domingo, 9 de março de 2008
O Fundamentalista Relutante
Porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
Carlos Drummond de Andrade, Elegia 1938
Um amigo certa vez me recomendou “Sábado” de Ian McEwan como a primeira obra-prima literária pós-11 de setembro. De fato, o relato sobre como pacata rotina de um médico londrino é sacudida pela turbulência contemporânea é um ótimo livro, mas acredito que o pódio agora foi ocupado pelo romance “O Fundamentalista Relutante”, do escritor paquistanês Mohsin Hamid.
O intrigante título se explica em função do caráter do protagonista, Changez, que narra sua história a um americano num café de Lahore. Ele é um jovem que emigra do Paquistão para cursar a universidade Princeton, nos EUA, e vai trabalhar para uma prestigiosa firma de consultoria em Nova York – mesmo trajeto, aliás, do autor. Changez vem de uma família da decadente elite paquistanesa e estabelece uma forte empatia com seu chefe que ascendeu da classe operária americana: “Nesse aspecto, Jim e eu éramos realmente parecidos: ele havia crescido do lado de fora da loja de doces, e eu, na soleira dela, enquanto a porta se fechava.”
A história de um rapaz de poucos meios, mas inteligente e ambicioso, que ascende na vida, só se completa quando ele se casa com uma mulher da aristocracia. Changez encontra sua princesa em uma colega de universidade, Erica, que parece lhe abrir as portas da alta sociedade de Manhattan. Mas o romance não decola, porque a moça vive presa à memória do ex-namorado morto de câncer.
Enquanto isso, Changez começa a se tornar respeitado como consultor, e viaja às Filipinas pela empresa, onde se sente dividido entre identificar-se com os pobres do mundo em desenvolvimento ou com os executivos americanos que são seus colegas na firma. É nesse estado de confusão emocional que ele vê pela TV os atentados de 11 de setembro de 2001.
À medida que os Estados Unidos embarcam na sua cruzada militar, Changez se sente cada vez mais isolado e perdido, angústia que se aprofunda com a guerra no Afeganistão e as tensões crescentes entre Paquistão e Índia:
De repente, morar em Nova York foi como viver num filme sobre a Segunda Guerra Mundial... Por que é que ansiavam os seus compatriotas, não estava claro para mim – por uma era de dominação incontestável? De segurança? De certeza moral? (...) Eu me sentia um traidor por me perguntar se essa época seria fictícia e, caso fosse realmente possível trazê-la à vida, se haveria nela um papel escrito para uma pessoa como eu.
As incertezas de seu amor por Erica e de seus sentimentos com relação aos Estados Unidos deixam Changez cada vez mais irritado, amargurado e crítico do pais onde vive. Os ataques que começa a sofrer por sua aparência só pioram as coisas. Ele é um “fundamentalista relutante”, porque traz em si as contradições de quem vive entre dois mundos:
Essas viagens me convenceram de que nem sempre é possível reestabelecermos nossas fronteiras depois que um relacionamento as embota e as torna permeáveis: por mais que tentemos, não conseguimos reconstituir-nos como os seres autônomos que antes imaginávamos ser. Algo de nós fica do lado de fora, e algo de fora passa a habitar dentro de nós.
Changez tem um perfil semelhante ao dos terroristas que cometeram os atentados de 11 de setembro, muitos deles oriundos de famílias proeminentes da Arábia Saudita e do Egito – aliados de Washington, como o Paquistão – e com estudos na Europa ou nos Estados Unidos. Algo a se pensar.
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2 comentários:
Vem cá Maurício, você ainda está querendo ser como a Samantha Powers?
Abs
Paulo
Mais ou menos, meu caro. Eu até concordo com o que ela disse da Hilary Clinton e do Iraque, mas isso é coisa que se diga no meio da campanha, muito menos quando o chefe (agora, ex-chefe) afirma o contrário.
Em todo caso, comprei a biografia que ela escrever do Sérgio Vieira de Mello, deve chegar pelo correio ainda esta semana.
Abraços
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