quarta-feira, 1 de julho de 2009
O Golpe em Honduras e a ALBA
O golpe de Estado desfechado em Honduras no domingo é uma crise internacional cujo cerne é a radicalização ideológica em diversos países andinos e centro-americanos entre o projeto político da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), e as reações violentas que essa iniciativa desperta. A boa notícia foi o raro repúdio unânime ao golpe: OEA (incluindo os Estados Unidos), União Européia, ONU. Todos defenderam a democracia e isolaram diplomaticamente os golpistas.
O presidente hondurenho, Manuel Zelaya, se inspirou em Hugo Chávez e propôs um plebiscito para instalar uma assembléia constituinte. A Suprema Corte declarou o plebiscito ilegal – a Constituição hondurenha proíbe o uso desse mecanismo para reformas constitucionais - mas o presidente determinou que as preparações continuassem mesmo assim. A crise havia se agravado nas últimas semanas, quando Zelaya exonerou o chefe do Estado-Maior do Exército e o ministro da Defesa. Os militares depuseram o presidente, que foi enxotado para a Costa Rica, e logo o Congresso apontou um substituto para ocupar o cargo até 2010.
Zelaya não é o típico chavista. É empresário, grande proprietário de terras, e foi eleito presidente pelo conservador Partido Liberal, com uma plataforma centrada em contenção dos gastos públicos e combate ao crime. Foi apenas na segunda metade de seu mandato que resolveu apostar nos ventos andinos, sem conseguir, contudo, se tornar um mandatário de grande aceitação popular.
A ALBA foi criada por Chávez há cinco anos, como uma série de acordos de cooperação baseados na venda de petróleo venezuelano a preços baixos. O “A” significava Alternativa, mas em junho de 2009 passou para “Aliança”, justamente para representar a ampliação do projeto inicial. Atualmente, a ALBA é formada por nove países (Antigua, Bolívia, Cuba, Equador, Honduras, Nicarágua, República Dominicana, São Vicente e Granadinas, Venezuela,) totalizando cerca de 80 milhões de habitantes. Tem demonstrado capacidade agir em bloco em fóruns regionais, como na resolução da OEA que cancelou a suspensão de Cuba, nas críticas ao presidente peruano Alan García pela repressão aos movimentos indígenas, e agora no apoio ao presidente hondurenho deposto.
O golpe em Honduras parece a reedição de velhos pesadelos latino-americanos, mas está ausente o clima maniqueísta da Guerra Fria que permitia a esse tipo de manobra prosperar. Houve, de fato, golpes bem-sucedidos na região nas décadas de 1990 e 2000 – como no Peru de Fujimori ou na deposição de Jean-Bertrand Aristide no Haiti. Mas foram as exceções. As três tentativas na Venezuela (1992 e 2002) fracassaram e crises muito graves na Bolívia e no Equador não degeneraram em quarteladas, como teria acontecido no passado.
Pesquisas recentes mostram que em média houve apenas três golpes de Estado por ano no mundo após a queda do Muro de Berlim. O número chegou a ser quatro vezes maior do que isso, no auge da Guerra Fria (gráfico acima).
Além da diminuição das ocasiões da ruptura institucional, a pesquisa também mostra que governos que resultam de golpes tendem a durar menos do que no passado – 2/3 não chegam a completar cinco anos, o que é muito diferente do padrão estabelecido por, digamos, um Pinochet ou Somoza. Ou Fidel, diriam outros...
Enquanto escrevo, não está claro o desfecho da crise. Zelaya prometeu voltar a Honduras, e os golpistas ameaçam prendê-lo caso faça isso. Houve protestos a favor do presidente deposto, reprimidos com violência. Aguardemos os resultados.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
8 comentários:
Maurício,
concordo que a defesa uníssona da democracia pelas instituições internacionais é rara e foi muito bem-vinda, sobretudo se pensarmos na recepção positiva que o golpe a Chávez teve do governo Bush anos atrás. Entretanto, não me parece que o caso seja simples assim: militares e elite se unem para destituir um presidente popular e manter as estruturas de poder num país cucaracho. Como você disse, Zelaya estava descumprindo a constituição do país e ignorando os demais poderes, que reagiram para manter a ordem constitucional (com interesses, claro). Detesto ver o Exército nas ruas e toques de recolher, mas o que faríamos aqui se o presidente Lula resolvesse dar a si mesmo um terceiro mandato por Medida Provisória? Creio que a OEA e a ONU agiram da forma certa, apenas a ocasião é que não foi a melhor.
