segunda-feira, 29 de junho de 2009

Um Governo no Iraque


Rory Stewart tem uma vida impossível, que parece recortada de um folhetim de capa e espada do século XIX. Nascido em Hong Kong, de família escocesa, cresceu na Malásia, então colônia britânica, na qual seu pai militar combatia a guerrilha comunista. De volta ao Reino Unido, Stewart se destacou de tal modo numa escola privada de elite que o príncipe Charles o contratou como tutor de seus filhos. Cursou o mestrado em Oxford, serviu brevemente no Exército, e um pouco mais como diplomata, em postos na Ásia e nos Bálcãs. Obcecado por relatos de aventuras, tirou licença do Foreign Office para uma longa viagem a pé pelo Afeganistão em guerra, e também por trechos do Paquistão, Irã, Turquia, Bangladesh e Nepal. “Acidentes de trabalho: meu governo no Iraque” conta o que fez depois disso: trabalhar para a coalizão que invadiu o país, como vice-governador de duas províncias pobres do sul, Maysan e Dhi Qar.

Maysan é do tamanho da Irlanda do Norte, e tem com 54 partidos políticos, 20 tribos, e apenas mil funcionários britânicos e americanos para administrá-la. Área pantanosa, atrasada economicamente, foi um bastião da resistência xiita a Saddam Hussein. A história que Stewart conta não é tanto a da escassez de recursos financeiros - com frequencia havia mais dinheiro do que capacidade de gastá-lo - e sim a ausência de conhecimentos sobre a história, cultura e realidade do Iraque.



Stewart narra as dificuldades de lidar com as principais facções políticas da província: os diversos partidos xiitas, muitos deles próximos ao Irã, os xeques tribais em decadência, mas ainda fortes na zona rural, e uma série de oportunistas querendo dinheiro fácil da corrupção. A classe média liberal sonhada em Washington e Londres se restringia a meia dúzia de intelectuais, sem base de apoio e sem a massa de jovens desempregados, raivosos, e armados que podia lhes dar poder.

A situação foi ainda pior em Dhi Qar, onde Stewart se viu em meio ao estourar da guerra civil entre os iraquianos, que culminou no cerco e bombardeio de seu escritório, defendido de maneira precária e ineficiente por aliados italianos nada confiáveis. Sua conclusão, pessimista, é que os legados de Saddam Hussein e da história recente impedirão a consolidação da democracia no Iraque, resultando num governo autoritário, de forte influência religiosa, semelhante ao que existe no Irã atual.

O livro é extraordinário como relato de aventuras, mas deficiente no que toca à análise da política iraquiana. Parece haver uma curiosa ingenuidade em Stewart, de nunca discutir claramente seu papel como representante de governos que invadiram o país numa guerra com sérios problemas de legitimidade. Ele aparenta acreditar nos propósitos benevolentes dos britânicos em levar a democracia ao Iraque e se retirar o mais rapidamente possível. Também senti falta de depoimentos mais pessoais, sobre como lidou com solidão e medo durante os meses que passou no Oriente Médio.

Stewart abandonou as aventuras neo-coloniais. Passou alguns anos dirigindo uma ONG em Cabul para a reconstrução do Afeganistão e há poucos meses assumiu a coordenação do Centro de Direitos Humanos da Universidade Harvard.

4 comentários:

Enzo Mayer Tessarolo disse...

Parece ser um livro interessante. Vou colocar na lista dos "possíveis livros a comprar". Só um aspecto não me agradou muito: o fato de, segundo você, o autor acreditar inocentemente na benevolências das intervenções. Espero que ele apenas acredite, e não defenda isso cegamente - o que tornaria o livro chato.

Abraços,
Enzo

Rodrigo Cerqueira disse...

Maurício,

pelo que entendi do comentário, o cara é uma figura única, as aventuras são inacreditáveis, mas o livro é meia-boca. É isso?

Wellington Amarante disse...

Olá Santoro, venho aqui para comentar o seu silência quanto ao golpe militar ocorrido em Honduras. Você é uma pessoa que sempre trouxe boas análises em diversos temas de PI, gostaria de "ouvir" suas palavra a respeito do tema. Já se passaram mais de 50 horas do golpe...

Forte Abraço

Maurício Santoro disse...

Pois é, Enzo. Talvez ele tenha assumido essa posição pelo seu pertencimento ao establishment britânico - o príncipe Charles, por exemplo, é um dos principais apoiadores da ONG que ele dirigiu.

Rodrigo: o resumo é esse.

Wellington,

Calma, rapaz! Passei o domingo fora, com amigos, e só soube do golpe à noite. Minha prioridade no dia seguinte foram as eleições argentinas. Mas prometo que amanhã publico um post sobre a crise na América Central.

Abraços