quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A Astúcia das Coisas Passadas



Estou no Rio de Janeiro desde o dia 20. Vim passar as festas de fim de ano na minha cidade natal, rever família e amigos, e organizar minha mudança definitiva para Brasília. Até agora eu havia vivido na capital em um hotel, com duas malas e roupas para um mês e meio. No próximo dia 2 meu apartamento carioca entra num caminhão e segue para o Planalto Central, para o imóvel que alugo na Asa Sul.

Estas breves duas semanas no Rio estão febris em atividades, há mil pequenos detalhes para resolver, muitas pessoas para encontrar e uma quantidade inacreditável de sacolas com papéis velhos para jogar fora. Inevitável pensar nos belos versos de Herbert Vianna que falam de "cartas e fotografias, gente que foi embora". Como o narrador da canção "eu vi o meu passado passar por mim" e concluí que sem tanto fardo para carregar "a casa fica bem melhor assim".

Foi uma surpresa positiva a quantidade de alunos que me procuraram neste fim de ano, fosse para pedir conselhos, cartas de recomendação, ou simplesmente deixar um abraço. Acho que não foi um professor muito presente em 2008, porque a cabeça parecia estar sempre em outro lugar: na tese de doutorado que precisava ser completada e defendida, nas atividades do Conselho Nacional de Juventude, no concurso para gestor de políticas públicas e finalmente na mudança para Brasília.

Diversos estudantes e amigos comentaram comigo que 2008 deve ter sido o ano mais feliz da minha vida, e só pude rir diante da afirmativa. Foi, de fato, um período de conquistas e mudanças, muito bem-vindas e desejadas. Mas olhando em retrospectiva - neste dia em que elas são inevitáveis - tudo parece ter sido mais fácil, calmo e planejado do que realmente foi. Somem as dúvidas, as noites de sono inquieto, as perguntas sobre se o rumo da vida vai bem. Me vem à mente à bela expressão de Guimarães Rosa sobre "a astúcia das coisas passadas":

Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. O que eu falei foi exato? Foi. Mas teria sido? Agora acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado.

Naturalmente, 2009 será um perído repleto de desafios, e sinto uma disposição muito boa em vivê-los, de me atirar de cabeça nesta onda de renovação que vem pela frente. Que tenhamos, todos, um feliz ano novo.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Gomorra



Não é todo dia que chega às telas um filme sobre crime organizado tão poderoso quanto “Gomorra”. Baseado no livro do jornalista Roberto Saviano, é uma dissecação do funcionamento da máfia de Nápoles, a Camorra. Daí o título da obra, além dos óbvios ecos bíblicos para uma cidade dominada pelo pecado.

O filme está estruturado como uma coleção de cinco histórias contadas simultaneamente, o que às vezes pode confundir o espectador. Duas dizem respeito a gangsters de baixo escalão – um adolescente dando os primeiros passos na vida criminosa e um homem de meia idade que executa serviços burocráticos para a Camorra - tentando se (re)adaptar às circunstâncias de uma guerra entre grupos mafiosos rivais. Em outra subtrama, dois jovens pé-rapados resolvem tentar grandes golpes, sempre atrapalhados, para se tornarem bandidos respeitados. Roubam drogas de uma quadrilha de imigrantes e furtam armas da Camorra, mas são marcados de morte pelos chefões. Essas são as narrativas mais tradicionais no filme.

As duas mais interessantes – e que a meu ver deveriam ter ganhado mais destaque na produção – falam das relações da máfia com a economia global. Numa delas, um alfaiate que trabalha para uma confecção semi-falida é cooptado por uma empresa têxtil chinesa, ilegal, para treinar seus operários a entrar no mundo da alta-costura. Tratado como um herói, e pago regiamente, ele logo se supreenderá com o fantástico alcance de seus produtos, mas também com a reação furiosa que seu sucesso desperta. Na outra, um elegante executivo faz a ponte entre a Camorra e grandes empresas internacionais, que querem despejar seu lixo tóxico no sul da Itália. Mas seu jovem assistente começa a ter problemas de consciência.



A maioria dos filmes sobre a máfia apresenta criminosos que se vestem como reis de moda e se comportam como CEOs de grandes corporações, às vezes quase numa paródia do mundo empresarial. Em “Gomorra”, tudo é mais sujo, pobre, feio, mesquinho, como no conjunto habitacional napolitano que é cenário para duas das histórias. Os chefões são tão estropiados quanto seus capangas. Do ponto de vista lingüístico, isso é simbolizado pelo uso do dialeto napolitano, no qual a maior parte do filme é narrado. Só os personagens conectados à economia global falam italiano, e ironicamente isso pode abarcar dos imigrantes chineses ilegais ao executivo que lida com lixo tóxico – e que a dado momento diz a seu assistente melhor frase de “Gomorra”: “Pessoas como eu e você botamos esta merda de país na Europa”.

