terça-feira, 25 de março de 2008
Celso Amorim no Roda Viva
Cada vez que assisto a uma entrevista no Roda Viva com temas ligados às Relações Internacionais ou à América Latina, saio com a mesma frustração: a de ter visto um bom programa, mas que poderia ter sido muito melhor caso os jornalistas estivessem bem preparados e mais interessados em estimular um bom debate do que fazer propaganda política de seus slogans favoritos. Ontem me senti assim com a sabatina ao ministro das Relações Exteriores, embaixador Celso Amorim.
Amorim ocupa o cargo desde 2003 e já havia sido chanceler no governo Itamar Franco. Depois do barão do Rio Branco, é a pessoa que mais tempo esteve à frente do Itamaraty. O que mais me chamou a atenção no programa foi a abrangência que assumiu a agenda da política externa brasileira. As perguntas trataram de assuntos como Mercosul, crises na América Latina, negociações na OMC, direitos humanos, deportação de brasileiros na Espanha, missão de paz no Haiti e a eterna demanda pela vaga no Conselho de Segurança. E ficaram de fora questões importantes como a articulação entre Índia, Brasil e África do Sul, ou toda a política africana brasileira.
A maior parte dos questionamentos dos jornalistas abordou a Venezuela, colocando em dúvida a pertinência do país entrar no Mercosul como membro pleno e pressionando o Brasil a condenar o apoio venezuelano e equatoriano à guerrilha na Colômbia. Claro que Amorim não fez isso, mas suas declarações foram as mais firmes que ouvi de um diplomata brasileiro sobre as FARCs, afirmando que elas não devem obter status político de beligerante por conta dos crimes que cometem. O chanceler frisou que o Brasil não é neutro no conflito armado, apoioando o Estado colombiano.
Achei curioso que Amorim falasse pouco, e sem precisão, da importância crescente da Colômbia e da Venezuela para a economia brasileira. São mercados para os produtos do país, e também fontes de energia. O chanceler deveria ter citado os números dos negócios com as duas nações, me parece que tais interesses comerciais são o melhor argumento para uma ação diplomática que seja algodão entre esses dois cristais ariscos.
Outro ponto de destaque do programa foram as cobranças dos jornalistas para política externa mais afirmativa em termos de direitos humanos. Citou-se muito o artigo 4 da Constituição, que coloca a prevalência dos DH como um dos princípios das relações internacionais do Brasil. Amorim tentou defender a baixa atuação do Itamaraty na área alegando que não é produtivo entrar em confronto aberto com países violadores de direitos humanos, a melhor opção seria trabalhar discretamente por acordos conjuntos. Só concordo com a afirmativa para casos especiais, mas fiquei surpreso do ministro não ter citado outro dos princípios do artigo 4: o da não-intervenção. É claro que com freqüência os dois entram em conflito, e harmonizá-los é sempre bastante difícil.
O Roda Viva permite aos espectadores fazerem perguntas através do email e me surpreendi positivamente com o alto nível delas. O público do programa queria saber qual a posição do Brasil com relação ao Tibete (apóia a ocupação chinesa, mas repudia a violência contra a população local, embora seja evidente que uma é a conseqüência inevitável da outra) e sobre a independência do Kosovo (não é contra nem a favor, muito pelo contrário).
Precisamos de mais entrevistas assim. O debate sobre política externa e relações internacionais ganharia muito.
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6 comentários:
Mas que então não convidem aquela coisa que é o Demetrio Magnoli, puta cara chato, metido a sabe tudo. Quer brincar de chanceler? Faz carreira, não chegue em um programa de TV brandando ordens de condutada para a diplomacia brasileira...
eu me amarro no rada viva, mas acho que ele tem um problema de formato: é pergunta demais pra pouca resposta. e, sim, os jornalistas estão a fim mesmo é de "repetir seus slogans preferidos" como disse o maurício e como fez o "puta cara chato" do magnoli.
Abs
Tiago
Salve, For4Saken.
O Magnoli foi muito agressivo, arrogante e grosseiro com Amorim, sem contar que alguém deveria ter dito ao geógrafo da USP que num programa de entrevistas, em geral se espera que o entrevistado seja a pessoa que mais fale.
Pelo menos o Magnoli movimentou um pouco o circo e jogou questões interessantes para o chanceler.
Caro Tiago,
O debate sobre o programa na Internet está bem interessante, em geral com as pessoas criticando as péssimas perguntas dos jornalistas e elogiando a pesquisadora da FGV, que era a mais equilibrada da roda.
Concordo com você, é pergunta demais (e entrevistador demais).
Abraços
Nem me fale sobre esse despreparo em política externa, caro Maurício. Pior é que ,no Congresso o despreparo consegue superar o dos jornalistas.
O Roda Viva tem vários problemas sérios. Um deles é a briga entre os jornalisats para aparecer, o que às vezes faz daquilo uma feira ininteligível; o outro é a possibilidade, nesa confusão, de o entrevistado responder o que quer, e como quiser, deixando no ar perguntas mais constrangedoras e respondendo a alguma outra, de outro entrevistador, encaixada logo em seguida.
Algumas vezes essa receita dá em algo; na maioria das vezes gera um programa chatíssimo. Não vi o do Amorim, mas, pelos relatos, foi mais do mesmo: de um lado perguntadores com os preconceitos desinformados de sempre sobre o Chávez, Venezuela etc; de outro o Amorim driblando, como gosta de fazer.
Post bacana, resumiu bem os pontos interessantes do debate. Sou fã do Roda Viva, mas, de fato, de vez em quando os jornalistas competem entre si para aparecer, o que é chato: se a gente quisesse ouvir os caras muito tempo, eles seriam os entrevistados.
E acho que a política externa do Amorim é mais ou menos a melhor possível em uma conjuntura externa muito ruim: a instabilidade nos Andes é um problemaço, o Mercosul vai bem mal, os EUA manifestaram absoluto desprezo pela comunidade internacional nos últimos oito anos, etc.
Se é verdade que, na economia, Lula pegou um céu de brigadeiro, na Política Internacional está tentando surfar um tsunami.
Salve, Sergio.
Minha impressão dos trabalhos que fiz com o Congresso é que os parlamentares têm o desejo de fazer algo em RI, em especial em integração sul-americana, mas não fazem muita idéia de como chegar lá. Embora eu tenha participado de bons debates envolvendo questões como a dos brasileiros no exterior.
Olá, Prática (para abreviar!).
Muito boa comparação. Me pareceu que alguns dos entrevistadores creditam ao Brasil a onipotência em RI, como se dependesse do Itamaraty acabar com a guerra na Colômbia ou com as prisões políticas em Cuba.
É uma postura bastante diversa da cobertura econômica, que corre muito mais no sentido de como o Brasil se adapta às transformações e aos problemas globais, como a recessão nos EUA.
Abraços
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