segunda-feira, 4 de maio de 2009
Obama e Cuba: um novo começo?
Há algumas semanas o IBASE me convidou para escrever uma coluna sobre temas ligados à América Latina. O primeiro texto da série é este, que trata das relações entre Estados Unidos e Cuba.
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Barack Obama venceu as eleições presidenciais dos Estados Unidos com promessas de mudança e, na política externa, com o compromisso de retomar o diálogo com inimigos históricos como Irã e Cuba.
No que diz respeito à ilha caribenha, tais expectativas tiveram suas primeiras expressões no discurso em que Obama propôs “um novo começo” na relação diplomática, em conjunto com a implementação de medidas que facilitam às famílias cubanas residentes em território estadunidense visitar Cuba e enviar dinheiro para seus parentes que vivem por lá. Apesar do início promissor, permanecem dúvidas sobre se haverá disposição ou condições para terminar com o embargo econômico à ilha e reintegrar Cuba à Organização dos Estados Americanos, da qual está suspensa desde 1962.
Para além das novas ideias trazidas por Obama, as mudanças na diplomacia estadunidense são explicadas por diversas razões: as transformações recentes na economia cubana, a vitória da esquerda em diversos países da América Latina e as mudanças na própria comunidade cubano-americana. Esse conjunto de fatores têm tornado as posições dos Estados Unidos em relação à ilha cada vez mais isoladas e de difícil permanência diante de atores internacionais mais ágeis, como União Europeia, China e Canadá.
O “Período Especial” do Pós-Guerra Fria
Quando a União Soviética e os regime socialistas da Europa Oriental entraram em colapso, entre 1989 e 1991, muitas pessoas acreditaram que o mesmo aconteceria em Cuba. Afinal, o país dependia desses aliados para vender sua produção de açúcar e tabaco a preços mais elevados do que os do mercado, e para importar produtos industriais e combustível a custo reduzido.
O fim do bloco soviético lançou a economia cubana numa séria crise, conhecida como “período especial em tempos de paz”, que durou, oficialmente, de 1991 a 2005. Durante essa época, o PIB da ilha caiu 36%, as exportações, 47% e as importações, 70%. Pobreza e desemprego, de taxas irrisórias, saltaram para 20% e 10%, respectivamente.
O governo reagiu com um pacote de austeridade, racionando gêneros básicos e abrindo a economia à iniciativa privada, tanto cubana quanto estrangeira. Contudo, a liderança da ilha havia aprendido com os erros da União Soviética e optou por reformas mais moderadas e controladas, à semelhança daquelas implementadas pela China e pelo Vietnã. As empresas estrangeiras foram convidadas a se instalar em Cuba, mas sempre em joint-ventures com o Estado – cada sócio responsável por 50% do empreendimento. As autoridades também decidiram abandonar setores em que não era mais possível competir com os rivais estrangeiros, como na tradicional indústria do açúcar, que havia ficado defasada diante das inovações tecnológicas do agronegócio brasileiro e fora prejudicada pelo protecionismo agrícola da União Europeia.
As medidas do governo cubano foram bem recebidas internacionalmente e diversas firmas se interessaram em fazer negócios na ilha. Os conglomerados turísticos espanhóis investiram em hotéis de luxo, as mineradoras canadenses, na extração de níquel, as estatais chinesas multiplicaram por seis a produção de petróleo cubano. A economia voltou a crescer, com o turismo superando o setor açucareiro como o mais importante. Novos segmentos, como a biotecnologia, também prosperaram.
Os Estados Unidos perderam a oportunidade de dialogar com as mudanças. A comunidade cubano-americana se negou a entrar em entendimentos com Fidel Castro e suas pressões foram ouvidas em Washington. Esse importante segmento populacional está concentrado na Flórida – um dos maiores colégios eleitorais estadunidenses, e ainda por cima um “swing state”, isto é, estado que ora vota com republicanos, ora com democratas, sendo cortejado por ambos os partidos.
Tal atenção resultou nas leis Torricelli e Helms-Burton, ainda mais duras e restritivas para regular as relações com Cuba. O caso Elián, no qual um menino sequestrado pela mãe cubana (que tentou emigrar para os EUA e morreu na travessia) foi devolvido ao pai, que vive na ilha, tensionou ainda mais a agenda entre os dois países.
Cuba no novo cenário latino-americano
A partir do fim da década de 1990, partidos e movimentos de esquerda começaram a vencer as eleições em diversos países da América Latina. O resultado foi uma onda eleitoral progressista que deu a Cuba o cenário regional mais favorável desde a Revolução. A relação mais importante é com a Venezuela de Hugo Chávez, com a qual a ilha estabeleceu acordos que garantem segurança energética em troca de serviços sociais, sobretudo ajuda médica.
Melhor disposição política favoreceu os negócios e, atualmente, cerca de 40% do comércio exterior cubano se dá com os demais países latino-americanos, recorde histórico e ruptura para um país cujas exportações tradicionalmente se destinavam aos mercados de fora do hemisfério. Os novos aliados e clientes regionais querem Cuba de volta à Organização dos Estados Americanos, ao Grupo do Rio, à Cúpula das Américas e às outras instituições do sistema interamericano.
Enfim, as mudanças também chegaram à Flórida. Está em curso uma alteração geracional na liderança da comunidade cubano-americana. Os homens e mulheres mais velhos, que haviam vivido na Cuba pré-revolucionária, morreram ou se afastaram da política, sendo substituídos por uma ala jovem mais pragmática, sem memórias diretas da ilha antes de Fidel, de agenda focada nas oportunidades de negócios perdidas para a União Europeia, China e América Latina por conta do anacrônico embargo econômico que herdaram da Guerra Fria. Eis a base eleitoral que impulsiona o discurso renovador de Obama.
A ironia da história é que Cuba nunca precisou tão pouco dos Estados Unidos. Com suas reformas econômicas e novos aliados internacionais, a ilha recuperou a prosperidade. Raúl Castro afastou a assessoria tecnocrática que havia realizado as mudanças para o irmão, e colocou em seu lugar oficiais militares mais confiáveis politicamente, embora menos propensos a transformações ousadas. É questionável que essa liderança política mostre entusiasmo por negociações arriscadas com os Estados Unidos, contra o qual pesam longas décadas de desconfianças e inimizades.
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