segunda-feira, 7 de junho de 2010

Uma Mulher no Comando



Li por estes dias “A Woman in Charge – the life of Hilary Rodham Clinton”, biografia escrita pelo veterano jornalista Carl Bernstein. Suas quase 600 páginas de texto se concentram excessivamente nos escândalos do governo de Bill Clinton e pouco tratam de política pública, mas ao fim do livro o autor realmente consegue dar um perfil detalhado de Hilary: uma mulher inteligente, determinada e ambiciosa, mas se tornou uma pessoa muito diferente dos seus ideais de juventude.

Hilary e Bill se conheceram na década de 1970, quando cursavam Direito em Yale. Foi um grande amor, mas cuja intensidade é contrabalançada por brigas terríveis, motivadas sobretudo pelos incontroláveis impulsos do ex-presidente com relação a sexo extraconjugal. Tudo isso vem dos dias de estudante de Bill Clinton, e só piorou com o fascino que ele despertou como governador e presidente.

Curiosamente, Hilary era considerada a mais promissora do jovem casal. Ao chegar a Yale, ela já havia aparecido na revista Newsweek como um exemplo da nova geração política, em função de seu discurso de formatura. Era respeitada como líder estudantil e ativista em defesa dos direitos das crianças. Vinha de uma sólida família da classe média de Chicago. Bill também não era brincadeira: havia superado uma infância na pobreza do Arkansas, num lar completamente desestruturado, para estudar em Georgetown e Oxford. Sua inteligência, charme e carisma eram tão grandes que muitos dos que o conheceram à época já lhe diziam que um dia ele seria presidente dos EUA.

Bill queria ser político e convenceu Hilary a largar um futuro promissor em Washington (ela trabalhou no comitê do Congresso que preparou o processo de impeachment contra Richard Nixon) para ir morar com ele em seu estado natal, o Arkansas, um dos mais pobres dos EUA. Sua carreira foi meteórica: procurador-geral ao sair da faculdade, governador aos 31. Mais do que primeira-dama tradicional, Hilary foi sua parceria (e mesmo mentora) política, ajudando-o a formular a reforma da educação que foi seu principal trunfo nos vários mandatos à frente do Arkansas. Mas sua atuação como advogada para grandes empresas que tinham negócios com o estado se deu numa zona sombria de conflitos de interesses e informações privilegiadas que voltaram para assombrá-la em Washington.

O casal Clinton chegou à capital em 1993, quando ele tomou posse como presidente após 12 anos de governos republicanos. A vitória foi apertada – 60% dos eleitores votaram nos outros candidatos, George H. W. Bush e Ross Perot – e o severo déficit no orçamento dificultava muito a margem de manobra da Casa Branca. O país também se encontrava muito radicalizado politicamente, com os democratas sendo tratados como perigosos radicais por boa parte da população.

Hilary quis ser uma primeira-dama fora do molde tradicional, e exercer papel de destaque na formulação de políticas públicas. Ela se encarregou da reforma do sistema de saúde, mas o projeto se tornou um dos piores fracassos do governo Clinton. Mas Hilary ganhou popularidade exercendo a função da “mulher paciente e solidária”, apoiando o marido em seus numerosos processos por infidelidade.

No fim do governo, ela decidiu ter uma carreira política própria – em parte, uma reação ao caso Monica Lewinski – e foi eleita para o Senado, por Nova York. Bernstein pouco aborda esse período, mas comenta que Hilary se destacou como parlamentar, embora tenha adotado decisões controversas como apoiar a guerra no Iraque.

O livro termina com as expectativas para as primárias democratas de 2008. Como sabemos, Hilary perdeu para Barack Obama, mas o novo presidente a nomeou Secretária de Estado. Não é uma tarefa fácil.

5 comentários:

Rafael disse...

Olha que beleza de foto para ilustrar a juventude dos Clintons: http://julieluongo.files.wordpress.com/2008/01/bill-hillary-clinton.jpg

A nomeação de Hillary como secrerária de Estado, apesar do custo político altíssimo (muito se disse sobre como não se nomeia um secretário que você não pode mandar embora), pode ter sido o único jeito de o Obama fazer o partido democrata engolir a sua vitória. Ele precisava do partido unido para enfrentar uma oposição prontíssima para mostrar os dentes e, concorde-se ou não as diretrizes da P.E. americana, o resultado é o que está aí: suas ações são muito mais direcionadas aos interesses do establishment de Washington do que às ambições que o candidato Obama parecia ter.

Outra coisa curiosa de se notar é o paralelo entre Bill Clinton e Obama: dois outsiders indicados à presidência pelo partido democrata. É claro que ambos já tinham carreiras políticas estabelecidas antes de virarem presidentes, mas o partido democrata parece ter uma base social mais renovada, arejada para pinçar seus líderes.

Rafael disse...

Ah, sobre a questão da primeira-dama, creio que já há uma tradição americana, anterior à Hillary, de ser encarà-las como uma ocupantes de uma função pública mesmo, não apenas como uma peça figurativa. Lembro de assistir a Ruth Cardoso falar sobre isso aqui na USP, de como ela se baseou no conceito americano de primeira-dama para desenvolver seus projetos sociais no governo FHC.

Maurício Santoro disse...

Salve, Rafael.

É uma boa análise de por que Obama nomeou Hilary. Ela é, afinal, uma figura de proa no partido, e a ele interessava trabalhar a unidade entre os democratas.

Há de fato vários paralelos entre Obama e Clinton, mas Bill era um político muito mais experiente, já tinha sido governador por vários mandatos e por muitos anos era apontado como uma das grandes esperanças dos Democratas. O inusitado é ele vir do Arkansas, uma região tão pobre nos EUA.

Também vejo semelhanças entre Ruth Cardoso e Hilary, mas acho que ao fim o Comunidade Solidária se manteve muito próximo da tradicional ação filantrópica das primeiras-damas brasileiras. Até demais para alguém com o perfil acadêmico dela.

abraços

Jefferson Nascimento disse...

Parabéns pelo blog, Mauricio. Gostei bastante do texto sobre a secretária de Estado Hillary Clinton.

Aproveito a oportunidade para indicar o blog do Núcleo de Estudos Internacionais do Largo São Francisco (NEI/FDUSP) http://neiarcadas.wordpress.com.

Um abraço,
Jefferson Nascimento.

Maurício Santoro disse...

Obrigado, Jefferson, vou checar o blog.

Abraços