A publicidade do filme no Brasil vem tentando vendê-lo como “a Cidade de Deus italiana”. Típica bobagem de marketing fácil. Em muitos aspectos, “Gomorra” é o oposto da famosa produção brasileira, pois não glamouriza a violência e nem mostra os bandidos como alienígenas sem relação com o resto da sociedade. As mazelas da Itália estão expostas no filme, o eterno drama de seu Estado incompleto e da fragilíssima integração nacional, agora piorados na medida em que o território do país se torna passagem para rotas do crime organizado internacional. Senti falta apenas de histórias que mostrassem a relação da Camorra com a política e a polícia.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O Segundo Mundo



Se você se interessa por política internacional, anote o nome de Parag Khanna. Este acadêmico indiano de apenas 31 anos ainda está completando o doutorado na London School of Economics, mas já tem uma brilhante carreira que inclui empregos no Council on Foreign Relations, Brookings Institute, Fórum Econômico Mundial e assessorias de alto nível para as Forças Especiais do Exército dos EUA no Iraque e Afeganistão e para o presidente eleito Barack Obama. Seu livro “O Segundo Mundo – impérios e influência na nova ordem global” é um impressionante panorama das crises mundiais neste início de século, com destaque para a situação da Ásia.

Khanna analisa o mundo dividido entre três grandes pólos de influência: Estados Unidos, União Européia e China. O que determinará o sucesso de cada uma dessas locomotivas é sua influência sobre os estados periféricos globais, fontes de mercados consumidores, matérias-primas, locais para investimentos e para a internacionalização das cadeias produtivas. Ele deixa de lado os países mais pobres (basicamente, África subsaariana, América Central e Caribe, e Ásia meridional) e concentra seu livro no que chama de “segundo mundo”. Não se trata agora do antigo bloco socialista, mas de uma série de nações emergentes que combinam elementos dos Estados ricos com características de pobreza, conflito e instabilidade soc.ial. Os que ele destaca como mais promissores são Brasil, Turquia, Cazaquistão, Irã, Malásia e as “cidades globais” de Cingapura e Dubai.

Seu livro é o que os analistas diplomáticos classificam de tour d´horizon, um apanhado da situação geral de cada região. É um tipo de obra comum entre veteranos como Henry Kissinger (Does America Needs a Foreign Policy?) e Zbigniew Brzezinsky (The Grand Chessboard). Khanna visitou um número surpreendente de países, mas é claro que seus conhecimentos, embora vastos, são limitados. A seção sobre América Latina é bastante superficial e basicamente repete o que qualquer um pode ler na Economist ou no Financial Times. O único país africano examinado em detalhes é o Egito, e mesmo assim muito mais pela ótica de seu envolvimento dos conflitos do Oriente Médio.



Contudo, as seções sobre Ásia Central são espetaculares. Khanna narra de modo magistral os desdobramentos políticos na antiga Rota da Seda, que basicamente cobre as antigas repúblicas soviéticas que separam a Rússia da China, mostrando como esses novos e frágeis países vem manobrando no espaço político entre essas potência e os Estados Unidos. É igualmente brilhante sua análise dos jogos diplomáticos entre os pequenos Estados reformistas do Golfo Pérsico (Catar, Bahrein, Emirados Árabes Unidos) e a Arábia Saudita, com esses micro-países representando uma bem-sucedida combinação entre o Islã e a economia global.

Khanna não escreve muito sobre a China propriamente dita, mas discorre com lucidez sobre a política externa do país no Sudeste Asiático, iluminando as relações de Pequim com os vizinhos prósperos (Vietnã, Malásia) e turbulentos (Myanmar, Indonésia, Tailândia) além de discorrer de modo claro sobre os desafios chineses em suas regiões de conflito étnico e religioso, com a ameaça latente de separatismo (Tibete e Xinjiang). Material de alta qualidade, difícil de encontrar em português.

Curiosamente, Khanna é muito descrente de sua Índia natal, que analisa brevemente como um Estado de pouco potencial, devido às extensas zonas de miséria e à burocracia incompetente. Ele se mostra igualmente crítico de seu país de adoção, os EUA, com comentários bastante ácidos sobre as atuais dificuldades políticas e econômicas. Dificil escapar da impressão de que é fascinado pelo dinamismo do futuro em construção que encontrou nas nações emergentes que visitou com tanto interesse.

domingo, 21 de dezembro de 2008

A Estratégia de Defesa



Na semana passada foi divulgada a Estratégia Nacional de Defesa, que estabelece as novas diretrizes dessa política pública no Brasil. O documento de 64 páginas apresenta inovações interessantes, com destaque para: 1) Reorganização territorial das Forças Armadas (ênfase na Amazônia, Atlântico Sul e Centro-Oeste); 2) Aproximação entre militares e sociedade civil e 3) Reforço dos vínculos entre defesa e desenvolvimento.

