Reagan e Thatcher eram ambos outsiders nos meios conservadores anglo-americanos, que custaram a ser levados a sério por seus pares devido às suas origens profissionais esociais (ator de filmes B, para Reagan; uma mulher da baixa classe média do interior para Thatcher). Uma vez no poder, levaram seus partidos a se afastarem do que havia sido o consenso keynesiano do pós-Segunda Guerra Mundal, em nome de uma reafirmação das práticas liberais. Curiosamente, ambos haviam identificado seu potencial mútuo de liderança ainda em meados da década de 1970, quando poucos acreditavam que um dia comandariam seus países.
Apesar da semelhança ideológica, as personalidades eram muito diferentes. Thatcher era cerebral e analítica, orgulhosa de sua formação acadêmica em química e direito, e cercada de intelectuais. Reagan, intuitivo e emocional, embora Aldous destaque algo que poucos observam: o presidente era um leitor compulsivo e profundo, em particular de história. desde seus dias como ator (Kissinger notou o mesmo). Contudo, as razões de suas fricções não foram tanto suas características individuais, mas os interesses nacionais distintos a as posições diversas de seus países na política internacional.
Na década de 1980, os Estados Unidos passavam por uma fase de prosperidade econômica e com uma política externa mais assertiva, aumentando os gastos militares para colocar a União Soviética na defensiva e voltando a intervir em pequenos países, de maneira direta (ilha de Granada, Líbia) ou financiando opositores armados locais (Nicarágua). O Reino Unido enfrentava uma situação econõmica mais difícil e as medidas de Thatcher eram impopulares, pelo menos até a vitória nas Malvinas. Os britânicos mostravam-se preocupados com as ações e a retórica de Reagan e queriam que os EUA agissem de modo mais discreto, preferencialmente em fóruns colegiados, como o G-7 e a OTAN.
Os dois governos encaravam Gorbachev como um líder soviético “com que é possível fazer negócios”, nas palavras de Thatcher, mas os britânicos se inquietavam com os discursos de Reagan, por vezes impetuosos (“império do mal”, “comunismo vai para a lata de lixo da história” “derrube esse muro, sr. Gorbachev”), por vezes descolados da realidade (eliminar todas as armas nucleares) e defendiam posições mais moderadas, amparadas por fortes aparatos de dissuação militar.
Curiosamente, os dois aliados resistiram às guerras promovidas pelo parceiro da “relação especial”. Os EUA não gostaram da disposição britânica em enfrentar os argentinos nas Malvinas, e propuseram soluções negociadas que envolveriam tropas da ONU nas ilhas. No Reino Unido, a decisão americana de invadir a ilha caribenha de Granada foi recebida com preocupação – temiam os efeitos no resto da América Latina – e Thatcher ficou enfurecida por ter sido apenas informada, e sequer consultada, sobre a guerra.
Outra razão de fricções entre os dois governos foram contratos militares. Para decepção britânica, empresas do país perderam vendas lucrativas para rivais franceses, que ofereciam preços mais baixos. Aliás, um dos elementos provocadores do livro é insinuar que em diversos momentos o presidente socialista da França, François Mitterand, teve relações mais próximas com os EUA do que sua contraparte conservadora no Reino Unido.
Para além do excelente estudo de caso, Aldous também mostra em detalhes como funciona a “relação especial” EUA-Reino Unido, com os fortes simbolismos envolvidos, da presidência à família real britânica, a ênfase em situações de intimidade, como visitas a casas de campo e passeios entre os chefes de Estado e o jogo de fascínio e estranhamento mútuo entre os dois países.
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