segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

América Latina no Pensamento Estratégico do Brasil

Nesta semana foi lançada a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) – ou seja, todos os países das Américas menos os Estados Unidos e o Canadá. A organização é um esforço em aprofundar as responsabilidades do Grupo do Rio e se soma a uma série de outras instituições regionais (Mercosul, Comunidade Andina, Unasul, Caricom, OEA...), que têm divisões de tarefas pouco claras, com muitas sobreposições e retrabalhos. Mas é sinal de uma época para a diplomacia brasileira, em que as preocupações tradicionais com Amazônia, Cone Sul e Atlântico Sul ganham aos poucos novos contornos com interesses mais amplos do Brasil: investimentos na América Central, missão de paz no Haiti, a transição política em Cuba. Falei um pouco do tema em entrevista à Telesur e aprofundarei minha abordagem em palestra na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, no próximo dia 8, na conferência da IASIA.

O conceito de “América Latina” foi criado por intelectuais da região e da Europa, que gravitavam em torno do imperador francês Napoleão III, para justificar as intervenções da França no continente (como instalar no trono do México um príncipe austríaco), em nome do pertencimento comum a uma grande família cultural. O termo foi bem aceito nos países hispano-americanos, mas sua recepção no Brasil sempre foi problemática, em função da singular identidade brasileira, dada pela língua portuguesa, pelos fortes laços com a África e pela formação do Estado no século XIX sob a égide da monarquia e de uma transição relativamente pacífica. Não por acaso, depois de 50 anos de guerras platinas, os republicanos se opunham ao império com um argumento de identidade: "somos da América e queremos ser americanos".

Os líderes brasileiros não pensavam uma grande estratégia para a América Latina, suas preocupações eram regionais: a bacia do rio da Prata, a Amazônia, o Atlântico Sul. As relações com México e os países centro-americanos e caribenhos eram de pouca importância política e econômica. Isso começou a mudar na segunda metade do século XX, porque a criação da ONU e a formação de blocos regionais forçou o país a pensar em termos de América Latina, como nas importantes iniciativas da CEPAL na promoção do desenvolvimento econômico e dos primeiros esforços de integração regional, na ALALC e ALADI, o Grupo de Contadora na mediação dos conflitos centro-americanos e o Grupo do Rio, que o sucedeu. O papel aglutinador da Revolução Cubana e do Chile de Salvador Allende como pólos de atrativo continental e de refúgio para exilados também foi importante. Na política e na cultura, muitos jovens brasileiros passaram a se afirmar como latino-americanos. Como quando os tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil dedicaram ao Che Guevara morto seu hino em portunhol, Soy loco por ti, América.

Crises econômicas e políticas criaram limitações a esse projeto. O acordo de livre comércio entre os Estados Unidos, México e Canadá (Nafta, 1994) fez com que o Brasil abandonasse os projetos latino-americanos. As iniciativas diplomáticas regionais brasileiras dos anos 1990-2000 foram restritas à América do Sul: Mercosul, IIRSA, Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, Unasul, cúpulas sul-americanas e da região com a África e a Liga Árabe etc.

Nos últimos anos, a economia brasileira em expansão fortaleceu os vínculos com a região, mas foi além dela. Empresas brasileiras de construção civil trabalham no Plano Puebla-Panamá e na reforma do Canal, o agronegócio investe na América Central, o golpe em Honduras acendeu velhos temores, o Haiti tornou-se palco da principal missão de paz liderada pelo Brasil e as transformações em Cuba tornam a ilha novamente relevante na arena continental. Não é um retorno clássico ao projeto latino-americano das décadas de 1940-1980, mas aponta para certa revalorização da perspectiva mais ampla, acentuadas pelo papel dinamizador da Venezuela, cuja diplomacia tradicionalmente dá muita atenção ao Caribe a à América Central.

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