quarta-feira, 2 de março de 2011

A Marcha da Intervenção



A revolta na Líbia é sem dúvida a mais violenta vivida até o momento na primavera dos povos árabes e a relutância de Kadafi em abandonar o poder provocou dois problemas que incentivam uma intervenção militar estrangeira: a queda de 50% na produção de petróleo e o êxodo de dezenas de milhares de refugiados, rumo aos países vizinhos e à Europa. Contudo, uma ação de forças armadas ocidentais na região despertará intensa reação na opinião pública árabe, despertando os fantasmas de guerras anteriores e alimentando a retórica dos ditadores que identificam em agentes externos a explosão das rebeliões democráticas.

O Conselho de Segurança da ONU tomou diversas medidas importantes nos últimos dias, como o maior congelamento de ativos financeiros da história, voltado contra a família Kadafi e contra líderes da ditadura líbia. As Nações Unidas debatem possibilidades de intervenção militar, como a decretação de zona de exclusão aérea (como foi feito no norte do Iraque após a Guerra do Golfo, em 1991, para impedir que Saddam Hussein massacrasse os curdos) e a entrega de Kadafi e seus asseclas ao Tribunal Penal Internacional, para serem processados por violações de direitos humanos.

Há um histórico trágico de intervenções militares em países árabes, com ou sem chancela multilateral, como no ataque tripartite de Israel, França e Reino Unido contra o Egito, quando Nasser nacionalizou o Canal de Suez (1956), as duas guerras do Iraque (1991 e 2003, sendo que a primeira também resultou em tropas ocidentais na Arábia Saudita e no Kuwait) e a missão da ONU no Sudão (2005 em diante) para mediar os conflitos internos que culminam agora com a secessão do sul país. Com exceção do Egito, todos as outras nações onde houve presença militar estrangeira são ricas em petróleo, o que naturalmente enfraquece muito aos olhos árabes os argumentos humanitários evocados pelos governos ocidentais apra justificar tais intervenções. Será ainda pior se a medida for tomada fora do âmbito da ONU.

Uma ação restrita na Líbia, como a zona de exclusão aérea, pode ser bem-sucedida em acelerar o fim do regime de Kadafi, mas uma eventual presença militar em terra seria um pesadelo, pois a força de ocupação teria que mediar os conflitos entre as tribos líbias. Isso foi tentado pelas tropas de paz da ONU na Somália, com péssimos resultados, que culminaram no massacre de Mogadício, em 1993.

Para o Brasil, uma intervenção das Nações Unidas causaria constrangimento extra: como o país preside atualmente o Conselho de Segurança, teria que aprovar tal medida (no contexto dos esforços em acalmar os ânimos com os Estados Unidos, após a discordância com relação ao Irã, em 2010) muito embora ela contrarie a tradição diplomática brasileira de buscar soluções pacíficas para os conflitos internacionais e observar com cautela a aplicação de coerção militar contra países em desenvolvimento.

7 comentários:

marcelo l. disse...

Prezado Mauricio,

A questão brasileira é só essa ou está difícil de desembarcar das boas relações que tinhamos com o regime de Khadafi?

Até por que desde os anos 1980 nunca vi um Itamaraty tão silencioso sobre um tema espinhoso. Posso estar enganado, mas pesou agora as alianças do passado e o governo está desnorteado sem saber o que fazer.

daniel disse...

Maurício, mas se o Brasil não aprovar uma resolução pró-intervenção, não estará contribuindo para solução pacífica nenhuma, e sim objetivamente dando aval para a matança de civis pelo exército líbio e mercenários.

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

Talvez pese um tanto os laços com Kadafi, uma má decisão na qual o Brasil embarcou junto com a União Européia. A chanceler francesa acabou de cair em função dos vínculos de sua família com o ex-ditador Ben Ali, da Tunísia.

O suposto enfoque pragmático de buscar acordos econômicos com ditadores mostrou sua fragilidade diante das revoltas democráticas no mundo árabe. Amanhã, quem sabe, elas estouram na China ou no Irã.

Salve, Daniel.

Intervir numa guerra civil é algo que precisa ser discutido de maneira muito, muito cautelosa, em especial quando trata-se de um país rico em petróleo e com um ditador que foi cortejado em anos recentes por boa parte da comunidade internacional que agora o despreza.

Penso que a melhor posição para o Brasil é negociar acordos que permitam o fornecimento de ajuda humanitária às vítimas da guerra civil e aos refugiados, sem contudo intervir no conflito.

abraços

Anônimo disse...

Concordo contigo jogador. Questões de intervenção não são tão simples assim.

Creio que a UE e os EUA só vão tomar medidas intervencionistas caso Kadafi inicie uma campanha genocida.

Além disso, depois da experiência na Somália em 1992, os norte-americanos passaram a aplicar, de fato, a "doutrina powell".

Helvécio.

GusTavares disse...

Professor Maurício,

Não consegui entrar em contato por e-mail e uso este meio que sei que serei ouvido.

Estou com dificuldades de encontrar uma obra que relate a evolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas a partir da Revolução Russa até a eleição de Yeltsin e posterior desmantalemento do bloco. Você teria algo a indicar?

Desculpe pelo off-topic. Se preferir pode responder em private em gustavares@yahoo.com.br e remover o comentário.

Atenciosamente,

Gustavo Tavares

Laís disse...

Prezado Maurício,

qual seu e-mail para correspondência? Gostaria de adicionar seu blog ao mailing do Instituto Estadual do Livro (RS) e ao do meu projeto www.cidadepoema.com

att,

Laís Chaffe

Maurício Santoro disse...

Salve, Helvécio.

Pois é, vemos que os membros do CS estão muito, muito cautelosos e com razão. Eles tentarão ajudar os rebeldes com auxílio humanitário e sanções econômicas contra o Kadafi, mas todo mundo está morrendo de medo de uma nova Somália.

Caro Gustavo,

Vou lhe passar uma lista de livros por emails, tenho algumas obras para lhe sugerir.

Cara Laís,

Parece ótimo! Me escreva no mauriciosantoro1978@gmail.com

Abraços