sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Jacob Zuma riu por último?


Há poucos dias o Congresso Nacional Africano, mais importante partido da África do Sul, elegeu Jacob Zuma para ser seu presidente. No contexto do país, isso significa que provavelmente ele será o próximo chefe de Estado e que ganhou uma queda de braço de quase uma década com o atual mandatário, ex-aliado e desafeto político, Thabo Mbeki.

Zuma venceu as primárias do partido derrotando o próprio Mbeki, algo raro em qualquer parte, e ainda mais numa agremiação conhecida por sua disciplina férrea, herança dos tempos em que era uma organização clandestina na luta contra o apartheid. Zuma foi um ativista de base daqueles tempos heróicos, adolescente que se juntou a Mandela na luta armada e passou dez anos preso a seu lado na prisão de segurança máxima de Robben Island. Mbeki é filho de um dos líderes do movimento, mas cresceu no exterior, fez mestrado em economia na Inglaterra se tornou o principal diplomata do movimento anti-apartheid, que chegou a ter mais representações no estrangeiro do que a própria África do Sul.

Mbeki e Zuma trabalharam juntos na redemocratização do país e a parceria dos dois foi fundamental para chegar a um acordo com o influente partido dos zulus. Zuma pertence a esse grupo étnico, que com freqüência acusa o Congresso Nacional Africano de ser um bastião dos xhosa (como Mandela e Mbeki). Zuma foi vice-presidente sob Mbeki até 2005, quando ele o afastou após diversos escândalos de corrupção. Os tribunais afirmam que há provas suficientes para condená-lo.

Além disso, Zuma foi acusado de ter estuprado uma amiga. Ele afirma que o sexo foi consensual e a justiça o inocentou. A moça é HIV-positiva mas Zuma disse que isso não é problema, porque tomou uma boa chuveirada depois das relações com ela. Ele chefiou o serviço anti-AIDS de um país onde talvez 1/3 da população sofra com a doença. Há pouco conversava com uma amiga que voltou recentemente da África do Sul e que me prometeu o material utilizado para prevenir a doença - é terrivelmente falho, propondo combatê-la com abstinência e monogamia. Não é propriamente o comportamento sexual habitual da raça humana.

A força de Zuma vem da identificação popular com sua trajetória. As acusações de corrupção e mesmo de violência sexual pouco prejudicaram seu prestígio num país em que, lamentavalmente, ambos os problemas são extremamente comuns. Há uma cultura de permissividade com relação a tais crimes, de conseqüências trágicas para a África do Sul.

Uma amiga que é professora universitária no país e viveu também no Zimbábue e em Moçambique, analisa assim a atual liderença do Congresso Nacional Africano: "Tenho muitas discordâncias com relação a Mbeki, mas ao menos ele é um pensador, quando fala você percebe que ele fez uma análise do problema. Mas Zuma...".

4 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
É muito bom saver um pouco mais da política dum pais täo cercano geográficamente à América do Sul que, respeito à cercania nos médios de comunicacäo, etc. é muito lejano à Argentina. Näo savia nada sob as tensöes entre os zulús e os xhosa. Aunque tenha desaparecido o Apartheid, as rivalidades raciáis ainda estäo latentes.
Qué distintos aos norteamericanos! Nos EUA Watergate e Sexgate arruinaram aos presidentes e aqui um candidato näo tem problemas estando demostrados delitos täo vez piores!
Saludos amigo!

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Não diria que os temas da África são muito discutidos no Brasil, mas eu acompanho os assuntos por interesse profissional e sempre há bastante coisa nos jornais estrangeiros e na Internet. Mas, de fato, um escândalo como a acusação de estupro teria arruinado a carreira de um candidato à presidente na Argentina ou no Brasil. Quanto às denúncias de corrupção, meu amigo, me parece que nossos compatriotas são bastante tolerantes a elas.

Abraços

Patrick disse...

Curiosamente, passei por este excerto quando fazia o fichamento de "Cercas e janelas" de Naomi Klein: "Thabo Mbeki adotou o programa de livre comércio de sempre: tentar fazer a economia 'crescer' agradando aos investidores estrangeiros com privatizações em massa, demissões e cortes salariais no setor público, corte de impostos corporativos e coisas semelhantes. Os resultados foram arrasadores. Meio milhão de empregos foi perdido desde 1993. Os salários dos 40% mais pobres caíram em 21%. Áreas pobres viram seus custos com abastecimento de água aumentar 55%, a eletricidade em mais de 400%. Muitos passaram a beber água contaminada, levando a uma epidemia de cólera que infectou cem mil pessoas. Em Soweto, vinte mil casas tiveram sua eletricidade cortada a cada mês. E o investimento? Eles ainda estão esperando. Esse é o tipo de histórico que tem feito do Banco Mundial e do FMI os párias internacionais, arrastando milhares de pessoas às ruas de Ottawa no fim de semana passado, com um 'protesto solidário' em Johannesburgo. The Washington Post recentemente contou a história pungente de uma moradora de Soweto, Agnes Mohapi. O repórter observou: 'Apesar de toda essa infelicidade, o apartheid nunca fez isso: não a retirou de seu emprego, não aumentou as tarifas de serviço público e depois interrompeu o fornecimento do serviço quando ela inevitavelmente não pode pagar. A privatização fez isso, disse ela."

Maurício Santoro disse...

A Klein - e a esquerda, de modo geral - são extremamente críticos do Mbkei. "Neoliberal" é a expressão que mais utilizam para se referir a ele.

Pessoalmente, tenho uma análise mais matizada. A economia sul-africana tem crescido a taxas muito boas e aqui e ali houve ganhos importantes no sentido de consolidar uma classe média negra. Mas sem dúvida as políticas sociais são decepcionantes e o descontentamento popular explica muito do apoio dado a Zuma.

Abraços