terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O Segundo Mundo



Se você se interessa por política internacional, anote o nome de Parag Khanna. Este acadêmico indiano de apenas 31 anos ainda está completando o doutorado na London School of Economics, mas já tem uma brilhante carreira que inclui empregos no Council on Foreign Relations, Brookings Institute, Fórum Econômico Mundial e assessorias de alto nível para as Forças Especiais do Exército dos EUA no Iraque e Afeganistão e para o presidente eleito Barack Obama. Seu livro “O Segundo Mundo – impérios e influência na nova ordem global” é um impressionante panorama das crises mundiais neste início de século, com destaque para a situação da Ásia.

Khanna analisa o mundo dividido entre três grandes pólos de influência: Estados Unidos, União Européia e China. O que determinará o sucesso de cada uma dessas locomotivas é sua influência sobre os estados periféricos globais, fontes de mercados consumidores, matérias-primas, locais para investimentos e para a internacionalização das cadeias produtivas. Ele deixa de lado os países mais pobres (basicamente, África subsaariana, América Central e Caribe, e Ásia meridional) e concentra seu livro no que chama de “segundo mundo”. Não se trata agora do antigo bloco socialista, mas de uma série de nações emergentes que combinam elementos dos Estados ricos com características de pobreza, conflito e instabilidade soc.ial. Os que ele destaca como mais promissores são Brasil, Turquia, Cazaquistão, Irã, Malásia e as “cidades globais” de Cingapura e Dubai.

Seu livro é o que os analistas diplomáticos classificam de tour d´horizon, um apanhado da situação geral de cada região. É um tipo de obra comum entre veteranos como Henry Kissinger (Does America Needs a Foreign Policy?) e Zbigniew Brzezinsky (The Grand Chessboard). Khanna visitou um número surpreendente de países, mas é claro que seus conhecimentos, embora vastos, são limitados. A seção sobre América Latina é bastante superficial e basicamente repete o que qualquer um pode ler na Economist ou no Financial Times. O único país africano examinado em detalhes é o Egito, e mesmo assim muito mais pela ótica de seu envolvimento dos conflitos do Oriente Médio.



Contudo, as seções sobre Ásia Central são espetaculares. Khanna narra de modo magistral os desdobramentos políticos na antiga Rota da Seda, que basicamente cobre as antigas repúblicas soviéticas que separam a Rússia da China, mostrando como esses novos e frágeis países vem manobrando no espaço político entre essas potência e os Estados Unidos. É igualmente brilhante sua análise dos jogos diplomáticos entre os pequenos Estados reformistas do Golfo Pérsico (Catar, Bahrein, Emirados Árabes Unidos) e a Arábia Saudita, com esses micro-países representando uma bem-sucedida combinação entre o Islã e a economia global.

Khanna não escreve muito sobre a China propriamente dita, mas discorre com lucidez sobre a política externa do país no Sudeste Asiático, iluminando as relações de Pequim com os vizinhos prósperos (Vietnã, Malásia) e turbulentos (Myanmar, Indonésia, Tailândia) além de discorrer de modo claro sobre os desafios chineses em suas regiões de conflito étnico e religioso, com a ameaça latente de separatismo (Tibete e Xinjiang). Material de alta qualidade, difícil de encontrar em português.

Curiosamente, Khanna é muito descrente de sua Índia natal, que analisa brevemente como um Estado de pouco potencial, devido às extensas zonas de miséria e à burocracia incompetente. Ele se mostra igualmente crítico de seu país de adoção, os EUA, com comentários bastante ácidos sobre as atuais dificuldades políticas e econômicas. Dificil escapar da impressão de que é fascinado pelo dinamismo do futuro em construção que encontrou nas nações emergentes que visitou com tanto interesse.

4 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro Maurício
Creio que só as descrições sobre a Ásia tem alguma significância, o restante serve apenas para demonstrar que merece estar empregado por quem o emprega - vitoriosos emprendimentos e centros de estudos verazes.
O jovem Parag é apenas um bom ficcionista ao estilo neoliberal e adepto da "teoria dos jogos", infelizmente ainda tido como algo sério e respeitado por alguns.
É o tipo de livro para ser lido numa viagem de trem e deixado "esquecido" na poltrona do veículo.

Maurício Santoro disse...

Bem, Pedro, as descrições sobre a Ásia ocupam mais da metade do livro e ele tem algumas observações bastante pertinentes a respeito das tensões nos Bálcãs.

Não notei uma grande influência da teoria dos jogos nos escritos dele, embora haja sem dúvida um pano de fundo conservador no que diz respeito à análise de economia política - dificilmente seria diferente dado o currículo do rapaz.

abraços

Renato Feltrin disse...

Caro Maurício,
Também li o livro do Parag Khanna e confesso que não gostei muito. Na verdade, parei no meio e fui direto para a América Latina.
Achei superficiais as análises, principalmente quanto â AL. Uma pena, dado o imenso potencial do sujeito.
No final das contas, parece-me que o livro foi escrito com intenções mercadológicas bem delimitadas. Ou seja, surfar na boa onda do Barak Obama e arrecadar alguns dólares.

Maurício Santoro disse...

Salve, Renato.

Realmente, o capítulo sobre AL é totalmente dispensável, mas gostei bastante das análises sobre a Ásia Central e sobre os Emirados Árabes, acho que ele me fez compreender Dubai e o papel da cidade como grande entreposto global.

abraços