segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Memórias da Grande Depressão
A taxa de desemprego nos Estados Unidos alcançou seu patamar mais elevado em 35 anos, com mais de 500 mil pessoas perdendo seu trabalho somente em novembro. Neste contexto, muita gente tem pensado na Grande Depressão. O próprio presidente do Fed, Ben Bernanke, é autor de um estudo clássico sobre o período. Na sexta-feira, o Valor publicou uma bela reportagem sobre a época em seu caderno cultural, usando como gancho o lançamento de nova edição do romance “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck.
O livro conta a história de uma família de agricultores sem terra que migram do Meio Oeste para a Califórnia, atravessando uma área paupérrima e semi-árida conhecida como Dust Bowl. Pelo caminho, encontram os escombros do sonho americano, a exploração e a violência dos grandes proprietários rurais e as condições aviltantes de acampamentos de trabalhadores temporários. Em suma, o “Vidas Secas” americano.
A reportagem do Valor contrasta o romance de Steinbeck com estudos acadêmicos mais recentes, que relativizam a situação que ele retratou, afirmando que o quadro geral não era tão ruim. Talvez não fosse, mas dificilmente seria percebido dessa maneira numa época em que o desemprego atingiu 25% e o PIB caiu por anos seguidos – o nível de 1929 só foi recuperado em 1939. Tudo isso numa época em que ainda não existiam as atuais redes públicas de proteção social e a própria teoria econômica tateava em busca de instrumentos que pudessem lidar com uma crise daquela brutalidade.
A resposta keynesiana foi que o governo deveria atuar no sentido de estimular a demanda agregada, provocando um efeito multiplicador por meio da elevação de gastos públicos, mesmo que às custas de déficit durante alguns anos. O Estado poderia até colocar as pessoas para cavar buracos, escreveu Lord Keynes, contanto que gerasse renda e movimentasse economia. Medidas que rompiam com a boa doutrina de buscar o equilíbrio do orçamento, e que respondiam aos anseios da população, apavorada com a deflação persistente. Os preços dos produtos agrícolas foram particularmente afetados, levando muitos pequenos fazendeiros ao nível do desepero e da fome.
O New Deal do presidente Roosevelt reuniu diversos instrumentos desse tipo, de eletrificação rural à construção da indústria bélica, passando por um interessantíssimo programa cultural, parte da Works Progress Administration, que contratou mais de 5 mil artistas para tarefas variadas, como pintar murais, encenar peças teatrais em bairros pobres, recolher folclore e lendas populares. A reportagem do Valor aborda um pouco essa rica experiência, e se você quiser saber mais recomendo o filme “O Poder Vai Dançar” (The Cradle Will Rock), com um elenco fantástico dirigido por Tim Robbins.
O Valor cita, com justiça, a fotógrafa Dorothea Lange, cujas imagens são verdadeiros ícones da Grande Depressão, como o retrato da Mãe Migrante que ilustra muitas narrativas sobre o período, e que abre este post. Mas infelizmente o jornal esqueceu de mencionar Studs Terkel. O jornalista foi um pioneiro da história oral, entrevistando pessoas comuns nos Estados Unidos a partir da crise, criando perfis inesquecíveis. Terkel faleceu há algumas semanas, com quase 100 anos, e a meu ver a cobertura da imprensa esteve aquém do reconhecimento que ele merece.
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