quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A Cúpula da América Latina



No fim dos anos 80, os paises latino-americanos haviam mediado com significativo grau de sucesso as guerras civis da América Central e isso despertou expectativas de que pudesse se consolidar uma concertação permanente entre as nações do continente. O resultado foi a criação do Grupo do Rio, cuja atuação foi em grande medida decepcionante porque os interesses da região se fragmentaram, com o México e seus vizinhos buscando uma vinculação mais profunda com os Estados Unidos. De alguns anos para cá essa tendência começou a se reverter, e a Cúpula da América Latina e Caribe (Calc) realizada esta semana em Salvador ilumina vários aspectos interessantes desse processo.

Primeiro, temos a ação concertada entre as duas maiores nações da região, Brasil e México, que têm superado divergências político-econômicas históricas e encontrado maneiras de agir conjuntamente no comércio, nos investimentos e no reforço aos mecanismos multilaterais de negociação. O governo mexicano está no meio de uma séria crise com relação à segurança pública e ao enfrentamento da corrupção policial, que interessa em muito aos brasileiros, que sofremos dos mesmos problemas.

Segundo, temos o retorno de Cuba ao sistema interamericano, do qual está suspensa desde a crise dos mísseis em 1962. Há questões relativas à democracia e às liberdades civis e políticas que não são pequenas, mas a melhor maneira de trabalhá-las é reincorporando o regime cubano aos fóruns latino-americanos. Décadas de isolamento em nada contribuíram para liberalizar as práticas adotadas por Havana. No entanto, Cuba segue fora da Organização dos Estados Americanos, que critica como um instrumento dócil dos EUA.

Terceiro – e mais complicado – há a necessidade de manter os canais de negociação e diálogo abertos em uma conjuntura difícil. A crise econômica afeta de maneira rigorosa os vizinhos brasileiros, mais dependentes de poucos produtos primários cujos preços estão em declínio. Daí os casos da moratória do Equador, as pressões protecionistas na Argentina e as questoes suscitadas pelo ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul. A Câmara dos Deputados do Brasil aprovou com folga a iniciativa, mas a votação no Senado deve ser mais disputada.

Infelizmente, persistem problemas nos processos de integração regional na América Latina. O Mercosul não conseguiu solucionar o obstáculo da dupla cobrança de sua tarifa externa comum, e a recém-criada Unasul ainda não obteve consenso a respeito de sua estrutura administrativa.

11 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:

"Segundo, temos o retorno de Cuba ao sistema interamericano, do qual está suspensa desde a crise dos mísseis em 1962. Há questões relativas à democracia e às liberdades civis e políticas que não são pequenas, mas a melhor maneira de trabalhá-las é reincorporando o regime cubano aos fóruns latino-americanos."

Vou ser um pouco forte, mas sempre a direita (e com razäo) se escandalizou pelas violaçöes aos direitos humanos na Cuba, mas, Qué estivam fazendo durante as ditaduras näo comunistas da Argentina, Brasil, Uruguái, Chile, etc.? Por qué näo se suspendiu da OEA ao meu pais qüando o Proceso exterminava 30.000 pessoas? Hipocresia.

Saludos!

Maurício Santoro disse...

Hola Patricio,

Extrañava tus comentarios, mi caro!

En realidad, la OEA tuvo un rol importante en las denuncias sobre violaciones de los DDHH en tu país. Ha sido uno de los principales aliados internacionales de las Madres. Pero tienes razón, nunca hubo suspensión o una acción más dura contra Videla, Viola y Galtieri.

El domingo vi una pelicula argentina muy buena sobre la dictadura, "Garage Olimpo". Quizás escriba un poco sobre ella.

Abrazos

Anônimo disse...

Olá Mauricio,

Duas pequenas observações:

A primeira, e menor, é que a cumbre não foi realizada em Salvador, mas no complexo hoteleiro de Costa do Sauípe, que pertence ao municipio de Mata de São João (BA).

A segunda é sobre a moratória equatoriana. Não se trata de um reflexo da crise. Não tem nada haver na verdade. É uma (má) decisão política de Rafael Correa que tenta pegar carona na crise. Os problemas da economia equatoriana são menores e que se bem conduzidos políticamente não há motivo para tal decisão. A dívida deles é bastante pequena e se nos recordarmos que a economia deste país é menor que a do estado da Bahia, só nos mostra que Rafael Correa vai por um caminho que irá arrastar seu país para um atraso significativo.

Maurício Santoro disse...

Oi, Márcio.

Tem razão quanto ao local da cúpula, me confundi e escrevi a cidade, em vez do complexo hoteleiro.

