quarta-feira, 27 de maio de 2009
Rock and Roll
Passei o último fim de semana no Rio de Janeiro e, entre outras atividades, fui ao teatro assistir a “Rock and Roll”, do dramaturgo tcheco (naturalizado inglês) Tom Stoppard. É uma peça fascinante que usa a música para debater os principais eventos relacionados aos conflitos e queda do comunismo, de 1968 aos tempos atuais, numa trama que oscila entre as duas pátrias do autor.
A ação é estimulada pelo embate entre os dois protagonistas, ambos acadêmicos. Jan é um jovem um tanto rebelde, que larga o doutorado em Cambridge para retornar à sua Tchecoslováquia natal e participar das reformas da Primavera de Praga, tragicamente abortadas pela invasão soviética. Max é seu antigo mentor, um professor universitário que se mantém leal ao partido comunista por seu papel em enfrentar os horrores da Segunda Guerra Mundial e do nazismo.
Embora gostem um do outro e se admirem mutuamente, Jan e Max se afastam em função das disputas políticas. Jan abandona a universidade, flerta com o jornalismo mas vive para a música, que idolatra. Ele se torna parte do grupo que gravita em torno da banda The Plastic People of the Universe e rejeita tanto a adesão ao comunismo quanto o que chama de “oposição oficial”, os dissidentes que criticam o partido-Estado.
À medida que a situação do país se agrava, Jan vê suas perspectivas profissionais se fecharem e acaba se aproximando dos ativistas de direitos humanos, como Václav Havel (amigo e guru do autor), fazendo parte do movimento da Carta 77. A aliança não se dá sem disputas entre os colegas de viagem: qual a natureza da liberdade, e dos direitos? Exigir do Estado a não-interferência em hábitos privados, como o estilo do cabelo ou o tipo de música que se escuta, é mais ou menos progressista do que escrever petições aos líderes políticos?
Enquanto isso, Max se torna uma espécie de curiosidade histórica – um dos últimos intelectuais que continuam filiados ao partido comunista – e lamenta o caminho escolhido por Jan. Mas o professor também se torna crítico do governo e dos oportunistas que constroem carreiras a partir da repressão política. As trajetórias dos dois amigos voltam a se encontrar após a Revolução de Veludo, que derruba o comunismo na Tchecoslováquia, e ambos conversam sobre as desilusões com o comunismo, os significados de 1968 e também com a democracia apática que parece predominar hoje em dia. E fica no ar a sugestão de que a amizade talvez seja a primeira utopia para ajudar a construir o século XXI...
Como era de se esperar pelo título da peça, a música tem destaque na narrativa, com canções e clipes ilustrando a passagem do tempo e os estados emocionais dos personagens. Dos Rolling Stones ao U2, passando pelos Beatles, é uma trilha sonora de impacto.
Max é um papel difícil – pode resvalar no clichê do comunista velha guarda – interpretado por maestria por Otávio Augusto. Thiago Fragoso, que eu só conhecia de atuações como galã na TV, também está ótimo como Jan, assim como Gisele Fróes, que interpreta a esposa de Max (e mais tarde faz o papel de sua filha, na maturidade). Foi um prazer assistir aos diálogos inteligentes, irônicos e emocionados da peça. E uma oportunidade – infelizmente, ainda rara – de presenciar os grandes temas políticos contemporâneos discutidos em português.
Se houver algum produtor teatral a ler este blog, minha sugestão (súplica?): por favor, monte “Democracia”, de Michael Frayn!
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