sexta-feira, 24 de julho de 2009
O Debate sobre Cooperação na África
Um dos projetos profissionais nos quais estou envolvido diz respeito à cooperação internacional na África, de modo que tenho me atualizado no debate sobre o tema, lendo pesquisas acadêmicas, relatórios do Banco Mundial, de programas da ONU, e me familiarizando com novos instrumentos como o Quadro de Trabalho Integrado elaborado por essas instituições para planejar o auxílio técnico ao comércio exterior.
Grosso modo, há três vertentes principais para a análise dos projetos de ajuda oficial ao desenvolvimento na África.
A otimista é capitaneada por Jeffrey Sachs. Centrada nas Metas do Milênio das Nações Unidas, afirma a possibilidade de erradicar a pobreza extrema no continente ao longo de uma geração, e destaca a necessidade de compromissos da comunidade internacional em fornecer os recursos financeiros exigidos para enfrentar os problemas de infraestrutura e de saúde pública.
A pessimista tem seu principal representante em William Easterly, hiper cético diante dos modelos teóricos e pacotes de auxílio que prometem crescimento e melhorias sociais, chamando a atenção para repetidos fracassos nesses projetos.
No meio termo - a meu ver, mais próximo a Sachs - está Paul Collier, que propõe instrumentos pelos quais os países desenvolvidos podem impor as reformas aos governos africanos, como a adoção de regras globais de governança e intervenções militares para manter acordos de paz e impedir recaídas em guerras civis/golpes. A diferença: Sachs está pautado pelo referencial da ONU, ao passo que Collier foca em mecanismos decisórios mais restritos - G-8 ou OCDE.
Collier frisa que a maioria dos países em desenvolvimento está, de fato, fazendo justiça à classificação. As exceções são o que ele chama de “bottom billion”, um conjunto de países da África (com membros eventuais de outros continentes, como Haiti e Afeganistão) que ficaram para trás e tem hoje dificuldades maiores de se integrar na economia global.
Os três expoentes do debate nasceram nos Estados Unidos ou na Inglaterra. São economistas, homens, brancos e com histórico profissional em universidades de ponta ou instituições multilaterais. Seu trabalho é de alta qualidade acadêmica, com reflexões interessantes, mas limitações evidentes, tais como o paternalismo ao qual se referem à África e ausência de análises profundas sobre tradições políticas, intelectuais e culturais do continente (fora anedotas sobre os aspectos mais grotescos da corrupção e da violência política).
Os autores que citei têm deixado em segundo plano o papel crescente das nações emergentes no desenvolvimento africano – sobretudo China e Índia, mas também o Brasil. O caso chinês ainda é mencionado de passagem, em geral para se queixar do apoio que Pequim dá a ditaduras como Zimbábue e Sudão, mas ignorando as iniciativas dos empresários privados chineses ao longo da região.
Ora, o dinamismo econômico internacional de hoje está justamente em nações como China e Índia. A regra do jogo mudou para a África e é natural que o continente olhe para as novas potências em ascensão em busca de mercados, capitais e tecnologia. E à procura de esquemas de cooperação mais adequados às suas necessidades, como o formato triangular que descrevi neste blog, há algumas semanas.
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10 comentários:
caro santoro,
apesar da estratégia convencional desses estudiosos do mundo desenvolvido tão bem analisados no post, acredito que não serão descartadas no futuro pelas organizações multilaterais. afinal, elas representam as grandes economias mundiais.
o amigo lembrou bem da trinca brasil, índia e china.
esses ditos parceiros, pelas notícias que temos, estão no "grande jogo" da áfrica.
o brasil, por exemplo, além das construtoras de praxe, marca presença com a embrapa e a fiocruz. a china, que tem horror em pagar valor agregado de produtos importados, literalmente compra, dentre outras, terras pra agricultura e jazidas de petróleo. a índia, me parece, atua na área de informática e comércio em geral.
no que isso vai dá, não sou nem mãe de santo, mas já se notam avanços, apesar da maldita herança colonial.
carlos anselmo
abçs
ps: como bom cearense afirmo sem rodeios: respeite a aula do professor santoro!
Oi, Carlos.
É, tanto o Sachs quanto o Collier são muito influentes nas organizações internacionais, em particular na ONU e no Banco Mundial. O Easterly trabalhou para essa instituição, mas saiu brigado em função das críticas ácidas do seu livro "The Elusive Quest for Growth".
Sobretudo por conta da China, a regra do jogo mudou, mas pouco, muito pouco tem acontecido em termos de redução da pobreza na África. As cifras atuais são praticamente iguais às da década de 1980.
Abraços
Gostei muito do seu blog, estou lendo desde os posts mais antigos.
Queria muito ter um professor como você. Para os meus professores do curso de Letras praticamente não existe América Latina. Para eles é algo muito distante.
Parabéns pelo blog e obrigado por trazer tanta informação.
Oi, Maurício. Como está por aí? Muito frio? : )
Estou retomando meus blogs:
http://passodecaranguejo.blogspot.com/
http://humanrightsjournal.blogspot.com/
Estive bastante ocupada com o trabalho, mas agora estou retomando minhas paixões, como RI, por exemplo.
Abs! Rafa.
Oi, Maurício. Como está por aí? Muito frio? : )
Estou retomando meus blogs:
http://passodecaranguejo.blogspot.com/
http://humanrightsjournal.blogspot.com/
Estive bastante ocupada com o trabalho, mas agora estou retomando minhas paixões, como RI, por exemplo.
Abs! Rafa.
Oi, Gigio.
Seu comentário me deixa ao mesmo tempo alegre e triste. Fico contente em saber que o blog é útil para você, mas é ruim observar que as universidades brasileiras continuam com os mesmos problemas de quando fiz minha graduação, e lá se vai uma década.
Em todo caso, tive más experiências na faculdade e em grande medida procuro ser o tipo de professor que não encontrei na velha UFRJ...
Olá, Rafaela.
Bom saber, volto a acrescentar seus blogs na lista ao lado. Por aqui tem feito muito calor, e o clima já está bastante seco.
Abraços
Obrigada! Espero você adicionar os blogs novamente. : )
Bjs!
Meu Caro Maurício:
Espero estar errado, mas tenho a impressão de que issos intelectuáis não tem nem a menor idéia do que é a cultura dos paises africanos. Com sorte devem falar francés, e acredito que um menino save mais swahili do que eles. Sim! "Pumba", "Simba" e, claro, "Hakuna Matata!". Ha, ha, ha!
Saludos!
Salve, Patricio.
Bom, em geral são autores que trabalharam nesses países, mas a sensação é que não conheceram muito da cultura ou da história, as referências que eles fazem são sempre sobre algum ministro ou alto funcionário.
O bom e velho rei leão talvez fosse uma fonte melhor...
abraços
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