Nos dias que antecederam o Natal, o Congresso aprovou duas leis polêmicas: 1) Uma declara que a empresa que fabrica papel jornal, na qual o Estado é acionista minoritário com cerca de 30%, é de “interesse nacional”, no que está sendo encarado como primeira etapa no processo de sua nacionalização. Isso deixaria o fundamental suprimento desse produto sob domínio do Estado. 2) A outra tipifica o crime de terrorismo, de modo tão vago e amplo que funcionários do governo afirmaram que pode ser usada contra jornalistas que “estimulem o pânico”, por exemplo, “provocando uma corrida aos bancos”. Dada a atual situação das contas públicas argentinas, essa é uma acusação que pode ser feita a quem relate de maneira crítica as medidas oficiais. O juiz da Suprema Corte Eugenio Zaffaroni, respeitado por sua militância pró-direitos humanos, classificou a nova lei de “disparate”, embora tenha sido cauteloso para atribui-la a "pressões internacionais", e não às intenções dos peronistas.
Em paralelo à nova legislação, policiais ocuparam a sede da Cablevisión, um canal de TV pertencente ao Grupo Clarín e a Justiça ordenou bloqueio de bens do jornal La Nación. Ambos os processos estão repletos de irregularidades e são bastante questionáveis do ponto de vista jurídico, sendo explicáveis somente pela postura oposionista das duas empresas de mídia.
Os atos do governo argentino acontecem num turbulento ambiente regional, no qual autoridades da Venezuela, Equador e Nicarágua também tomaram decisões que limitam a liberdade de imprensa, sem que isso provoque a refutação de presidentes moderados da América Latina. A reação dos Estados Unidos veio em entrevistas de Barack Obama a jornais oposionistas venezuelanos e argentinos. Isso tem tudo para ser um desastre, na medida em que identifica os EUA com os grupos conservadores, minoritários na região. E com seu próprio péssimo histórico de censura, ditadura e ataques a jornalistas.
A imprensa latino-americana ainda é muito limitada ao controle de um pequeno grupo de grandes empresas, mas não ficará melhor caso seja submetida às manipulações políticas de governos. As novas tecnologias propiciam possibildades extraordinárias para meios de comunicação mais sintonizados com os valores e demandas da população regional. Mas o que está no horizonte é o enfrentamento mais duro dos governantes bolivarianos e peronistas com a mídia, amparados por sua ampla popularidade e pela maioria parlamentar da qual dispõem.
11 comentários:
Prezado Maurício,
Observo como os países da América Latina são surpreendentemente interligados em inúmeros aspectos, de forma que até os chefes de Estado apresentam doenças semelhantes. Cristina Kirchner é a quinta a ser diagnosticada com câncer.
F. Nixon L. Frota
E agora a guerra contra o câncer...
Não creio que você está sendo justo com seu comentário, Maurício.
Sei que o kirchnerismo tem sérios problemas, mas a comunicação na América Latina padece de liberdade de expressão não por parte dos governos (na grande maioria das vezes) mas por parte dos grandes conglomerados de mídia. (vide o caso da privataria tucana)
A distorção da realidade, pela manipulação da informação, é deliberada: tem um significado e um propósito.
PERSEU ABRAMO
A MANIPULAÇÃO NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO*
Por Christian Hygino Carvalho
A imprensa, sendo um dos meios de comunicação de massa, formadora de opiniões, desempenhou um papel fundamental durante o período ditatorial brasileiro. Vimos que perseguições a editoras, distribuidoras de livros, jornalistas e escritores, por exemplo, foram uma constante, o que ilustra o poder dos meios de comunicação sobre a sociedade.
Perseu Abramo (1988), que foi secretário nacional de formação política do PT (Partido dos Trabalhadores), em texto publicado na internet, argumenta que, de forma geral, a imprensa se refere a uma realidade irreal, que ela contradiz os fatos. Para ele, os responsáveis pelos meios de comunicação criam um mundo artificial para poderem exercer uma espécie de poder político sobre a sociedade. Ele compara a mídia a partidos políticos, no que concerne à sua estrutura e à sua ideologia. De acordo com seu ponto de vista, a imprensa manipula as informações, o que, por sua vez, se transforma em uma manipulação da realidade.