Com relação ao primeiro ponto, há a decisão de que a Marinha construirá uma grande base naval na foz do Amazonas – na prática, isto deve significar a cidade de Belém - e que as demais forças irão deslocar progressivamente suas unidades para o interior do país. A diretriz é acompanhada pelo destaque à necessidade de mais flexibilidade e mobilização. Por exemplo, o Exército será reorganizado com base em brigadas com elevada capacidade de deslocamento rápido. O paradigma é a Brigada de Operações Especiais, que a Estratégia cita como referência em termos de motivação e qualificação de tropa.

A distância entre as elites civis e militar tem sido talvez o principal obstáculo à formulação da política de defesa no período democrático e as sugestões feitas na Estratégia concentram-se em três propostas para reduzir o abismo. Uma é criar carreira civil no Ministério da Defesa, visando à formação de especialistas em temas de políticas públicas militares, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. A segunda é reformar a Escola Superior de Guerra, mudando-a do Rio de Janeiro para Brasília e transformando-a no que me pareceu uma espécie de think-tank governamental.. A idéia é boa, cabe discutir agora como se dará a relação da ESG com os centros militares de altos estudo, como a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e a Escola de Guerra Naval, ambas de excelente nível.

A terceira proposta é mais controversa e no meu juízo é onde a Estratégia é falha. Optou-se por preservar o serviço militar obrigatório e complementá-lo com um serviço civil que absorva os rapazes dispensados, e acolha também as mulheres. Essa é a contramão das tendências internacionais, que apontam para a profissionalização das Forças Armadas, com recrutas servindo pelos vários anos necessários para adquirir o treinamento em tecnologias avançadas que é parte essencial da guerra moderna.

A história do recrutamento obrigatório no Brasil está ligada às campanhas nacionalistas e de afirmação da cidadania do início do século XX, e da própria consolidação das Forças Armadas como uma instituição nacional, acima das polícias estaduais e da guarda nacional. Longo processo que começou na Guerra do Paraguai e só se completou após a Revolução de 1930. Contudo, os tempos hoje são outros. Ilusão achar que o serviço militar irá integrar jovens de classes sociais distintas num país tão desigual quanto o Brasil, só uma escola pública de ensino fundamental de qualidade poderia fazer isso. Além do quê, tenho dúvidas sobre a viabilidade orçamentária e legitimidade política de uma expansão tão ampla do recrutamento em tempos de paz.

A terceira perna do tripé da Estratégia aprofunda um tema tradicional do pensamento militar brasileiro: o vínculo entre defesa e desenvolvimento. Basicamente, aponta a relevância do pais ter tecnologia em setores prioritários como espacial (satélites, GPS), cibernético e nuclear, frisando a criação de avanços duais, que se apliquem também ao mundo civil. Anuncia a formação de uma secretaria no Ministério da Defesa, para centralizar compras governamentais e política industrial na área militar, e levanta a possibilidade de ações conjuntas no âmbito da Unasul. Daí a importância da recente criação do Conselho de Defesa Sul-Americano.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A Cúpula da América Latina



No fim dos anos 80, os paises latino-americanos haviam mediado com significativo grau de sucesso as guerras civis da América Central e isso despertou expectativas de que pudesse se consolidar uma concertação permanente entre as nações do continente. O resultado foi a criação do Grupo do Rio, cuja atuação foi em grande medida decepcionante porque os interesses da região se fragmentaram, com o México e seus vizinhos buscando uma vinculação mais profunda com os Estados Unidos. De alguns anos para cá essa tendência começou a se reverter, e a Cúpula da América Latina e Caribe (Calc) realizada esta semana em Salvador ilumina vários aspectos interessantes desse processo.

Primeiro, temos a ação concertada entre as duas maiores nações da região, Brasil e México, que têm superado divergências político-econômicas históricas e encontrado maneiras de agir conjuntamente no comércio, nos investimentos e no reforço aos mecanismos multilaterais de negociação. O governo mexicano está no meio de uma séria crise com relação à segurança pública e ao enfrentamento da corrupção policial, que interessa em muito aos brasileiros, que sofremos dos mesmos problemas.

Segundo, temos o retorno de Cuba ao sistema interamericano, do qual está suspensa desde a crise dos mísseis em 1962. Há questões relativas à democracia e às liberdades civis e políticas que não são pequenas, mas a melhor maneira de trabalhá-las é reincorporando o regime cubano aos fóruns latino-americanos. Décadas de isolamento em nada contribuíram para liberalizar as práticas adotadas por Havana. No entanto, Cuba segue fora da Organização dos Estados Americanos, que critica como um instrumento dócil dos EUA.

