sexta-feira, 7 de março de 2008

Zapatero prendeu minha estagiária



Entre os 30 brasileiros detidos no aeroporto de Madri estavam dois colegas de pós-graduação no IUPERJ, sendo que uma delas, a Patrícia, foi minha estagiária no IBASE. Ela ficou dez horas sem poder comer, beber água ou falar com a família: “Foi o pior dia da minha vida”, desabafou. A reação do instituto foi exemplar, mobilizando o Ministério das Relações Exteriores e a imprensa, e o caso teve ampla repercussão, com posições fortes dos diplomatas brasileiros em defesa dos cidadãos maltratados na Espanha. No entanto, não há muito o que comemorar: o que a Patrícia sofreu ocorreu também com 600 brasileiros na Espanha, somente em 2008.

Como em tantos outros países ricos, a imigração se tornou um problema político explosivo na Espanha e um dos temas mais sensíveis para as eleições deste domingo. O governo socialista está na berlinda e com parca vantagem diante da oposição de direita. Na sempre ótima análise do Valor (link só para assinantes):

Noutro tema importante para a Espanha, a imigração, o governo de Zapatero (que regularizou 700 mil estrangeiros em 2005) foi aos poucos endurecendo as regras e hoje adota posições bem parecidas com as do PP, que para muitos exalam algo de xenofobia. Algumas restrições a estrangeiros têm a ver com o momento econômico. Desde o ano passado, as taxas de desemprego vêm crescendo, e o setor imobiliário, perdendo fôlego. Em um ano, o número de espanhóis sem emprego aumentou em 240 mil, chegando a 2,3 milhões.

É compreensível, nesse cenário, que a Espanha resolva endurecer suas leis de imigração e restringir a entrada de pessoas que considera suspeitas de que permanecerão no país de forma ilegal. O problema é que a decisão vem sendo aplicada com base em critérios racistas e discriminatórios, atingindo em especial jovens latino-americanos, simplesmente por seu local de origem, e indepentemente de terem os papéis em ordem. Meus colegas detidos em Madri estavam na cidade apenas de passagem para um congresso acadêmico em Lisboa, com todos os documentos necessários. Caso parecido aconteceu com outra mestranda brasileira, da USP, Patrícia Magalhães, que narrou a história num email ao IUPERJ:

Finalmente (após quatro horas esperando sem saber o que poderia acontecer), um policial apareceu com um pilha de passaportes nas mãos e foi chamando os brasileiros que iam então sendo liberados. E então percebi que todos os homens tinham sido liberados e só restaram as mulheres, em sua maioria negras e mulatas. Quando, depois de 5 horas de espera, chegou um outro avião da Venezuela, muitas outras mulheres se juntaram a nós e fomos todas levadas para o outro aeroporto onde ficaríamos presas por 3 dias até sermos enviadas de volta, na manhã desta terça-feira (12) às 11h35, no vôo IB6821.

Acompanhei muitos casos de maus tratos aos brasileiros no exterior por minha participação no Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa. Conversei com líderes das comunidades brasileiras nos EUA e na Europa Ocidental, bem como deputados que tratam do tema e todos foram muito críticos com relação às medidas adotadas por esses governos no âmbito dos medos ligados ao desemprego e ao terrorismo.

Infelizmente, a crítica se estende ao Ministério das Relações Exteriores. Para muitos de nossos diplomatas, atender a brasileiros com problemas é algo visto como incômodo, um desvio de suas funções. Um embaixador certa vez me disse, em conversa na Câmara dos Deputados, que para ele isso era “assistência social, e não diplomacia”. Por isso não estou surpreso com o que narra Patrícia Magalhães, a mestranda da USP: “O consulado brasileiro na Espanha foi acionado por nós e pelo Brasil, diversas vezes e por muitas pessoas diferentes, e nada fez frente ao nosso chamado de socorro. Nem ao menos respondeu nossas ligações. “

No caso atual a história foi outra, graças aos contatos políticos dos professores do IUPERJ. O Itamaraty reagiu bem e afirmou que o mau tratamento dado aos brasileiros na Espanha é incompatível com as boas relações entre os dois países. Não sou a favor da reciprocidade, ou seja, que passemos a expulsar os espanhóis (bem, talvez eu abra uma exceção para o Chico Recarey). O mundo precisa de menos nacionalismo e mais integração.
Me prontifiquei perante o IUPERJ de levar o tema para o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e para o Conselho Nacional de Juventude – onde a cooperação com a Espanha é item importante da agenda internacional. Na segunda-feira faremos o coquetel de boas-vindas aos novos alunos e a direção aceitou minha sugestão de transformá-lo em festa de desagravo para os dois alunos detidos em Madri.

Oxalá outros brasileiros submetidos a essas práticas racistas possam encontrar tanto apoio e solidariedade de instituições com força para defender seus direitos.

Se você passou por algo parecido, ou tem amigos que sofreram casos semelhantes, deixe seu recado por aqui ou me escreva em msantoro@iuperj.br.

