segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Tempos de Paz
“Tempos de Paz” é um filme extraordinário, que trata de direitos humanos, ditadura, democracia e do poder – e necessidade – do teatro como um símbolo de humanidade diante da bárbarie. Uma obra-prima profundamente brasileira, mas de mensagem universal. Daniel Filho dirige o longa, a partir da premiada peça de Bosco Brasil.
O filme é ambientado em abril de 1945, no dia em que a ditadura Vargas liberta os presos políticos. A guerra na Europa está nos momentos finais, mas o serviço de imigração ainda aguarda as novas diretrizes para os tempos de paz. Sigismundo (Tony Ramos) está numa situação difícil. Ex-membro da polícia política do Estado Novo, ele teme que alguns dos anistiados resolvam acertar velhas contas, e se ressente com o posto secundário que exerce na Alfândega, depois de “ter feito tudo que eles mandaram”. Enquanto pensa em voltar mais cedo para casa, precisa vistoriar um navio recém-chegado, trazendo refugiados que querem se estabelecer no Brasil. Um deles é o polonês Clausewitz (Dan Stulbach), que afirma ser agricultor, mas cujos modos sofisticados despertam a desconfiança das autoridades.
Pressionado por Sigismundo, Clausewitz abre o jogo: na realidade, é ator, mas desistiu do teatro, porque não acredita que a arte seja capaz de dizer algo ao mundo depois dos horrores que testemunhou na guerra. Aprendeu português encantado com a doçura da língua (“Parece um latim falado por quem não tem dentes”). Ele não tem pertences ou dinheiro com os quais possa subornar a imigração. Irritado, Sigismundo lhe propõe uma aposta: se conseguir fazer chorar o embrutecido torturador, poderá ficar no Brasil. “Isso está no regulamento?”, pergunta o atônito candidato a imigrante. Seu algoz lhe responde com o lema de todos os torturadores e esbirros de ditaduras, do Estado Novo à Alemanha Nazista: “O regulamento sou eu”.
O jogo que se segue entre os dois é um esforço doloroso de Clausewitz para recuperar suas lembranças e comover Sigismundo, no que é, simplesmente, a mais bela declaração de amor ao teatro que já vi. O clímax é um monólogo extraído de “A Vida é Sonho”, famosa peça de Calderón de la Barca, e no entano o que realmente me emocionou é fala seguinte de Clausewitz, na qual ele reflete sobre o significado das artes cênicas.
“Tempos de Paz” é um filme de dois excelentes atores. Stulbach tem um papel dificílimo, tendo que representar com forte sotaque polonês e interpretar um ator inseguro com o idioma português. Mas é Tony Ramos quem rouba a cena. Parte da crítica não gosta dele, por sua enorme desenvoltura em produções populares na TV e no cinema. Bobagem - Tony Ramos é um artista excepcional, como pode comprovar quem quer que assista a esse seu retrato de certa brutalidade bem brasileira.
Mas também é típica do Brasil a acolhida generosa que o país deu a tantos refugiados da guerra, como o fictício Clausewitz, e que renovaram a cultura nacional. O filme presta uma bela homenagem a todos eles, e nos faz sentir um pontada de orgulho por esta nação às vezes tão confusa.
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