quarta-feira, 28 de abril de 2010

Tempos Interessantes



Ontem abrimos os trabalhos da turma 2010 do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, onde leciono, e realizamos um encontro com as turmas dos dois anos anteriores. Cada professor fez uma pequena palestra sobre os temas de sua especialização e abordei os acontecimentos na América Latina na primeira década do século XXI, no que chamei de "Tempos Interessantes" para a região.

Comecei contando uma história. Dez anos atrás, eu era repórter de um grande jornal, quando houve a insurreição indígena no Equador. O acontecimento foi recebido com deboche na redação, com alguns colegas tratando o fato como uma espécie de comédia esdrúxula. Usei o caso como exemplo das atitudes de preconceito e incompreensão do Brasil com o resto do continente, e chamei a atenção para como isso dificulta as análises das transformações regionais.

Ao mesmo tempo, há no Brasil demanda crescente por informações especializadas sobre a região. Me pergunto se o tipo de carreira que tenho - com contribuições para a imprensa, universidades, movimentos sociais, órgãos governamentais - seria possível em outra época.

Do ponto de vista econômico, abordei o modo como as relações econômicas entre os países da América Latina se tornaram mais intensas. O comércio entre eles aumentou e o continente conquistou espaço como local para a ação internacional das empresas brasileiras. Simultaneamente, a dependência energética brasileira com respeito aos vizinhos ficou clara nas crises envolvendo o gás natural da Bolívia e a eletricidade do Paraguai.

Na política, entre tantas abordagens possíveis, frisei o caráter incompleto da transição democrática na América Latina. A democracia ainda não se tornou o "único jogo na cidade", com golpes ocorrendo na Venezuela e em Honduras, violência política na Colômbia. Citei também a ameaça do crime organizado em boa parte do continente, do México ao Brasil. Quando quadrilhas de bandidos controlam pedaços consideráveis do território, discussões sobre democracia se transformam em exercícios metafísicos.

Mas é claro que essa transição incompleta convive com um processo rico e dinâmico, repleto de acertos e de erros, de experiências democráticas no continente. As parcelas mais pobres da população vivem uma mobilização política expressiva, e o crescimento econômico acentuado da última década resultou em avanços significativos no combate à pobreza, com o surgimento de uma nova classe média. Porém, persistem desigualdades sociais muito sérias, mesmo em países que passam por grandes aumentos no PIB, como Argentina e Venezuela - o Brasil tem se saído melhor, apesar de crescimento mais moderado.

Por fim, tratei da nova "identidade BRIC" do Brasil, perguntando se o aspecto latino-americano da política externa brasileira não acabaria em segundo plano.

11 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Estava por buscar o enlace "Me gusta", mas lembrei que não estiva no Facebook. Ha, ha, ha!
Beijos

Patricio Iglesias

luizgusmao disse...

a cobertura das editorias internacionais mudou mto e para melhor não apenas para a região, mas tb para a política internacional como um todo. lembro q por essa mesma época, calouro de segundo ou terceiro semestre, fui a um seminário sobre relações internacionais nos jornais e um cara do estadão falou qdo como era difícil convencer os colegas da importância de "cobrir a chechênia". não deu outra - debocharam maliciosamente da expressão um tanto infeliz.

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

Pois é, precisamos de mais recursos como este por aqui!

Salve, Luiz.

Acho que melhorou, mas não muito. No que toca à América Latina, por exemplo, os jornais brasileiros só mantém correspondentes na Argentina. Precisamos de mais informações sobre a região.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu amigo:
Viu as bandeiras?
1) A bandeira de Burkina Faso no lugar da uruguáia. Qué terá fumado o criador da imagem?
2) HORROR! HORROR! HORROR! HORROR! HORROR! A Union Jack nas Ilhas Malvinas!
Abraços!

Patricio Iglesias

Bruno Lopes disse...

Grande mestre,

no meu pequeno mundinho, o da energia, a curto prazo vejo uma tendência de diminuição na integração latino-americana. Se trabalharmos bem, ficaremos na mesma.
Com o gás associado do pré-Sal, o Brasil poderá prescindir por um tempo do gás boliviano (mas deverá usar ambos).
Uma das razões desse retrocesso seria uma atitude mais protecionista de alguns dos governos latino-americanos. Quando essa onda virar, haverá chances dessa integração voltar a crescer. Mas ela dependerá ainda, é claro, das decisões de investimento tomadas no Brasil.

Unknown disse...

Caro professor Santoro,
Sou seu aluno na UCAM, na PÓS-RELAÇÔES INTERNACIONAIS.
Gostei muito de suas abordagens neste blog e dentro da sala de aula aos sábados.

Uma nação como o Brasil buscando um papel de importância internacional precisa ter mais correspondente em várias partes, no que tange a América Latina, que é o foco do Brasil, a ampliação de observadores seria muitíssimo importante.

Abraço

Anderson Lobo Villela

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Até entendo a bandeira britânica nas Malvinas, mas o caso uruguaio é realmente bizarro! Pena, porque a imagem é bonita...

Olá, Bruno.

Concordo, a tendência para o Brasil é diminuir a dependência dos vizinhos e apostar mais nos recursos próprios, do Pré-Sal.

Salve, Anderson.

Seria muito bom se tivéssemos uma ampliação do conhecimento sobre a América Latina produzido por brasileiros. Quem sabe conseguimos isso?

Abraços

Rafael disse...

olá Maurício!

Mas o quanto dessa incompreensão não é puro preconceito? Lembro da cobertura das eleições argentinas (quando Néstor Kirchner foi eleito para o seu primeiro mandato) pelo Estadão, todos os perfis dos candidatos, que eram chamados por seus apelidos, eram jocosos e tratavam somentes de fofocas. Até hoje tudo o que é valorizado pelo senso comum na América Latina é a herança européia.

Maurício Santoro disse...

Salve, Rafael.

Como reza o provérbio árabe: "A ignorancia é vizinha da maldade".

O preconceito brasileiro com relação aos outros países da América Latina dificulta levá-los a sério e aprender com seus acertos e erros, o que estimula mais preconceito... É um círculo vicioso.

abracos

Glaucia Mara disse...

Uma das coisas mais impactantes nesses meus 10 anos fora do Brasil, foi justamente descobrir a America Latina. Nao deixa de ser ironico, que isso aconteça a milhares de quilometros dos nossos vizinhos.A populaçao de imigrantes latino americanos " vulgo SUDACAS" por aqui é impressionate. Nao tem nada melhor que aprender historia e politca, antiga ou atual na mesa de um bar, dividindo cerveja com colombianos, equatorianos, e até nossos eternos rivais argentinos. Hoje tenho grandes amigos de guatemala e panama, paises que anos atras eu nem saberia indicar com precisao num mapa. O conhecimento e entendimento derrubam barreiras que as vezes parecem impossiveis. Arabes e palestinos tocando juntos numa orquestra, dirigidos por Daniel Barenboim, conversar de igual para igual com uma mulher de burka.... ( mas essa discussao deixamos pra outro dia)

Maurício Santoro disse...

Oi, Glaucia.

Foi um pouco o que vivi quando morei na Argentina, e nossa experiência é comum com a de outros brasileiros que passaram temporadas no exterior, como os exilados da ditadura.

Abraços