Pós-Escrito: segue o link para o comunicado oficial do IUPERJ sobre o caso, com críticas ao embaixador espanhol no Brasil por suas evasivas diante da crise.

15 comentários:

Anônimo disse...

A Lol foi fazer um curso para jornalistas em Washington e relatou uma situação bem desagradável. Ficou horas "presa" na sala dos "enjeitados", como ela mesma disse, sem saber se teria que tomar o caminho da roça. E olha que esse curso foi através do consulado americano! Tudo por causa de um tal papel sem o qual ela não poderia estar lá. Perguntei que papel era esse, e ela disse que foi liberada sem que esclarecessem. Obs: ela disse que mal tinha coragem de olhar nos olhos do oficial de imigração tamanha sua cara de pouquíssimos amigos e seu latido em volume mais do que questionável.
Entendo a questão quanto à imigração na Espanha, ainda mais levando em considerações todos os fatores que vc cito. Além disso, embora soe mal aos ouvidos, cada Estado é soberano em aceitar a entrada de quem quer que seja em seu território, estejam os papéis em ordem ou não. O maior problema na minha opinião é o tratamento extremamente desagradável a que os imigrantes são submetidos. Com situações infelizmente não raras de humilhação gratuita. A falta de ação das embaixadas é lamentável. O nome do Sr. José Viegas, aliás, está aparecendo mais do que nunca nos periódicos devido a sua constante falta aos compatriotas. Pena que em grande parte dos casos ser embaixador neste país é como uma "licença-prêmio".
Nanda

Anônimo disse...

É revoltante ver nossos compatriotas tratados como lixo lá fora. Apesar do embaixador espanhol alegar que se tratam de "critérios objetivos" os utilizados para conceder permissão de entrada no território daquele país, o que se vê, na verdade, são arbitrariedades de toda ordem. Fico imaginando qual seria a reação da Espanha se tivesse pesquisadores seus trancafiados no Brasil em quartos insalubres por três dias, passando toda sorte de privações, sendo depois simplesmente "chutados", sem maiores explicações. Acredito que um "pente fino" nos turistas espanhois que entram no Brasil é o mínimo que podemos fazer. Aplicando o estatuto do estrangeiro ao pé da letra também mandaremos muitos deles embora, principalmente aqueles indesejáveis que vêm fazer turismo sexual ou abrir casas de show por aqui...

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Lamento muito a situaçâo dos brasileiros detenidos na Espanha. Há casos similares de argentinos. Parece que eles olvidaram todo o que nossos paises fizieram por eles quando éramos mais ricos. Ao menos, poderiam nos tratar como irmäos.
Concordo con vocè. Näo podem se tomar medidas similares. Isso seria perder o auto-respeito.
Saludos

Patricio Iglesias

Paulo Gontijo disse...

Rapaz, sua paixão pelo tio Chico está latente. Vamos conhecer o embaixador em DC no dia 7 de abril, me sugeres alguma pergunta?
Abs

Maurício Santoro disse...

Salve, Nanda.

O que a Lol passou (e olha que ela é branca, assim como a Patrícia!) é comum. Os critérios são poucos claros. A Pat disse que é como se já tivesse sido definido de antemão quem pode entrar ou não, e os documentos são citados apenas por pretexto.

Irmão,

cadeia para Recarey!


Patricio,

Quando eu morava na Argentina, lembro de que a imprensa sempre destacava muito o tema da imigração latino-americana na Espanha. Mas vocês, argentinos, são bem mais atentos ao que se passa na Madre Pátria. Tenho lido com muito interesse o impacto das eleições espanholas em Buenos Aires, com a campanha na rua. Não há nada parecido no Brasil.

Grande Paulo,

como estão as coisas na capital do mundo? Os democratas estão mesmo dispostos a se autodevorar e dar a Casa Branca de bandeja ao McCain?

O embaixador Patriota escreveu um livro muito bom sobre o Conselho de Segurança da ONU, de repente pode ser interessante ouvir o que ele tem a dizer sobre o tema. Espero que ele consiga fugir um pouco da reverência religiosa com que o MRE trata da questão.

Abraços

P.R. disse...

me prendeu e ainda ganhou as eleicoes! ninguem merece! pelo menos eu ganhei muitas tacas de vinho ontem. otimo te rever, mauricio! saudades sempre.
beijos para todos no ibase!
pati

Maurício Santoro disse...

Alô, querida.

Ele ganhou as eleições mas agora vai se ver conosco. Quem aquele galego pensa que é?

O pessoal do IBASE está com saudades suas e quer te rever. Venha almoçar com a gente!

Beijos

Anônimo disse...

Caso kafkiano.

Patricio Iglesias disse...

Maurício:
A campanha espanhola na rua näo foi täo impresionante como é agora a italiana. Há propagandas por todas partes! E de quem säo a maioria? Adivinhe! A favor da candidatura do Caselli, do partido... do Berlusconi!
Saludos argentinos

Patricio Iglesias

Anônimo disse...