Assim, ele distingue pelo menos cinco padrões de manipulação gerais para toda a imprensa.
Seriam eles: a ocultação, a fragmentação, a inversão, a indução e o padrão global ou específico do jornalismo de televisão e rádio.
O padrão de fragmentação é aquele no qual os fatos são particularizados, reconectados e revinculados de forma arbitrária, perdendo a conexão com a realidade e distorcendo a mensagem inicial. Ainda dentro desse padrão, segundo Abramo, existe a seleção de aspectos, que é semelhante ao padrão de ocultação e que funciona também como um elemento descontextualizador, que apagará o significado original do fato em questão.
O padrão de inversão é responsável pelo reordenamento das partes em que foi dividido o fato jornalístico. É através dele que ocorre a troca de lugares e de importância das partes. Esse padrão é dividido em quatro tipos: inversão da relevância dos aspectos, onde o que era considerado principal passa a ser secundário e vice-versa; inversão da forma pelo conteúdo, onde o texto passa a ser mais importante que o fato que ele reproduz; inversão da versão pelo fato, onde as declarações da própria imprensa ou de outras fontes passam a ser apresentadas como o fato real. Dentro desse tipo de inversão temos o frasismo, que é o abuso da utilização de frases ou trechos de frases sobre uma realidade para substituir a própria realidade, podendo ser visto como a manipulação levada ao limite; e o oficialismo, que é a escolha de uma determinada versão para ser chamada de oficial e, assim, adquirir a aceitação do público leitor. Essa versão escolhida seria a do próprio órgão de imprensa ou daquele cujo pensamento chegasse mais próximo ao dele. Por fim, temos a inversão da opinião pela informação, onde o órgão de comunicação passa a tratar a opinião como sendo a verdadeira informação, tornando aquela mais importante do que esta.
O quarto padrão é o da indução, responsável pela passividade da população perante uma realidade artificialmente inventada e o resultado de todos os mecanismos de manipulação. Através dele a população é induzida a acreditar em fatos que, muitas vezes, não fazem parte da verdadeira realidade e sim de uma realidade manipulada de acordo com interesses específicos.
E, por fim, o padrão global ou padrão específico do jornalismo de televisão e rádio, que tem por finalidade manipular as imagens e sons de forma que a informação seja transmitida de tal maneira que agrade as autoridades que estão interessadas nos efeitos que tais notícias surtirão no público. Através dessa tipologia pode-se concluir, como Perseu Abramo mesmo aponta, que a imprensa, em geral, não reflete nem a realidade nem a opinião pública. Portanto, a população passa a consumir uma realidade artificialmente inventada, resultante da utilização dos mecanismos de manipulação apresentados.
*Item 3.1 do Capítulo 3, PROCESSOS DE MANIPULAÇÃO NA IMPRENSA E NA TRADUÇÃO, extraído da monografia A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, DE GEORGE ORWELL: TRADUÇÃO E MANIPULAÇÃO DURANTE A DITADURA MILITAR NO BRASIL
Monografia submetida ao Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal de Juiz de Fora, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de bacharel em Letras: Ênfase em Tradução - Inglês, elaborada sob a orientação da Profa. Dra. Maria Clara Castellões de Oliveira.
Instituto de Ciências Humanas e de Letras
Universidade Federal de Juiz de Fora
Março de 2002
Íntegra da Monografia em:
http://www.ufjf.br/bachareladotradingles/files/2011/02/christian_carvalho.pdf
Salve, Nixon.
Com cinco casos de câncer - e mais o infarto que matou o ex-presidente de Néstor Kirchner - acredito que já saímos do terreno das coincidências e entramos na busca de uma explicação.
A meu ver, as respostas estão no tipo de sistemas políticos que temos na região, com um hiper-presidencialismo que joga muitas (demasiadas) responsabilidades nos chefes de Estado. E certa tendência para a polarização nos debates políticos com os adversários. Não há saúde que aguente.