Terceiro – e mais complicado – há a necessidade de manter os canais de negociação e diálogo abertos em uma conjuntura difícil. A crise econômica afeta de maneira rigorosa os vizinhos brasileiros, mais dependentes de poucos produtos primários cujos preços estão em declínio. Daí os casos da moratória do Equador, as pressões protecionistas na Argentina e as questoes suscitadas pelo ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul. A Câmara dos Deputados do Brasil aprovou com folga a iniciativa, mas a votação no Senado deve ser mais disputada.

Infelizmente, persistem problemas nos processos de integração regional na América Latina. O Mercosul não conseguiu solucionar o obstáculo da dupla cobrança de sua tarifa externa comum, e a recém-criada Unasul ainda não obteve consenso a respeito de sua estrutura administrativa.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A Sapatada



Atire a primeira pedra quem não gostaria de repetir o gesto do jornalista iraquiano Muntazer al-Zaidi e jogar um sapato no presidente Bush.

Infelizmente o governo do Iraque libertado não tem muita simpatia por protestos heterodoxos e o repórter está preso, pode pegar 15 anos de cadeia e, segundo as denúncias, foi espancado pelos guardas e está com alguns ossos quebrados.

Nestes tempos de You Tube, o uso criativo das novas tecnologias de informação faz com que críticas inusitadas e bem-humoradas circulem rapidamente. O Sergio Leo fez um apanhado hilariante dos vídeos que parodiam a sapatada iraquiana. Meu favorito é o do Matrix.

Menção honrosa também para as análises pseudo-culturalistas que falam da suposta especificidade árabe, em que é ofensa mostrar a sola do sapato para alguém. Ora, meus queridos, em qualquer país jogar uma bota no seu interlocutor é sinal de que ele fez algo muito ruim para você – como invadir sua nação e matar dezenas de milhares de inocentes, por exemplo.

Sapatos à parte, a agressão a Bush serve como ilustração de uma tendência de diversos estudos sobre o panorama da segurança internacional: os problemas para os Estados Unidos não vem de rivais ricos, mas do países em desenvolvimento. Nações empobrecidas e devastadas pela guerra, que são um ninho de marimbondos para extremismo político, terrorismo, disseminação de epidemias etc. Como tais estudos são preparados por técnicos do hemisfério norte, há sempre a preocupação com a migração, sobre o que aconteceria se essas pessoas resolverem fugir para os EUA e a Europa. O problema de um é a solução do outro.

O link acima vai para o blog de Duncan Green, um dirigente da ONG britância Oxfam, instituição que publica algumas das melhores pesquisas e reflexões que conheço sobre temas como comércio internacional, agricultura familiar e meio ambiente. Green chama a atenção para como muitos dos debates políticos travados nas organizações multilaterais ainda são marcados por perspectivas estreitas em termos de classe social, gênero, etnia.

O mundo precisa de horizontes mais amplos. Ou vão faltar sapatos.

Pós-Escrito: Patricio dá a dica de um site onde o visitante desfrutar de um jogo cujo objetivo é acertar um sapato em Bush. Boa prática!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Detroit em Ponto Morto



A situação de semi-falência da GM e da Chrysler, com a Ford também à beira do colapso, é a crônica de uma morte anunciada há pelo menos trinta anos, diante das dificuldaes crescentes das grandes empresas automobilísticas americanas em competir com suas rivais japonesas, em especial a Toyota. O campo de batalha decisivo são os mercados emergentes: China, Índia, Brasil. A crise atual apenas colocou o prego no caixão, e aumentou o poder de pressão dos executivos e funcionários da indústria para pedir socorro financeiro ao governo.

Contudo, essa tarefa será mais difícil do que foi para os bancos e instituições financeiras. O Senado rejeitou o pacote de ajuda que o presidente Bush havia conseguido aprovar na Câmara. Ironias da política, a derrota foi em grande medida fruto da ação de parlamentares republicanos, descontentes com o que viram como a concessão de amplos poderes ao sindicato da categoria, a United Auto Workers. A solução (?) de curto prazo encontrada pela Casa Branca foi remanejar para Detroit parte dos fundos destinados a Wall Street.

Como as notícias dos Estados Unidos pioram a cada dia, a derrota no Senado vem em conjunto com a prisão de um ás do mercado financeiro, Bernard Madoff, acusado de fraudes que podem chegar a US$50 bilhões. Em momentos de maior glória, Madoff presidiu a Nasdaq, a bolsa de empresas de alta tecnologia. Mas mesmo agora não ficou muito tempo atrás das grandes, pois foi solto após pagar fiança de US$10 milhões.

