segunda-feira, 16 de abril de 2012

A Cúpula das Américas e a Guerra Contra as Drogas

A Cúpula das Américas foi marcada pelo habitual conflito com relação a Cuba (latinos a querem no evento, Estados Unidos recusam), e pela comédia pastelão dos agentes secretos americanos mandados para casa após orgias com prostitutas. Para além das manchetes, a história de fundo é mais importante e mais interessante: as nações do hemisfério rejeitaram a doutrina de guerra às drogas e estão em busca de alternativas que envolvem descriminalização ou despenalização do consumo.

A América Latina tornou-se o front principal da guerra às drogas na década de 1970. Os países andinos (Bolívia, Colômbia, Peru) são os maiores produtores de cocaína do mundo, e exportam o produto sobretudo para os Estados Unidos. O México e alguns países da América Central e do Caribe são importantes como corredores de escoamento da droga para o mercado americano. A política americana tem sido a de lidar com o problema tentando erradicar, ou ao menos diminuir, a produção e o envio de cocaína.

Isso falhou. O gigantismo da tarefa em geral significou um jogo de “enxugar gelo”: quando a produção diminuía num país, aumentava no outro. Houve esforços americanos de políticas de desenvolvimento agrícola alternativo, para estimular os camponeses andinos a plantar palmito ou milho em vez de folha de coca, mas os preços desses produtos nunca foram competitivos, mesmo com acesso facilitado ao mercado dos Estados Unidos. E as medidas nunca abordaram questões estruturais, como a falta de reforma agrária.

A folha de coca não é cocaína, é um cultivo tradicional dos índios andinos, usado há milênios. Mas a indústria da droga criou uma poderosa demanda e estima-se que de um terço a metade da produção seja usada na fabricação da cocaína. É difícil separar os usos legítimos dos criminosos e a instransigência deu parcos resultados. A repressão aos cocaleiros gerou forte reação social e foi um dos fatores que levou Evo Morales à presidência da Bolívia. Ele reivindica que a coca seja retirada da lista de substâncias proibidas pela ONU e se isso acontecesse poderiam surgir nichos interessantes para mercadorias baseadas na folha, como pastilhas ou bebidas – como era a praxe até a década de 1920.

A rejeição da guerra às drogas ganhou força em muitas correntes políticas, como na Comissão Global que reúne ex-presidentes como Bill Clinton, Fernando Henrique Cardoso e Cesar Gavíria (Colômbia) e em declarações como a do general Pérez Ospina, atual presidente da Guatemala e ex-comandante do serviço de inteligência do país. As nações da América Central são hoje as mais violentas do mundo, por uma combinação de razões que incluem de modo decisivo o tráfico de drogas. Outra fonte importante é o excelente documentário "Quebrando o Tabu", dirigido pelo cineasta brasileiro Fernando Grostein Andrade. Como o jornal de humor The Onion observou, "as drogas venceram a guerra contra as drogas"

O diagnóstico do fracasso é mais consensual do que a decisão sobre o que colocar no lugar, mas as políticas bem-sucedidas na região apontam para abordagens como as de polícia comunitária e uma perspectiva de coordenação entre diversas políticas públicas num mesmo território. O caminho é longo e complexo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Como os EUA vão querer combater as drogas, se os maiores consumidores são eles mesmos?

Ah, não, vamos detonar Cuba, o Chávez...

Bando de calhordas. Sempre buscando um factoide para desviar o foco. Sempre querendo impor tudo goela abaixo da gente.

Não que as esquerdas latino-americanas sejam governos brilhantes, mas não podemos mais cair no conto da carochinha ianque que a grande imprensa insiste em vender.

Marc Jaguar disse...

Caro Amigo e Mestre Mauricio

Nao ha duvida que a estrategia de reprimir a producao tentar barrar e o envio, sobretudo de cocaina para o territorio americano, lancou os EUA em mais uma especie de guerra nao-declarada fora de suas fronteiras.
Os resultados demonstram que o investimento nesse tipo de combate nao chegou nem perto de alcancar os objetivos esperados.
E nao apenas a cocaina e a maconha sao bastante acessiveis por aqui, mas chamadas drogas sinteticas, a maioria produzida em territorio americano, tambem fazem "sucesso" junto a juventude americana.
Realmente as drogas parece que venceram a "guerra contra as drogas".

Abracos, Mauricio!

Goncalez

Nixon disse...

Maurício,

Quanto ao apoio ou recusa da participação de Cuba, os países latinos não estariam equivocados em apoiar um regime, digamos, "não democrático"?

Forte abraço,

Nixon

Maurício Santoro disse...

Salve, meus caros.

Enquanto houver uma demanda forte por drogas nos consumidores ricos nos Estados Unido e na Europa, sempre vai haver gente disposta a correr o risco de vendê-las. É um labirinto, é enxugar gelos.

Caro Nixon,

Eu gostaria que os países latino-americanos mediassem um esforço para a transição política em Cuba, e que fossem mais atentos às violações das liberdades democráticas na Venezuela. Crises se espalham rapidamente pela região e seria bom termos um compromisso forte com as instituições.

Mas, infelizmente, tudo o que diz respeito a esses países vira rapidamente um assunto polarizado com os Estados Unidos e nunca se avança nos diálogos.

Abraços