Olá, Maurício. Gostei do seu texto, especialmente no ponto em que se refere à questao de evitar os nacionalismos exacerbados. Apenas um comentário me pareceu um pouco infundamentado, embora fosse transcrito: o de que o PP beira a xenofobia em relaçao ao tema da imigraçao. Veja bem, sou simpático ao PSOE, que fique claro. Mas, na minha opiniao, o PP apenas vem reiterando que a Espanha tem de se adaptar às exigências européias (cada vez mais tácitas, por sinal) de controlar as suas fronteiras, coisa que o PSOE deixou irresponsavelmente de lado por interesses próprios, ainda que um tanto obscuros. De toda forma - parece-me -, quando o PSOE constatou que ganharia essas eleiçoes e que teria 4 anos pela frente para adaptar-se às exigências européias, se começaram a tomar medidas fronteiriças mais efetivas. Acho precipitado falar em racismo ou coisas do tipo. Há uma demanda social bastante forte para o controle da imigraçao, 10% da populaçao espanhola hoje é composta de imigrantes. A fatia da sociedade que mais sofre com a quebra do setor da construçao justamente é a dos imigrantes; os índices de desemprego entre os imigrantes sao assustadores. Enfim, sao muito fatores. Os jornais brasileiros, como sempre, estao tratando o assunto de forma muito simplista e sensacionalista. Já ouvi até motorista de táxi dizer que nao vai conduzir passageiros espanhóis no Rio. É triste.
Saudaçoes e parabéns pelo blog!

Maurício Santoro disse...

Olá, Patricio.

Ainda não li nada sobre a campanha italiana na Argentina, mas na última disputa o voto dos seus compatriotas foi decisivo para a vitória de Prodi sobre Berlusconi. Tomara que a história se repita!

Oi, Anônimo.

Bem sei que a Espanha absorveu muitos imigrantes - em termos proporcionais, compara-se aos EUA - e que isso traz uma série de preocupações legítimas sobre desemprego, criminalidade etc.

O problema é que tais inquietações têm sido exploradas de maneira demagógica e eleitoreira pelo PP, cuja tradição no tema já não é das melhores... Seria diferente se o PSOE estivesse na oposição? Acho que não muito...

O pessoal por aqui está com raiva. Picharam até o consulado espanhol em São Paulo!

Abraços

Suhayla Khalil disse...

Olá, Mauricio!

Essa semana o Governo Espanhol reconheceu que houve erro no tratamento de 800 brasileiros que foram impedidos de entrar na Espanha desde o início do ano. Mas essa posição de reconhecimento é suficiente? E implicará de fato uma mudança na postura que os espanhóis possuem diante de latino-americanos que tentam ingressar em seu país?

Pelas notícias que leio aqui, os argentinos tomam essa como uma crise geral, de âmbito sulamericano, uma vez que não são só os brasileiros que são afetados por essa política restritiva dos espanhóis. Citam como exemplo um avião da Aerolíneas Argentinas que chegou aqui no dia 18/03 trazendo sete argentinos deportados.

Beijos.

Maurício Santoro disse...

Alô, Su.

Passadas as eleições e com a reeleição de Zapatero, acredito que o problema vai ser amenizado, mas que irá continuar.

Como você notou, é algo que afeta todos os latino-americanos, e os argentinos são bem mais atentos a essas questões do que nós, brasileiros, que gostamos de nos considerar como algo à parte. Nosso eterno costume de olhar apenas o umbigo.

beijo

Glaucia Mara disse...

Olhar o proprio umbigo é o que mais me chama a atençao em toda essa historia. Por que nos preocupamos com o trato a alguns brasileiros ( ate ler esse blog nao tinha entendido por que tamanha confusao por algo que acontece diariamente, nao so nos aeroportos espanhois, mas em quase todos os europeus)? O trato que recebem peruanos, equatorianos, paquistaneses, ou africanos deveria ser diferente do nosso?
Como voce bem comentou, a Espanha, por interesses demograficos, e economicos foi muito relaxada com o tema da imigraçao nos ultimos anos, agora com a inversao da tendencia economica esta tentando entrar en sincronia com a comunidade europeia. Claro que isso significa que podem cometer erros, e por supuesto nada justifica o trato indigno que TODOS os que nao sao admitidos recebem.
Parabens pelo Blog, muito sensato.

Maurício Santoro disse...

Olá, Gláucia.

Aqui no Brasil, muitos dos nossos compatriotas resistem a serem considerados como "latino-americanos" e preferem ser vistos como uma cultura à parte.

Embora tenhamos nossa especificidade - a língua portuguesa, uma herança africana bem mais pronunciada - me parece claro que somos parte de uma cultura mais ampla, que abarca toda a região.

Infelizmente, nosso senso de identidade e de solidariedade com o resto da América Latina é muito baixo. Com freqüência, vejo brasileiros agindo de maneira agressiva e preconceituosa contra os demais latino-americanos.

Abraços