Regulação é a palavra de ordem na agenda pública americana, mas os sucessivos fracassos nesse campo deixam reservas quanto à capacidade de implementar medidas bem-sucedidas. Por exemplo, o governo cogita criar o cargo de “czar da indústria automobílistica”, para supervisionar a ajuda às empresas e comandar suas decisões de investimento com poder de veto. Esse tipo de relacionamento lembra o que ocorre no Japão e nos Tigres Asiáticos, mas nem mesmo lá as autoridades têm tamanha influência direta sobre as decisões corporativas. Especula-se que o czar seria o veteraníssimo ex-presidente do Fed, Paul Volker – que já tem 81 anos!

Não sei quanto a vocês, mas eu vou comprar um Volkswagen.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Do AI-5 à Constituição de 1988



Neste sábado se completam 40 anos do Ato Institucional Número 5, o “golpe dentro do golpe” que inaugurou o período de maior repressão, e maior crescimento econômico, da ditadura militar brasileira. Os principais jornais deram destaque ao aniversário, publicando cadernos especiais, em geral ressaltando que a maior parte da elite política do país (seja no PT, PSDB ou PMDB) ingressou na vida pública na oposição ao regime. Até a Arena, o velho partido de apoio ao regime autoritário, agora se auto-entitula democrata. Que bom que eles mudaram de idéia, não é?

Em termos acadêmicos, vale chamar a atenção para o lançamento do livro “Tempo Negro, Temperatura Sufocante: Estado e sociedade no Brasil do AI-5”, coletânea de artigos organizada pelos historiadores Oswaldo Munteal Filho, Jacqueline Freitas e Adriano de Freixo. A qualidade dos ensaios varia bastante, mas dois se destacam como primorosos: o estudo do dilplomata Paulo Roberto de Almeida sobre o envolvimento do Ministério das Relações Exteriores na repressão política, e o de Victor Gentilli a respeito da imprensa naquele período difícil.

O AI-5 foi o marco simbólico mais importante da radicalização da ditadura, mas o embrutecimento não parou nele: foram ao todo 17 AIs, mais 104 atos complementares, que formaram um impressionante arcabouço jurídico para a repressão política. Essa legislação baniu eleições para presidente da República, governadores estaduais, prefeitos de cidades importantes, cassou mandatos e direitos políticos, baniu cidadãos que discordavam dos ditadores, censurou artes e imprensa e até reestabeleceu a pena de morte, banida desde a Constituição de 1891. Curiosamente, não permitiu a tortura, os esquadrões assassinos do regime operavam à sombra do aparato legal, mesmo sob as leis da ditadura.



O contraponto do AI-5 é a Constituição de 1988, que estabeleceu as bases institucionais para a democracia em nosso país, com um tratamento impecável dos direitos humanos e das garantias às liberdades individuais diante do arbítrio do Estado, com realce para o papel ativist a do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público nessas defesas.

É bem verdade que na ânsia de dar conta das demandas reprimidas pelos longos anos de autoritarismo, os constituintes exageraram algumas vezes na dose e legislaram sobre tudo: da taxa de juros ao caráter federal do colégio Pedro II, tudo encontrou espaço na Carta Magna. Também critico o modelo de federalismo que ela criou, na qual a União é obrigada a transferir muitos recursos aos estados, sem que esses compartilhem a responsabilidade pela tributação, e acredito que poderiam ter sido encontradas alternativas mais flexíveis ao Regime Jurídico Único do funcionalismo público.

Num país de jovens como o Brasil, 40 anos é muito tempo e 20 ainda não são suficientes para afirmar que completamos a criação das instituições democráticas. O país passou por provas difíceis nesse período: enfrentou a “década perdida” de 1980, com hiperinflação e pacotes traumatizantes, viu o Estado nacional-desenvolvimentista entrar em colapso e ensaiou reformas econômicas significativas. O crescimento do PIB foi baixo e errático, mas todos os indicadores sociais melhoraram e até o velho fantasma da desigualdade começou a recuar, embora permaneça intoleravalmente alta.

Ainda há um abismo entre o país legal e o real, entre as sólidas leis democráticas que temos na Constituição e a realidade tantas vezes sombria, marcada pela violência, pelo controle que o crime organizado exerce sobre áreas (de favelas e bairros de periferia até tribunais de justiça) e pela fragilidade de instituições tão fundamentais quanto a polícia, a escola pública e os partidos políticos. Falta muito, dolorosamente muito, para afirmar que o Brasil é um país justo, mas neste dia de memória acho que já é possível dizer que melhoramos bastante e que ao menos estamos no caminho do sonho da nação que queremos.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Homem no Escuro


Os Estados Unidos como uma casa em luto, e um país em guerra consigo mesmo, são as imagens mais fortes do recente romance de Paul Auster (foto), Man in the Dark, lançado há três meses. Eu havia me acostumado a pensar no escritor como um cronista de Nova York e me surpreendi com seu mergulho na análise psicológica e no comentário político. Agradeço ao André, que emprestou esta bela história como mais um de seus inumeráveis gestos de amizade e gentileza nesta minha mudança para Brasília.

