sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Os Crimes de Ódio na Europa

Na terça-feira, dois homens atiraram em multidões nas cidades de Florença (Itália) e Liège (Bélgica). Mataram vários, feriram centenas e se suicidaram ao serem cercados pela polícia. Há pontos em comum com o terrorista que cometeu o massacre de julho na Noruega. Os três casos envolveram temas mal-resolvidos com xenofobia: o italiano atirou em imigrantes do Senegal numa feira, o noruguês agiu movido pelo ódio ao que julgava ser uma permissiva atitude do governo com respeito ao multiculturalismo, e o belga era ele mesmo um filho de imigrantes, que não conseguiu adaptar-se à nova sociedade, e vivia com problemas com drogas. Os três agiram sozinhos, mas sua loucura individual floresce em meio à força crescente da extrema-direita na Europa, que encontra um terreno fértil para ampliação com a crise econômica regional.

Os países europeus têm um percentual relativamente pequeno de imigrantes, em geral entre 5% e 10% da população. A título de comparação, cerca de 50% dos habitantes da cidade de Nova York nasceram fora dos Estados Unidos. No entanto, não se deve subestimar o impacto que o medo e raiva dessa minoria podem alcançar. Na Alemanha nazista, os judeus mal chegavam a 1% dos moradores do país, o que não impediu o antissemitismo de se tornar um pilar ideológico do regime. Os imigrantes da Europa vêm de várias partes: norte da África (França), do subcontinente indiano (Reino Unido), Turquia (Alemanha), da antiga União Soviética.

Florença, Liège e Oslo não são cidades marcadas pela violência étnica e por tensões sócio-políticas, como, digamos, os subúrbios de Paris ou leste de Londres, para citar o epicentro de distúrbios recentes. Mas os sentimentos de fanatismo estão por toda a Europa. Na porção oriental do continente, a extrema-direita já é um dos blocos parlamentares na Hungria. Na parte ocidental, recentemente voltou ao parlamento na Suécia e na Grécia e é forte candidata à presidência da França. Na Alemanha, ocorreram uma série de crimes ligados a grupos neonazistas.

Numa perspectiva otimista, a Europa passará a década de 2010 em crise, com baixo crescimento, alto desemprego (o britânico bateu recorde nesta semana) e fazendo os dolorosos ajustes para adaptar sua economia e sua rede de proteção social à uma economia global mais competitiva diante das potências emergentes. Esta é, repito, a visão otimista. Na pessimista, o próprio processo de integração sofrerá retrocesso, com nações da periferia européia abandonando o euro, com as tensões entre Reino Unido e Alemanha sobre o nível de controle supranacional adequado e desejado.

Mesmo na perspectiva otimista, haverá muitas oportunidades para o crescimento da extrema-direita e para o aumento de crimes de ódio. Imigrantes, ciganos, muçulmanos, cidadãos europeus de ascendência africana e pele negra. Até os pogroms contra judeus voltaram a ocorrer na Hungria. O sucesso da integração européia não eliminou os sentimentos racistas, o ódio ideológico e as simpatias por visões autoritárias, anti-políticas, que ofereçam supostos bálsamos diante das diversas falhas das democracias parlamentares.

O debate europeu sobre políticas para sair da crise tem se dado em meio a um espantoso clima de pobreza intelectual, limitado às reformas de austeridade. É um ambiente da década de 1920, pré-Keynesiano, e com frequência tenho a sensação de que o medo tem sido manipulado para forçar populações cautelosas a aceitar como inevitáveis medidas impopulares. Elas não bastarão, É preciso pensar em alternativas sociais para conter a maré de ódio, antes que ela escape ao controle.

4 comentários:

Matthias disse...

Olá Maurício,

De fato a direita mais extrema está crescendo na Europa, e -- mais importante -- está forçando partidos tradicionais a adotarem políticas mais à direita para satisfazer um eleitorado que é nutrido com sensacionalismo da mídia, e uma busca sem sentido de integração numa sociedade de consumo (Sarkozy e o FN; Blair e sua reorientação do Labor party à direita; o partido Nova Democracia, da Grécia, cujos membros tinham uma linha idêntica ao dos partido fascista LAOS, etc.).

Acho que colocar o caso belga no mesmo bonde é equivocado, no entanto. O autor desse horrível crime é de origem estrangeira, mas -- contrariamente aos episódios norueguês e italiano -- não tinha nenhum caráter ideológico, pró- ou anti-imigração. O sujeito era sem dúvida uma pessoa que não tinha conseguido se assimilar, mas esse problema é sem dúvida menor do que o fato de ter vivido constantemente às margens da sociedade, e na beira (ou além da beira...) da criminalidade.

O desencadeador do ataque parece ter sido o receio -- justificado, aparentemente -- de que ele ia perder o benefício da liberdade condicional. Ele não terá sido o primeiro ex-presidiário que, por medo de voltar à prisão, perde a cabeça e decide 'se vingar da sociedade que o encarcera'.

Um caso notório que acho que deveria estar na sua lista, mas não está, é o das células terroristas de extrema direita na alemanha... um tipo de anti-Baader Meinhof:

http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,797569,00.html

É isso aí. Forte abraço.

Maurício Santoro disse...

Salve, Matthias.

De fato o assassino belga não era alguém pertencente a um movimento político, mas acredito que o nível de violência que ele praticou (que incluiu ataques com granadas) só foi possível no ambiente de tensões relativas à imigração. E como costuma acontecer nesses casos, sua origem marroquina irá aumentar os receios com respeito às dificuldades de adaptação dos imigrantes e de seus filhos.

Estou bastante pessimista com a Europa, talvez mais até pelos aspectos sociais e políticos do que pela crise econômica do euro.

Abraços

Matthias disse...

Não sei se o nível de violência praticado neste incidente tem a ver com as tensões étnicas/ de integração. É infelizmente fácil obter armas ilegais na Bélgica (um jornal local levou apenas seis horas para comprar uma kalashnikov e uma pistola automática por 3000€).

Tenho tido a impressão, lendo a imprensa local, que a origem estrangeira do autor do crime tem sido relativamente negligenciada. Mas enfim, para quem já tem uma visão de mundo anti-imigração isso vai certamente inflamar ainda mais o discurso xenófobo.

Há razões para estar pessimista com a Europa, e acho que no fundo os aspectos sociais e políticos estão intimamente ligados com o econômico. O que estamos vendo -- a 'fortaleza europa, o disenfranchisement da maioria, a apatia política -- é tudo fruto de uma política mais ou menos constante de desmantelamento do estado de bem estar social, da desconstrução da democracia local em favor da integração regional, etc. Quando as questões políticas centrais de uma comunidade saem do controle dos eleitores -- como ocorre numa economia integrada inserida num mundo globalizado -- a política passa a ser, cada vez mais, um jogo sobre aspectos marginais: que líder prefiro, como defino quem pertence à comunidade, etc.

Estou bastante pessimista com a Europa, talvez mais até pelos aspectos sociais e políticos do que pela crise econômica do euro.

Maurício Santoro disse...

Salve, Matthias.

Sem dúvida, quando a economia vai mal, todo o resto fica difícil. Como você observou, os problemas sociais que acontecem na Europa tem raízes mais profundas, do período de recuo do Estado de Bem-Estar Social. São mudanças que já duram 20 anos.

Vamos acompanhar o rumo das coisas em 2012, mas estou sombrio com respeito ao Velho Mundo.

abraços