No entanto, a decisão de Correa está relacionada diretamente à piora das contas públicas do país. Outros petroexportadores, como a Venezuela, também estão em situação complicada, mas o Equador tem menos balas na agulha, daí seus rompantes mais intempestivos.

abraços

Anônimo disse...

Oi Mauricio,

Sim, de fato a Venezuela e o Equador estão pagando agora por financiar programas políticos e sociais que são insustentáveis baseados em uma instável política de "petrodolares".

Não se trata apenas de uma decisão intempestiva como você mencionou (embora concorde com você). O Equador tem dinheiro em caixa para pagar suas dívidas, que aliás, são bastante baixas, apenas 20% do PIB do país.

É uma decisão sem fundamentos econômicos, portanto, política. Surpreende que seu presidente seja uma economista, pois ele sabe que está arrastando o país para um atraso ao tentar repetir a estratégia da Argentina. Mas os hermanos viviam uma situação muito pior e que, neste momento, não se vive no Equador.

As decisões anteriores, como o afastamento de empresas privadas, o modismo dos plebiscitos e a personalização da política que afasta e desmoraliza as instituições e converte o poder em uma relação pessoal, mostram que a decisão de Correa é apenas a tentativa de pegar carona na crise contra o "eixo do mal" que ele diz ser o capitalismo.

Abraços!

Maurício Santoro disse...

Oi, Marcio.

Se você me perdoa o economês, o Equador tem liquidez, mas não solvência. Correa sabe que as contas públicas vão se deteriorar rapidamente e resolveu decretar moratória agora, e não mais tarde, quando estiver no fundo do poço, como fizeram os argentinos em 2001.

O objetivo da decisão equatoriana é negociar em condições um pouco melhores do que poderiam enfrentar em, digamos, seis meses. No entanto foi um gesto bastante controverso, pois com o histórico de conflito entre governo e empresas estrangeiras, a reputação do país está péssima.

Abraços

Anônimo disse...

Prezado Mauricio,

Vc deu uma olhada na revista época, saiu um artigo informando sobre o crescimento do nosso comércio com os vizinhos etc que nossa relação é muito mais que conseguir angariar apoios a cadeira da ONU até ai nada de mais, mas o Paulo Moreira Leite repercurtiu a matéria, vale a pena ficar de olho nas respostas, principalmente agora que a está leve os comentários (só disseram que é chapa branca).

Anônimo disse...

Mauricio, de acordo. Acho que nossos argumentos se complementam.

Fique tranquilo com o econômes. Sou economista.

Abraços e continua os bons textos.

Maurício Santoro disse...

Oi, Marcelo.

Ainda não li a matéria, mas darei uma olhada, obrigado pela dica. Nos últimos anos o comércio brasileiro com a América Latina cresceu muito, capitaneado pelas exportações para Argentina, México e Venezuela, mais ou menos nessa ordem.

Essas ligações comerciais não dependem do CS-ONU, em especial porque os demais países latino-americanos não são fãs da possibilidade do Brasil se tornar membro permanente desse fórum.

Há, no entanto, um aspecto político importante nesse comércio, que é a busca de estabilidade numa região conturbada. Isso tem levado a programas brasileiros de estimular importações dos países vizinhos, que têm déficits grandes conosco.

Marcio,

Fico mais aliviado, mas prometo maneirar no uso do economês :-)

Abraços

Anônimo disse...

Sou de Salvador e tive a oportunidade de participar da Cúpula dos Povos do Sul e da Cúpula Social do MERCOSUL. Percebi que nessa presidência Pró-Tempore do Brasil houve um forte avanço na interação entre o Mercosul e os movimento sociais, o que eu avalio como fruto dessa onda democratizante de centro-esquerda que varreu o continente nos últimos anos.

No plano extra-mercosuliano assisti a um painel encabeçado pelo Jubileu Sul e o responsável pela auditoria da dívida externa equatoriana. Pelo que foi falado naquela oportunidade 42% da dívida externa equatoriana é com o Brasil (ou com empresas brasileiras). Defendeu-se tudo menos a integração. Foi levantada a bandeira da soberania nacional, do sub-imperialismo brasileiro, das cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos e da diplomatização de um problema interno equatoriano. Tudo isso somente para barganhar politicamente com o Brasil, que terá de aceitar ainda mais práticas deste tipo, se quiser encarar esses arroubos de independentismos como um ''esforço pela integração''.

Abraços.

Maurício Santoro disse...

Olá, Pedro.

Obrigado pela sua contribuição. Alguns de meus amigos estiveram na Cúpula, mas infelizmente ainda não consegui falar com eles.

O crédito externo do Equador é muito ruim e até onde sei o país só consegue captar recursos por meio de empréstimos oriundos de outros governos, daí a tentativa de lidar com o problema por meio de conflitos políticos. Vamos ver como vai a coisa...

abraços