Confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?
Rainer Maria Rilke, Cartas a um Jovem Poeta
Na semana passada participei de dois debates sobre cinema e política no Oriente Médio. Na FGV, discuti com Monique Goldfeld o documentário israelense “Valsa com Bashir” (que resenhei neste blog), e no Cine Jóia, Thalita Bastos e eu falamos sobre o iraniano “Isto não é um Filme”. É uma excelente produção que nos diz muito sobre as novas possibilidades que a tecnologia dá aos artistas que precisam enfrentar ditaduras.
Jafar Panahi é um famoso cineasta iraniano que foi condenado pelas autoridades da República Islâmica a ficar 20 anos (!) sem dirigir ou escrever filmes. Ele também corre o risco de ir para a cadeia, onde esteve por um processo anterior. O governo o proibiu de deixar o país, pelo medo que se torne uma influência internacional importante contra o regime autoritário. No passado, Panahi estaria num beco sem saída, mas o avanço tecnológico o permitiu driblar a censura. Com a ajuda de um amigo, Mojtaba Mirtahmasb, uma câmera portátil, e um celular, ele realizou o documentário “Isto não é um Filme”.
As filmagens foram feitas no dia do ano novo iraniano, no elegante apartamento do cineasta, em Teerã e consistem basicamente de duas longas conversas. A primeira é entre os dois amigos. Panahi começa tentando narrar um filme que tem em mente, sobre uma moça do interior que vai à capital estudar Artes. Mas ele se emociona e desiste: “Para que contar um filme quando se pode filmá-lo”. Os dois então falam sobre o processo judicial que o cineasta enfrenta, revêm em DVD trechos de suas obras mais famosas e trocam lembranças e observações sobre a dependência dos diretores com o Estado islâmico.
A segunda conversa é entre Panahi e um rapaz pobre, o cunhado do porteiro de seu edifício, que está substituindo o parente naquele dia. Ele é do interior, vive de vários biscates e cursa o mestrado em Arte – uma trajetória bastante parecida com a da personagem do filme que o diretor queria rodar. Conta que não tem esperança de conseguir emprego fixo, mesmo quando terminar a pós-graduação e os dois lembram da noite em que o cineasta foi preso pela primeira vez.
“Isto não é um Filme” tem pontos em comum com outras belas produções iranianas, como “A Separação”, “A Onda Verde” ou “Persepolis”. É um retrato tocante das aspirações democráticas de boa parte da população do país, uma crônica das desigualdades sociais e das expectativas frustradas e uma obra de arte que emociona e faz pensar. A produção foi contrabandeada para fora do Irã em um pen drive escondido dentro de um bolo e fez sucesso internacional. O Festival de Cannes, que a exibiu pela primeira vez no exterior, abriu uma petição online pela libertação do cineasta.
A propósito: tivemos excelente debate no Cine Jóia e a gentilíssima direção local me ofereceu o espaço para outros eventos semelhantes. Penso em fazer uma seção sobre a brilhante nova geração de cineastas da Turquia, ainda pouco conhecida no Brasil. Sugestões de vocês são bem-vindas.
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