O personagem-título do livro é um velho e bem-sucedido crítico literário, August, que passa uns tempos com sua filha, para se recuperar de um acidente. Ele enviuvou há pouco, ela é recem-divorciada. A outra moradora da casa é a neta de August, Katya, cujo namorado morreu na guerra do Iraque, em circunstâncias terríveis que só são esclarecidas ao fim do romance.

Nessa casa marcada pelo luto e pelo sentimento de perda, August passa uma noite insone, imaginando uma história na qual o conflito do Iraque nunca aconteceu, em seu lugar há uma nova guerra civil nos EUA, na qual estados secessionistas buscam se separar do governo federal após a eleição de George W. Bush, rejeitando não só a conturbada eleição de 2000 como as políticas do presidente.



Num dado momento, a neta se junta a August e eles começam a conversar. O avô lhe conta a história de seu próprio casamento, de suas idas e vindas com a esposa e as confidências fazem com que a jovem Katya finalmente desabafe sua dor e frustração com a morte do namorado, um ex-pupilo de August que sonhava com uma carreira como escritor, mas duvidava de seu talento literário. Seu fim trágico no Iraque é particularmente brutal, uma ilustração do que há de mais perverso no mundo pós-11 de setembro.

Man in the Dark é um livro triste, um olhar doído sobre as mazelas dos Estados Unidos atuais. Não há a ironia de outros trabalhos do autor, embora haja espaço para muita suavidade e ternura, nas lembranças de August sobre sua história de amor e uma carreira em torno de valores humanistas e da boemia intelectual de Nova York, que parecem pertencer a uma época distante, há muito morta.

Katya e o avô passam parte da noite insone conversando sobre cinema e discutindo detalhes de filmes clássicos como “A Grande Ilusão” e “Ladrões de Bicicleta”. A discussão mais tocante trata de “Era uma Vez em Tóquio”, de Yasujiro Ozu, em particular da famosa cena na qual uma moça pergunta para a viúva de seu irmão: “A vida é decepcionante, não é?”. Auster se concentra na resposta desiludida, “Sim, ela é”. Mas o escritor se esqueceu de que a jovem diz isso com um dos sorrisos mais encantadores já registrados pelo cinema. Infelizmente, em meio ao terrorismo e à crise econômica os Estados Unidos não estão muito para sutilezas sobre o lado agriodoce da vida. Como August, estão insones no escuro, à espera da luz que talvez venha com a manhã.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Memórias da Grande Depressão


A taxa de desemprego nos Estados Unidos alcançou seu patamar mais elevado em 35 anos, com mais de 500 mil pessoas perdendo seu trabalho somente em novembro. Neste contexto, muita gente tem pensado na Grande Depressão. O próprio presidente do Fed, Ben Bernanke, é autor de um estudo clássico sobre o período. Na sexta-feira, o Valor publicou uma bela reportagem sobre a época em seu caderno cultural, usando como gancho o lançamento de nova edição do romance “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck.

O livro conta a história de uma família de agricultores sem terra que migram do Meio Oeste para a Califórnia, atravessando uma área paupérrima e semi-árida conhecida como Dust Bowl. Pelo caminho, encontram os escombros do sonho americano, a exploração e a violência dos grandes proprietários rurais e as condições aviltantes de acampamentos de trabalhadores temporários. Em suma, o “Vidas Secas” americano.

A reportagem do Valor contrasta o romance de Steinbeck com estudos acadêmicos mais recentes, que relativizam a situação que ele retratou, afirmando que o quadro geral não era tão ruim. Talvez não fosse, mas dificilmente seria percebido dessa maneira numa época em que o desemprego atingiu 25% e o PIB caiu por anos seguidos – o nível de 1929 só foi recuperado em 1939. Tudo isso numa época em que ainda não existiam as atuais redes públicas de proteção social e a própria teoria econômica tateava em busca de instrumentos que pudessem lidar com uma crise daquela brutalidade.

A resposta keynesiana foi que o governo deveria atuar no sentido de estimular a demanda agregada, provocando um efeito multiplicador por meio da elevação de gastos públicos, mesmo que às custas de déficit durante alguns anos. O Estado poderia até colocar as pessoas para cavar buracos, escreveu Lord Keynes, contanto que gerasse renda e movimentasse economia. Medidas que rompiam com a boa doutrina de buscar o equilíbrio do orçamento, e que respondiam aos anseios da população, apavorada com a deflação persistente. Os preços dos produtos agrícolas foram particularmente afetados, levando muitos pequenos fazendeiros ao nível do desepero e da fome.

