quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

EUA: em busca de inteligência



A comunidade de inteligência dos Estados Unidos poucas vezes foi tão importante para o país quanto no pós-11 de setembro, mas enfrenta séria crise, motivada por erros monstruosos. A "guerra contra o terror" depende muito mais de informações confiáveis do que de poder militar no campo de batalha. Ainda assim, diversos escândalos envolvendo a CIA e outras agências enfraqueceram a confiança do público no trabalho de coleta e análise das informações que servem de base às estratégias do governo.

A história de como a rivalidade entre CIA e FBI impediu que as duas organizações cooperassem para evitar os atentados de 11 de setembro está narrada de maneira magnífica nos livros "O Vulto das Torres", do jornalista Lawrence Wright e em "Contra Todos os Inimigos", memórias do czar anti-terrorismo de Clinton e Bush, Richard Clarke. Hoje sabemos que nenhuma delas, sozinha, era capaz de identificar o que acontecia com a Al-Qaeda, mas que esconderam informações uma da outra e o resultado trágico foi a incapacidade de agir.

As análises que afirmavam que o Iraque possuía armas de destruição em massa, fornecendo o pretexto para a invasão do país, foram outro exemplo clássico de manipulação política da atividade de inteligência. As agências disseram aquilo que os líderes queriam ouvir.O documentário "Truth Uncovered", de Robert Greenwald, examina em detalhes como a mentira foi tecida, a partir de entrevistas com ex-diplomatas, militares e analistas de inteligência.

Nas últimas semanas, o escândalo foi a CIA ter destruído fitas de vídeo que mostravam o que o New York Times chamou de "harsh interrogatories", coisa que quando acontece nos países em desenvolvimento costuma ser descrita como tortura. O caso trouxe à tona figuras polêmicas como a de José Rodriguez Jr., que foi alçado pelo governo Bush a um cargo de chefia na ação da CIA contra o terrorismo, apesar de nunca ter lidado com o tema, nem com o Oriente Médio - toda sua carreira na agência fora nos assuntos da América Latina.

Além disso, houve a publicação da Estimativa de Inteligência Nacional, que afirma que o Irã abandonou seu programa de armas nucleares em 2003 e que mesmo que o retomasse agora não poderia produzir a bomba antes de 2015. O relatório foi elaborado por um conselho de 16 agências de inteligência, presidido por notável acadêmico, ex-militar e ex-diplomata: Thomas Fingar.

Fingar conta uma lição que aprendeu do general Colin Powell: "Sua responsabilidade como oficial de inteligência é me contar o que você sabe. Em seguida, conte-me o que você não sabe. Depois você tem permissão para me dizer o que você acha. Mas sempre mantenha essas três coisas separadas".

A contradição: o país mais rico e mais poderoso do mundo, com amplas capacidades e recursos humanos, não foi capaz de criar um serviço de inteligência de primeiro nível. Essa é a conclusão sombria de "Legacy of Ashes", história da CIA escrita pelo jornalista Tim Weiner, que acaba de ganhar o National Book Award nos EUA por essa obra. Está no topo da minha lista de leituras para 2008.

Weiner afirma que os Estados Unidos precisam enfrentar o desafio que compatibilizar inteligência e democracia e que o mundo será um lugar mais seguro se eles conseguirem. Concordo inteiramente.

2 comentários:

IcaroReverso disse...

talvez o serviço de inteligência americano seja como os estudos, que os americanos também gostam de fazer [caricatura cultural], com inteligência artificial e filosofia da mente: colocar a pragmática na frente do valor, até mesmo na frente dos fatos. O curioso é o quanto essas falhas do serviço de inteligência dão margem a especular sobre o que seria um projeto de nação americano! Seria ressentimento de caubói falido?

Maurício Santoro disse...

Bem, Ícaro, um ex-diretor da CIA declarou que a única superpotência se interessa tão pouco pelo resto do mundo que não se deu ao trabalho de montar uma rede de espionagem de qualidade...

Como diria uma das minhas mentoras acadêmicas, quem tem poder com freqüência se descuida de montar um bom aparato de relações internacionais. E isso sempre termina em erros. Hubris, diriam os gregos antigos...

Abraços