quinta-feira, 16 de agosto de 2007

A Polêmica do Lobby Israelense


Em todas as democracias os grupos de interesse reunem organizações e cidadãos que pressionam seus representantes no governo para adotar diversos tipos de políticas públicas. Nos EUA, o tema rendeu clássicos como as pesquisas de David Truman (que ressaltou o quanto esse pluralismo era fundamental para o convívio pacífico das diferentes opiniões) e E.E.Schattschneider (que mostrou que tais grupos reforçam os privilégios dos mais ricos, os pobres são menos organizados). Agora a ciência política americana está em pé de guerra por uma polêmica envolvendo um dos mais eficientes grupos de pressão do país: o lobby israelense.

Os Estados Unidos têm uma enorme população de judeus, de contribuições notáveis para o país na imprensa, universidade, literatura, cinema etc. São uma comunidade bem-organizada e influente e evidentemente essa força também se traduz em apoio a Israel, um dos principais aliados dos EUA. O instrumento mais forte do lobby é o American Israel Public Affairs Committee (AIPAC), considerado um dos grupos de pressão mais importantes dos Estados Unidos - costuma ser classificado à frente de instituições como a central sindical AFL-CIO ou da Associação Nacional do Rifle.

O AIPAC tornou-se o centro de uma enorme polêmica há poucos meses, quando dois dos mais pretigiados cientistas políticos americanos escreveram um artigo no qual consideram sua influência nefasta sobre a política externa dos EUA. Os autores, retratados na foto, são o decano da Escola de Governo de Harvard, Stephen Walt (autor do clássico "The Origins of Alliances") e o professor da Universidade de Chicago John Mearsheimer ("The Tragedy of Great Power Politics").

O cerne da crítica de Walt e Mearsheimer é que com o fim da Guerra Fria Israel deixou de ser um ativo estratégico para os EUA e virou um problema que complica a relação americana com o mundo árabe. Atacam o lobby israelense por dificultar um debate objetivo sobre o tema no Congresso e no meio acadêmico e por favorecer ações diplomáticas que privilegiam Israel em detrimento dos Estados Unidos.

De maneira significativa, os dois não conseguiram publicar o artigo nos EUA, o texto saiu na London Review of Books. Agora será lançado em forma ampliada, em livro, e a reação tem sido violenta. Walt e Mearsheimer estão sendo atacados e boicotados no país. Várias instituições que os haviam chamado para eventos suspenderam seus convites.

A polêmica ocorre pouco após outra enorme controvérsia no meio acadêmico americano. Nas universidades dos EUA, os professores aspiram a conseguir o "tenure", um status privilegiado como docentes e pesquisadores que implica em estabilidade no emprego e grande reconhecimento social. Não há equivalente no Brasil, o mais próximo talvez seja a categoria de professor titular. Ora, recentemente o cientista político Norman Finkelstein teve sua aplicação ao tenure vetada por sua universidade (a DePaul), apesar do apoio do departamento no qual leciona. Finkelstein é autor do livro "A Indústria do Holocausto", no qual critica a exploração dessa tragédia histórica, da qual seus pais são sobreviventes.

O caso é ainda mais explosivo, porque Finkelstein não tem tanto poder quanto Walt e Mearsheimer. Os ataques contra ele foram muito mais virulentos, mas o vigor das reações em sua defesa também foi mais intenso - os alunos da universidade chegaram a ocupar o campus exigindo a revisão da decisão desfavorável ao professor.

O nível de polarização e as campanhas de ódio nas universidades americanas são impressionantes e contrastam com o clima bem mais ameno que se encontra no meio acadêmico da Inglaterra ou da França. Não por acaso, os especialistas em Oriente Médio que mais admiro e gosto de ler vêm desses países - gente como Gilles Kepel ou Fred Haliday.

3 comentários:

Patrick disse...

Recentemente saiu uma matéria bem interessante no El País, sobre um auxílio que o primeiro ministro de Israel, Ehud Olmert, pretendia aprovar para as vítimas do holocausto. Valor: 14 euros/mês. Simultaneamente, o país está recebendo inacreditáveis US$ 30 bi (!) de ajuda dos EUA, mas que deve ser direcionada para a aquisição de material bélico. Lobies, leis e salsichas... todos deveriam saber como são feitos.

Patricio Iglesias disse...

Como diz Patrick, o Israel e muitos outros aliados dos EUA recevem fortunas para as forcas armadas. Lamentável, pensando na pobreza e em que as armas säo a base da existéncia das guerras.
Eu tenho muito respeito à comunidade judia. Desde o caso Dreyfus sempre estäo sendo feitas novas acusacöes de que querem governar o mundo, têm redes mundiáis de espionaje e outras declaracöes que, muitas vezes, säo só calúmnias.
Saludos

Maurício Santoro disse...

Oi, Patrick.

A ajuda militar dos EUA para Israel aumentou bastante, junto com o auxílio que o país presta ao Egito e à Arábia Saudita. O objetivo é reforçar os aliados no Oriente Médio contra o Irã.

O problema é que Israel se queixou de que estava ficando para trás com relação aos regimes árabes pró-EUA (nunca se sabe quando os sauditas vão virar a casaca) e os Estados Unidos resolveram subir o valor da cooperação militar.

Olá, Patricio.

Pois é, mas é curioso como a enorme comunidade judia da Argentina não desenvolveu um lobby semelhante. Pelo contrário, a investigação do governo Menem aos atentados contra a emabaixada de Israel e a AMIA foi uma vergonha, que só recentemente começou a ser remediada...

Abraços