sábado, 13 de dezembro de 2008

Do AI-5 à Constituição de 1988



Neste sábado se completam 40 anos do Ato Institucional Número 5, o “golpe dentro do golpe” que inaugurou o período de maior repressão, e maior crescimento econômico, da ditadura militar brasileira. Os principais jornais deram destaque ao aniversário, publicando cadernos especiais, em geral ressaltando que a maior parte da elite política do país (seja no PT, PSDB ou PMDB) ingressou na vida pública na oposição ao regime. Até a Arena, o velho partido de apoio ao regime autoritário, agora se auto-entitula democrata. Que bom que eles mudaram de idéia, não é?

Em termos acadêmicos, vale chamar a atenção para o lançamento do livro “Tempo Negro, Temperatura Sufocante: Estado e sociedade no Brasil do AI-5”, coletânea de artigos organizada pelos historiadores Oswaldo Munteal Filho, Jacqueline Freitas e Adriano de Freixo. A qualidade dos ensaios varia bastante, mas dois se destacam como primorosos: o estudo do dilplomata Paulo Roberto de Almeida sobre o envolvimento do Ministério das Relações Exteriores na repressão política, e o de Victor Gentilli a respeito da imprensa naquele período difícil.

O AI-5 foi o marco simbólico mais importante da radicalização da ditadura, mas o embrutecimento não parou nele: foram ao todo 17 AIs, mais 104 atos complementares, que formaram um impressionante arcabouço jurídico para a repressão política. Essa legislação baniu eleições para presidente da República, governadores estaduais, prefeitos de cidades importantes, cassou mandatos e direitos políticos, baniu cidadãos que discordavam dos ditadores, censurou artes e imprensa e até reestabeleceu a pena de morte, banida desde a Constituição de 1891. Curiosamente, não permitiu a tortura, os esquadrões assassinos do regime operavam à sombra do aparato legal, mesmo sob as leis da ditadura.



O contraponto do AI-5 é a Constituição de 1988, que estabeleceu as bases institucionais para a democracia em nosso país, com um tratamento impecável dos direitos humanos e das garantias às liberdades individuais diante do arbítrio do Estado, com realce para o papel ativist a do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público nessas defesas.

É bem verdade que na ânsia de dar conta das demandas reprimidas pelos longos anos de autoritarismo, os constituintes exageraram algumas vezes na dose e legislaram sobre tudo: da taxa de juros ao caráter federal do colégio Pedro II, tudo encontrou espaço na Carta Magna. Também critico o modelo de federalismo que ela criou, na qual a União é obrigada a transferir muitos recursos aos estados, sem que esses compartilhem a responsabilidade pela tributação, e acredito que poderiam ter sido encontradas alternativas mais flexíveis ao Regime Jurídico Único do funcionalismo público.

Num país de jovens como o Brasil, 40 anos é muito tempo e 20 ainda não são suficientes para afirmar que completamos a criação das instituições democráticas. O país passou por provas difíceis nesse período: enfrentou a “década perdida” de 1980, com hiperinflação e pacotes traumatizantes, viu o Estado nacional-desenvolvimentista entrar em colapso e ensaiou reformas econômicas significativas. O crescimento do PIB foi baixo e errático, mas todos os indicadores sociais melhoraram e até o velho fantasma da desigualdade começou a recuar, embora permaneça intoleravalmente alta.

Ainda há um abismo entre o país legal e o real, entre as sólidas leis democráticas que temos na Constituição e a realidade tantas vezes sombria, marcada pela violência, pelo controle que o crime organizado exerce sobre áreas (de favelas e bairros de periferia até tribunais de justiça) e pela fragilidade de instituições tão fundamentais quanto a polícia, a escola pública e os partidos políticos. Falta muito, dolorosamente muito, para afirmar que o Brasil é um país justo, mas neste dia de memória acho que já é possível dizer que melhoramos bastante e que ao menos estamos no caminho do sonho da nação que queremos.

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