quarta-feira, 5 de março de 2008

A Multilateralização da Crise Andina


A crise escapou dos Andes e alcançou a esfera das instituições multilaterais, com negociações muito tensas na Organização dos Estados Americanos (OEA) e a declaração de Uribe de que irá processar Chávez no Tribunal Penal Internacional. Nenhuma das duas iniciativas é boa notícia para a América do Sul.

A Colômbia está na berlinda na OEA, sob intensa pressão do Equador, da Venezuela e da Nicarágua (Cuba está suspensa da organização desde os anos 60). Contudo, a diplomacia colombiana se defendeu bem e conseguiu impedir uma resolução da organização condenando o país pela violação da fronteira equatoriana. Ainda não se chegou a um consenso na OEA, mas me parece que a tendência é pela aprovação da proposta lançada por Brasil e Chile, para se criar uma comissão de investigação – o típico instrumento do deixa-disso, para acalmar os ânimos até a poeira baixar.

Simultaneamente às negociações na OEA, Uribe anunciou que processaria Chávez no Tribunal Penal Internacional (TPI), por cumplicidade com genocídio. A acusação é confusa – o conflito armado na Colômbia é uma tragédia humanitária, mas de modo algum se encaixa na definição de genocídio, que implica a tentativa de eliminar um grupo étnico ou religioso. Depois da polêmica inicial, diplomatas colombianos afirmaram que o processo seria pelo apoio do presidente venezuelano aos grupos terroristas.

O TPI tem competência para julgar quatro tipos de casos: agressões entre Estados, genocídio, crimes de guerra e violações massivas de direitos humanos contra a população civil. Os especialistas estão divididos com relação à possibilidade de que Chávez possa ser processado pelo TPI, entre outras razões porque no que toca aos crimes de guerra, a Colômbia suspendeu sua participação no tribunal até 2009, para facilitar as negociações com a guerrilha e os paramilitares.

Contudo, o cerne da controvérsia é político. Os principais partidos de oposição a Uribe, o Pólo Democrático e o Partido Liberal, rechaçaram a idéia. Acreditam que só pioraria a já péssima situação entre Colômbia e Venezuela. Além disso, o próprio TPI precisa aceitar a denúncia, o que é um longo processo.

A decisão da Venezuela de fechar a fronteira com a Colômbia também é péssima notícia, porque o fluxo comercial entre os dois países é muito intenso – as importações colombianas são fundamentais para a indústria e a alimentação dos venezuelanos. É possível que isso resulte em mais compras dos produtos brasileiros, mas indústrias do Brasil instaladas na Colômbia, que exportam para o mercado da Venezuela, como a Marcopolo, já amargam prejuízos sérios (o link é só para assinantes do Valor).

2 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Eu também lamento muito a crise no norte da América do Sul. Eu sou da opinäo que o Uribe atuou assim porque tem a Don Bush de seu lado.
Voce dez que genocídio se considera ante a eliminacäo de um grupo religioso ou étnico. Nao pode ser ideológico, como na Argentina dos anos 70?
Saludos argentinos

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

A convenção internacional que define o crime de genocídio excluiu dele a questão política, por pressão da União Soviética, que temia que os massacres de seus dissidentes pudessem ser classificados assim.

De modo que temos uma situação inusitada: se eu matar 10 mil pessoas porque elas têm outra religião ou grupo étnico, é genocídio. Se isso ocorrer porque elas pertencem a outro partido político, não é.

No seu país, as associações de direitos humanos se referem ao terrorismo de Estado do período 1976-1983 como genocídio por causa do caráter sistemático das perseguições e das mortes. Algo semelhante acontece na Guatemala, com relação aos mortos na guerra civil, mas lá também pesa bastante o tema indígena.

Penso que os argentinos têm razão e que a tendência, ao longo do tempo, é de alargar o conceito de genocídio para abarcar também os massacres políticos.

Abraços