimentos nos andes, como sou um tanto quanto otimista, creio ser a luta por cidadania, por "republicanismo", por auto-afirmação de povos e setores populares sempre alijados da vida pública de seus países. obstáculos não faltam, no entanto a conjuntura atual permite avançar na luta cotidiana.
a questão dos meios de comunicação é fundamental, tanto aqueles convencionais como os atuais ligados à internet. alguns deles deram uns primeiros passos. me parece que em outubro próximo haverá no brasil uma conferência pra tratar do assunto. a grande mídia já começou a estrilar. isso é bom.
quanto ao hermano iglesias, bastante generoso por sinal, vou visitá-lo pelo e-mail. aguarde, pois, compadre.
abçs
carlos anselmo
Caro Fabrício,
Não se preocupe, vou lhe enviar um email, meu novo endereço é mauriciosantoro1978@gmail.com.
Salve, Carlos.
Sem dúvida, a questão da imprensa é de máxima importância, infelizmente ela não é tratada no livro da Van Cott.
Tenho acompanhado um pouco do debate sobre a Conferência Nacional de Comunicação, e lamento apenas que ela tenha demorado tanto tempo para acontecer.
Fico contente pelo início da correspondência entre você e o Patricio, algo bom sairá daí!
Abraços
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