O New Deal do presidente Roosevelt reuniu diversos instrumentos desse tipo, de eletrificação rural à construção da indústria bélica, passando por um interessantíssimo programa cultural, parte da Works Progress Administration, que contratou mais de 5 mil artistas para tarefas variadas, como pintar murais, encenar peças teatrais em bairros pobres, recolher folclore e lendas populares. A reportagem do Valor aborda um pouco essa rica experiência, e se você quiser saber mais recomendo o filme “O Poder Vai Dançar” (The Cradle Will Rock), com um elenco fantástico dirigido por Tim Robbins.

O Valor cita, com justiça, a fotógrafa Dorothea Lange, cujas imagens são verdadeiros ícones da Grande Depressão, como o retrato da Mãe Migrante que ilustra muitas narrativas sobre o período, e que abre este post. Mas infelizmente o jornal esqueceu de mencionar Studs Terkel. O jornalista foi um pioneiro da história oral, entrevistando pessoas comuns nos Estados Unidos a partir da crise, criando perfis inesquecíveis. Terkel faleceu há algumas semanas, com quase 100 anos, e a meu ver a cobertura da imprensa esteve aquém do reconhecimento que ele merece.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Trabalho de Equipe


Esta última semana tem sido bastante puxada no curso de formação. Começamos o módulo sobre economia, que irá até o fim do mês e andamos com muito trabalho. Já discutimos as questões internacionais, como o auge e o declínio dos sistemas monetários (padrão ouro, Bretton Woods), e agora debatemos os rumos e descaminhos da trajetória brasileira desde a Revolução de 1930. Hoje, por exemplo, o dia será dedicado aos planos de combate à inflação que dominaram o cenário do país nos anos 1980. Uma particularidade do curso é a ênfase dada às tarefas em equipe. Como trabalharemos em conjunto quando formos gestores de políticas públicas, o método pedagógico ressalta a importância de aprendermos a conviver e cooperar em meio a um grupo de quase 100 pessoas, com carreiras e histórias de vida diversas.

Alguns desses trabalhos coletivos são simples, como os que fazíamos na escola. Por exemplo, preparar uma apresentação oral a respeito de um texto lido para o curso. Mas a maioria é de um nível de complexidade mais elevado. Ao longo das últimas semanas elaboramos conjuntamente um esboço de Constituição, um projeto de reforma política (ambos resultaram num país curiosamente diferente, com sistema parlamentarista e voto misto majoritário/proporcional, à alemã) e escrevemos análises sobre os altos e baixos da Rodada Doha da OMC e sobre como o estrangulamento externo ditou os rumos da industrialização brasileira.

Naturalmete, é mais complicado chegar a consensos envolvendo seis ou sete pessoas, mas a experiência também é bem mais gratificante do que o trabalho individual. É fantástico poder contar em grupos assim com pessoas especialistas em, digamos, agricultura familiar ou mecanismos de controle de constitucionalidade, ou no funcionamento de associações empresariais. Se não dá para aprender por osmose, ao menos a convivência com colegas e o papo na hora do cafézinho ensina bastante.

Os trabalhos de grupo podem valer uma percentagem elevada da nota para cada eixo, até 50% dependendendo do professor. O resto vem por um exame individual, do tipo dissertativo. Na sexta-feira passada fizemos a prova para os módulos de "Estado, Sociedade e Democracia" - isto é, ciência política. Tivemos que responder a três perguntas, mais ou menos assim:

1-Discutir as formas de legitmação do interesse público no Brasil a partir de um livro estudado no curso, sobre as "Gramáticas políticas" do país.

2-Explicar o que são instituições e sua importância na consolidação ou na obstaculização da democracia brasileira.

2-Argumentar se o sistema político brasileiro favorece as minorias ou as maiorias, e dizer o porquê da escolha.

Como vocês podem ver, não é fácil virar tecnocrata. O esforço exigido pelo curso é intenso. Se não fossem pelos dois coffee-breaks diários, já teria caído faminto pelos corredores da Escola Nacional de Administração.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A Equipe Diplomática de Obama


Para alguém que passou a campanha toda falando sobre mudança, a equipe de política externa de Barack Obama é surpreendemente conservadora. Os principais nomes apontados pelo presidente eleito são figuras respeitadas e tradicionais do establishment americano, a começar pela secretária de Estado, Hilary Clinton, e mantendo o atual secretário de Defesa, Robert Gates.

Muitos compararam a eleição de Obama às duas últimas temporadas da série The West Wing, nas quais um candidato oriundo de uma minoria étnica (latino-americana) saía como azarão no Partido Democrata e vencia um republicano moderado na corrida para a Casa Branca. Na TV, o vitorioso nomeava o derrotado para o cargo de secretário de Estado, sinalizando assim o desejo de governar para além das divisões partidárias. Podemos argumentar que foi mais difícil para Obama triunfar nas primárias democratas do que contra seu oponente republicano (Sarah Palin, claro, ajudou muito), de modo que entregar a condução da diplomacia americana a Hilary Clinton faz bastante sentido.

