quarta-feira, 6 de maio de 2009

Ahmadinejad e os Brasileiros



O cancelamento da visita ao Brasil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, privou a sociedade de boa oportunidade para debater as possibilidades de política externa nas relações brasileiras com a República Islâmica e as objeções que distintos grupos políticos nacionais fazem ao regime instaurado pela Revolução de 1979.

As guerras no Iraque, no Líbano e no Afeganistão transformaram o Irã na principal potência regional do Oriente Médio. Estados Unidos e União Européia têm cortejado Teerã para diversas tarefas cruciais, como checar a acordos com os Talibãs e oferecer fonte de gás natural alternativa à Rússia. A maior parte dos analistas da política internacional destaca o Irã como um Estado-pivô no mundo muçulmano. Na América Latina, o Irã estabeleceu acordos comerciais e energéticos com os países andinos, sobretudo Venezuela e Equador.

Isso não significa, necessariamente, o relaxamento das tensões internacionais com o país. As monarquias conservadoras do Golfo temem a exportação do radicalismo xiita iraniano, bem como a ação do Hamas e do Hezbolá. Israel e os EUA preocupam-se com a iminente capacidade nuclear de Teerã. E grupos de direitos humanos por toda parte – inclusive no Brasil - criticam o governo iraniano por sua repressão a dissidentes, homossexuais, feministas. Há suas declarações sobre o Holocausto, é certo e também a perseguição à minoria religiosa dos Bahá´í.

Não são questões pequenas e a ascensão de Ahmadinejad reforçou as controvérsias em torno delas. Em excelente ensaio para a New Yorker, John Lee Anderson traça um perfil aprofundado do presidente iraniano, mostrando como ele cresceu em poder como um outsider à elite do país, forjando uma aliança com os aiatolás conservadores contra os tecnocratas que implementaram as limitadas reformas da década de 1990. Evidentemente, o clima polarizador da guerra e do terrorismo após 2001 não contribuiu para o sucesso das posições moderadas.

Ahmadinejad está em plena campanha presidencial – as eleições serão em junho – e é provável que vença a disputa.

Os interesses econômicos e políticos do Brasil cada vez mais se direcionam para a Ásia, nesse sentido é fundamental estabelecer diálogos de alto nível com um país tão importante na região como o Irã. Ao mesmo tempo, a política externa brasileira precisa responder aos anseios de setores sociais importantes da população, e defender princípios caros à atuação diplomática nacional. Dialogar também significa dizer “não” aos parceiros, quando os interesses e valores são divergentes. A controversa participação de Ahmadinejad na revisão da conferência de Durban, sobre racismo, intolerância e xenofobia, é um exemplo de temas onde os dois países se distanciam.

6 comentários:

Anônimo disse...

Olá! Meu nome é Fefê Alves e descobri seu blog fazendo pesquisas sobre um livro que irei resenhar: A distância sobre nós. Como o assunto que postei hoje foi o referente ao cancelamento da viagem do presidente Ahmadinejad, logo me chamou a atenção seu artigo. Embora você dirija para a importância das relações comerciais com um país de porte como o Irã, eu também questiono, não o cancelamento, mas a negligência com que a mídia age diante de tal oportunidade de diálogo. Inclusive em como o presidente iraniano é pintado. Enfim, gostei do blog! Boas leituras por aqui! Convido a conhecer o meu também quando tiver um tempinho sobrando! Abraços

Anônimo disse...

Perdão, o certo é A distância entre nós.

Sam Cyrous disse...

O irónico é que o relator em Durban foi justamente um bahá'í brasileiro! Ahmadinejad é apenas uma figura que representa o lado mais negro do fanatismo.

É graças ao nível de abstenção que houve anteriormente que ele foi eleito. E é graças a ele que o atual Regime poderá mesmo colapsar!

Depois das recentes mortes de jovens e simples bloggers, detenções sem constituição de acusação de bahá'ís, a opressão instituida contra sunitas e judeus, a possibilidade de pena de morte sob o crime de apostasia e tantas outras coisas, não creio que o regime sequer continue até ao final da próxima presidência (que, como você coloca, provavelmente será ele).

carlos disse...

caro santoro,

em que pese, como sempre, o equilíbrio e a sensatez de seu post, creio que a informação deve ser complementada em alguns aspectos.

me causou estranheza os participantes das manifestações de são paulo, o que a blogosfera chamou de "república morumbi-leblon".
a grande imprensa deu destaque sem, no entanto, explorar jornalisticamente a importância do irã no jogo político do oriente médio. a história recente do país, o caráter da revolução e suas contradições passaram ao largo. reproduziram/copiaram, principalmente, o new york times.

os blogs biscoito fino e a massa (www.idelberavelar.com), e pedrodoria.com.br, dentre outros, foram além da notícia imediata da suposta vinda do presidente do irã. sem esquecer, é claro, a beleza da própria postagem de "todos os fogos o fogo".

daí porque complemento minhas informações com a leitura da blogosfera, que cada vez mais avança no brasil.
e isso é ótimo, né não?

abçs

carlos anselmo-eng°-fort-ceará

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Um tema de ética que me interessa muito é quáis devem ser as relaçöes diplomáticas com autocracias, como no caso do Irä. Näo falo da necessidade de fazer bloqueios ao estilo do cubano ou ainda menos invasöes, mas sem dúvidas, saria uma falta total de respeito para as dezenas (ou centos?) de miles de vítimas do terrorismo de estado em nossos paises deixar totalmente relegado o reclamo pelos direitos humanos lá.
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Olá, Fefê.

Pode deixar que vou dar uma olhada. Bom saber que há mais brasileiros interessados em literatura indiana.

Salve, Sam.

De fato, foi o Iradj, com quem tive o prazer de trabalhar em dois conselhos sobre direitos humanos. Excelente pessoa e profissional, com uma história de vida muito rica.


Caros Carlos e Patricio,

o debate nos blogs foi muito bom, bem melhor do que aquele que rolou na grande imprensa. Curiosamente, os jornais estrangeiros estão com uma visão mais matizada, justament destacando o peso internacional crescente do Irã.

Naturalmente, direitos humanos são uma questão importante nas RIs, meu ponto é que aproximações econômicas não significam adesão às práticas repressivas dos regimes autoritários.

Abraços