O próprio Zelaya não estava cumprindo a constituição do país,tentando um golpe para permanecer no poder.
Me parece que foi um golpe dado em quem estava tentando um golpe, então a solução é novas eleições e não devolver o poder a uma pessoa que só quer se perpetuar no poder.
Meu caro:
O que mais me interessou foi o gráfico dos golpes. Säo realmente uma boa nova os dados que você da.
Sem dúvidas, Obama näo é Bush e isso explica em grande medida a oposiçäo ao golpe. Centroamérica já tinha uma experiéncia similar com a Nicaragua em 2005, onde o Poder Legislativo, oposto ao presidente, fez uma reforma constitucional na qual tomou atribuçöes próprias do Executivo; foi a primeira coisa que lembrei.
Saludos!
O gráfico é muito interessante, a cereja do bolo. Olhando com calma, tenho a impressão de que a queda no número de golpes começou em 83, com um novo surto em 92-93; consigo encontrar uma explicação para o surto: deve ser a derrubada de governos que se sustentavam com o apoio da URSS. Mas por que a queda a partir de 83? Não consigo explicar.
caro santoro,
o iglesias matou a pau. o gráfico dos golpes é um achado, meu camarada.
cá pra nós: essa blogosfera nos prega cada surpresa, hein? parabéns.
sobre o golpe em honduras, não cabe meias palavras. foi um golpe no melhor estilo de república bananeira. por mais que o presidente, violentamente afastado pelos gorilas, tenha, supostamente, violado a "carta magna" daquele país, não se justifica tamanha brutalidade contra a democracia. numa ocasião como essa, nada mais civilizado do que abrir um processo de destituição contra o mandatário do país. ressalte-se que não conheço uma vírgula da constituição de honduras, mas possa imaginá-la, pois foi outorgada pelos milicos após a guerra civil nos anos 80. imagine suas "salvaguardas" legais, né não?
lembro aos navegantes que o saudoso sobral pinto dizia que existia peru a califórnia, mas democracia só existia uma: democracia. sem adjetivação.
no mais, um delírio imaginar o presidente lula tentar um terceiro mandato por medida provisória. seria o caso do congresso autorizar um exame de sanidade ou, humoristicamente, e mais barato,lhe dar uma vaia.
abçs
Salve, Rodrigo e Anônimo.
O presidente Zelaya certamente infringiu as leis de Honduras, mas o modo de lidar com isso não é com tropas na rua, e sim com o que os britânicos chamam de "due process of law", o que neste caso seria um procedimento de impeachment, como os que ocorreram na década passada no Brasil e na Venezuela. Como o Carlos bem colocou, aliás.
Patricio e Diego,
o gráfico é mesmo excelente e abarca todo o mundo, acredito que a maioria dos golpes tenha ocorrido na África, e daí vale lembrar que a metade da década de 1990 foi uma época bem conflituosa na região, com o estouro de várias guerras étnicas.
Abraço
Apenas reiterando: não defendo o golpe, apenas considero que o caso não é tão simples quanto uma primeira leitura possa sugerir. Reafirmar a democracia é sempre necessário, mas já houve ocasiões recentes mais apropriadas em que a defesa não foi assim tão enfática.
Discordo, Rodrigo. O caso é bastante simples. Quantas vezes na América Latina ouvimos golpistas destruirem a democracia afirmando que a defendiam? Dos militares brasileiros em 1964 a Pinochet no Chile e Videla na Argentina, esta é a música mais recorrente na histórica das intervenções militares na política latino-americana.
Naturalmente, o presidente Zelaya havia infrigido as leis e aberto o motivo que poderia levar à sua deposição. Mas esta deveria ocorrer pelas vias legais, por um processo de impeachment. O recurso à violência é a última carta a ser lançada, e não uma quartelada banal como em Honduras.
O caráter dos golpistas no país centro-americano já ficou bem claro com o estabelecimento do receituário repressivo clássico: toque de recolher, censura, cancelamento dos direitos civis... Tudo o que afirmavam que Zelaya faria.
Abraços
Postar um comentário