Me pergunto se é coincidência que nos países sul-americanos mais estáveis e moderados, Chile e Uruguai, os presidentes de esquerda gozem de boa saúde.
Salve, Marlos.
Publiquei o texto antes de saber do câncer da presidente, agora estou curioso em ver como a doença será tratada pela Casa Rosada e como a imprensa e a opinião pública reagirão. Parece que a doença está numa fase pouco avançada e que o tratamento será simples. A ver.
Caro Leiterafaelo,
Minha opinião é que a mídia na América Latina é excessivamente concentrada em poucos grandes grupos privados - e no caso brasileiro, por muitas concessões a políticos. Trocar esse quadro por um controle autoritário pelo governo de plantão só vai píorar uma situação que já é ruim.
Penso que a melhor reforma seria ter populações melhor educadas, mais críticas, e estimular mais modos de difusão de notícias e de informação.
Salve, Anônimo.
Tenho amigos muito queridos na família Abramo e desconfio que mestre Perseu ficaria horrorizado com a maneira que os Kirchner tratam a imprensa, e que teria alguns bons conselhos para dar também a Lula e Dilma.
Abraços
Mauricio,
é difícil avaliar essa questão quando a mídia interessada omite um fato angular: o controle sobre o fornecimento de papel para imprensa foi outorgado pelos militares, durante a ditadura argentina, às duas maiores empresas de comunicação do país(La Nacion e Clarin), em reconhecimento ao seu inabalável apoio. Imagine-se: duas empresas privadas faturando com o controle monopolista do insumo básico... da concorrência!E é essa situação absurda, criada na ditadura e absurda na democracia, que a lei aprovada no congresso visa corrigir. É preciso cuidado e principalmente informação antes de juntar-se aos gritos de "perseguição" de uma mídia monopolista e indiferente à democracia (apoiou com gosto e obteve privilégios como esse durante a ditadura). Essa mídia faz confusão deliberada entre "imprensa" e "empresa", e denuncia como censura qualquer regulação não da informação, mas de seus negócios.
Edgar Vasques
Caro Edgar,
A ditadura argentina acabou há quase 30 anos e não está no cerne das disputas entre os Kirchner e a imprensa. Trata-se simplesmente de uma luta por poder, na qual argumentos ligados ao passado por vezes são usados. Não há razão pela qual o Estado deva ser acionista (ainda mais majoritário!) no fornecimento de papel para imprensa, isso é um negócio para o setor privado.
abraços
Grande Amigo e Mestre Mauricio
Bastante inconsistente o comentario que faz referencia a suposta "privataria tucana".
O PT estah no poder a quase dez anos e poderia ter revirado do avesso os processos de privatizacao levados a cabo pelo governo FHC.
Essa tese nao se sustenta sobre as proprias pernas e de modo sistematico vem sendo usada por individuos do perfil de um Jose Dirceu para justificar a implantacao da censura contra os veiculos de midia que desagradam ao governo.
Alias, em reforco ao seu comentario, prezado Mauricio, basta acompanhar o expressivo crescimento do repasse de verbas de propaganda oficial aos veiculos de informacao ligados a politicos.
Grande abraco, Mauricio!
Goncalez
Salve, meu caro.
Penso que toda a discussão sobre a "privataria tucana" foi lançada para desviar a atenção dos escândalos atuais de corrupção do governo Dilma e não acredito que sairá nada daí, nenhuma CPI ou investigação.
abraços
Caro Mauricio
Concordo plenamente com voce.
Essa estoria de privataria tucana nao passa de cortina de fumaca para tentar desviar a atencao da opiniao publica, numa atitude tipica do lutador que tenta sair batendo quando se ve encurralado no corner.
Mas um governo que jah teve cinco ministros substituidos devido a desvios de conduta, realmente, deve muitas explicacoes ao eleitorado e soh vai lhe restar a alternativa de fazer calar aqueles que denunciam os desmandos.
Forte abraco, Mauricio
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