Não sei bem o que Obama pretende com a manutenção de Gates à frente do Pentágono. Ele é um funcionário de carreira da CIA que chegou a dirigir a organização, e muito respeitado por seu profissionalismo. Talvez garantir alguns meses, ou um ano, de transição tranqüila. Paz sempre relativa, visto que há a promessa de campanha de retirar as tropas do Iraque em 18 meses, além de uma guerra que vai bastante mal no Afeganistão e tensões sérias no Paquistão e no Irã. Além disso, existem problemas graves nas Forças Armadas, como o déficit de jovens oficiais, visto que muitos capitães estão deixando o Exército após cumprirem o período mínimo de alistamento.

Para o cargo de conselheiro de segurança nacional, Obama escolheu o general dos fuzileiros navais James Jones, ex-comandante da OTAN. É um oficial um tanto atípico, conhecido por fazer críticas ferinas às políticas das quais discorda. Ficou conhecida uma de suas declarações, afirmando que os Estados Unidos têm mais pessoas tocando em bandas militares do que em todo o serviço diplomático.

As inovações de Obama vieram no cargo de embaixadora para a ONU, na qual nomeou uma mulher negra, Susan Rice – nenhum parentesco com a atual secretária de Estado. Rice serviu no governo Clinton como uma especialista em África e questões humanitárias e aparentemente levou muito a sério o fiasco americano durante o genocídio em Ruanda. Além disso, Obama elevou a embaixada nas Nações Unidas ao status ministerial, dando à embaixadora assento em seu gabinete. Isso havia ocorrido na década de 1960, na administração Kennedy e um sinal promissor de que Washington voltará a levar a sério os debates multilaterais, quem sabe com um papel mais firme em Darfur e no Congo, dado o perfil de Rice.

Minha curiosidade é saber quem será escolhido para o USTR, ou seja, o principal negociador comercial dos Estados Unidos. É de esperar que teremos um momento bastante protecionista naquele país, com implicações sérias para a OMC.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Elegia para Mumbai



Entre os dias 26 e 28 de novembro, um pequeno grupo de talvez 10 terroristas atacou a capital financeira da Índia, Mumbai (Bombaim), matando cerca de 200 pessoas numa série de atentados contra restaurantes, praias, estações de trens, hospitais e centros culturais judaicos, culminando com a tomada do Taj Mahal Palace, o hotel mais luxuoso da cidade (mapa acima). As atrocidades foram atribuídas ao Lashkar-e-Taiba, um grupo terrorista com raízes no Afeganistão e no Paquistão, muito ativo na Cachemira. Como as outras organizações extremistas da região, tem vinculos profundos com os serviços de inteligência paquistaneses, e os ataques podem ter sido uma tentativa de inviabilizar a recente tentativa da aproximação entre Índia e Paquistão.

A Índia sofre com terrorismo religioso desde sua independência, ocorrida em meio a confrontos genocidas entre a maioria hindu e a minoria muçulmana que resultaram em um milhão de mortos. Nas décadas seguintes houve diversos atentados comentados por grupos fundamentalistas das duas crenças, ataques lançados por sikhs e tamils, com os assassinatos dos primeiros-ministros Indira e Rajiv Gandhi, e a longa ameaça da guerrilha comunista dos Naxalitas. Após o 11 de setembro, os choques entre hindus e muçulmanos se intensificaram, com os piores momentos acontecendo nos massacres cometidos em nome do hinduísmo em Gujarat e nos atentados perpretados a pretexto do Islã contra o parlamento indiano, que quase levaram a outra guerra entre Índia e Paquistão. O ano de 2008 tem sido particularmente violento.

Mumbai é a cidade mais cosmpolita da Índia, um emaranhado de povos, religiões, culturas e estilos de vida que formam a área mais dinâmica, caótica e fascinante do país. Por seu papel econômico, também é a porta de entrada para os estrangeiros, e não por acaso os terroristas tiveram como alvo exatamente os locais mais freqüentados por pessoas de outros países, em particular dos Estados Unidos e da Europa.

A persistência e aprofundamento da democracia indiana em meio a essa história sangrenta é um milagre, totalmente inesperado diante das previsões das teorias tradicionais da ciência política. Mesmo em constraste com as atrocidades do passado, os ataques dos últimos dias em Mumbai foram chocantes e diversos altos funcionários indianos da área de segurança renunciaram a seus postos, embora ainda não esteja claro se a decisão é definitiva.

O Partido do Congresso, atualmente no poder, enfrenta uma feroz oposição dos nacionalistas hindus do BJP, e precisa lidar também com a fúria e a indignação da população, que se sente desprotegida e acusa o governo de negligência diante do terrorismo. É provável que nas próximas semanas sejam apresentadas novas leis de combate ao terror, e algum tipo de reorganização administrativa, com reforma ou criação de órgãos públicos para enfrentar a ameaça.