quinta-feira, 27 de março de 2008

Atualidade de San Tiago Dantas


No ano passado cursei o seminário de tese no IUPERJ com vários colegas que pesquisavam a política brasileira dos anos 1950 e 1960. Passamos muitas manhãs em debates entusiasmados sobre aquele período. Um nome que freqüentemente vinha à discussão era o de Francisco Clementino de San Tiago Dantas, jurista e político do PTB que exerceu por breves mas decisivos momentos os postos de ministro das Relações Exteriores e da Fazenda. Nosso entusiasmo foi estimulado pelo fato de que a professora que coordenava o curso, mestra Maria Regina, havia escrito há pouco um trabalho sobre o personagem. Nesta semana finalmente consegui ler seu artigo, publicado no pequeno livro Atualidade de San Tiago Dantas.

A obra reúne textos e apresentações realizadas em seminário em homenagem a San Tiago Dantas, organizado por amigos que trabalharam com ele, como Marcílio Marques Moreira, José Gregori, Celso Lafer, Mario Gibson Barbosa e Afonso Arinos de Mello Franco. Elenco curioso, de perfil bem mais conservador do que aquele pelo qual San Tiago Dantas se notabilizou.

Verdade que ele começou a se interessar por política como militante integralista, enquanto cursava Direito na década de 1930. A crítica da extrema-direita ao liberalismo atraiu muitos intelectuais brilhantes naquela época, incluindo os que depois migrariam para a esquerda, como dom Hélder Câmara. Segundo o próprio San Tiago Dantas, seu afastamento do movimento data da Segunda Guerra Mundial, quando se tornou claro que ficar gritando “Anauê!” pelas ruas do Rio de Janeiro tinha conseqüências um tanto mais sérias do que simplesmente passar ridículo ao lado de Plínio Salgado.

San Tiago Dantas fez carreira como jurista, professor, advogado de grandes empresas e dono de jornal, tornando-se um homem rico. Só entrou para a política no governo JK, filiando-se ao PTB, escolha inusitada para alguém de sua classe social (seria mais lógico que ele se juntasse ao PSD, bem mais conservador), mas explicável diante de sua inquietação e da ênfase que sempre deu às reformas sociais.

Porque San Tiago Dantas foi uma das mais nobres encarnações do período que chamamos no IUPERJ de “República de 1946”, ou seja, a primeira tentativa de criar uma democracia de masas no Brasil, acompanhada de impressionante processo de modernização econômica. Depois do golpe de 1964, os principais líderes da época foram arrasados pela direita e pela esquerda, sob acusações de “populismo”, “demagogia” e “peleguismo”. Claro que tinham defeitos, mas homens como San Tiago Dantas, Celso Furtado, Walther Moreira Salles, Josué de Castro e João Augusto de Araújo Castro, para citar apenas alguns luminares, contribuíram muito para o país. E ainda são insuficientemente conhecidos – não há, por exemplo, biografias de nenhum deles.

San Tiago Dantas começa a ser valorizado pelo Itamaraty, e em boa hora, pois em sua breve gestão como chanceler foi um dos criadores da política externa independente, tentando encontrar mais espaço de manobra internacional para o Brasil no auge da Guerra Fria, em disputas virulentas como a oposição brasileira à expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos.

Inevitável a comparação com Celso Amorim, mas o ministro atual perde em clareza, concisão e coragem. San Tiago Dantas tomava posições claras em assuntos muito polêmicos, ao passo que Amorim muitas vezes usa linguagem tão escorregadia que não se sabe o que ele defende.

Sua atuação como ministro da Fazenda é menos conhecida. Ele tentou aplicar o plano de combate à inflação elaborado por Celso Furtado, mas os esforços naufragaram em meio ao caos político que precedeu o golpe de 1964.

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