terça-feira, 30 de junho de 2009

A Derrota dos Kirchner



As eleições legislativas da Argentina, ocorridas no domingo, marcaram a derrota dos Kirchner. O bloco político liderado pelo casal perdeu nas principais regiões do país e até em sua base tradicional em Santa Cruz. Com os resultados, dissolve-se a frágil maioria que tinham no Congresso, e pela primeira vez um governo peronista terá que lidar com um parlamento dominado pela oposição. Não é bom augúrio para os dois anos de presidência que restam a Cristina Kirchner, num cenário de turbulências econômicas, políticas e até epidemias de saúde pública – a gripe suína matou mais na Argentina do que em todos os demais países sul-americanos somados.

A oposição conservadora do Unión-Pro venceu na província de Buenos Aires com o empresário colombiano Francisco de Narváez. Dissidente do peronismo, ele se aliou ao prefeito portenho, Mauricio Macri, e concorreu com o slogan da “mudança” (veja o vídeo de campanha, abaixo, com a cortesia de sempre de Dom Patrício Iglesias). Conseguiu chegar num apertado primeiro lugar na província que historicamente é a base peronista. Lembra um pouco o que ocorreu em 2005, quando os Kirchner desbancaram os antigos caciques locais, o casal Duhalde.




A Unión-Pro também venceu na capital, o segundo maior colégio eleitoral do país – a cidade de Buenos Aires é um distrito eleitoral separado da província. Isso não surpreende, pois tradicionalmente o eleitorado portenho vota contrariamente ao governo federal. A oposição de centro-esquerda se saiu muito bem em Buenos Aires, com destaque para o Projeto Sul, novo movimento liderado pelo cineasta Fernando Solanas, que chegou em segundo lugar. Sua plataforma é um apelo nacionalista pela retomada do controle estatal sobre os recursos naturais da Argentina. Em terceiro ficou a veterana líder anti-corrupção, Elisa Carrió, pela coalizão Acordo Cívico-Social.

Em outras províncias importantes, como Córdoba, Santa Fé e Mendoza, o governo também sofreu derrotas graves, com freqüência chegando em terceiro ou quarto lugar entre os diversos candidatos. Foi uma claríssima mensagem de repúdio do eleitorado aos problemas dos governos dos Kirchner: autoritarismo, intransigência, conflitos políticos, má gestão da economia, manipulação dos índices oficiais de inflação. O clima pré-eleição foi tenso. Acompanhei por amigos argentinos e páginas do Facebook o receio de fraudes massivas. A votação foi calma, com poucos incidentes, mas os boatos mostram a intensidade da crise política no país.

Os jornais especulam sobre uma iminente reforma ministerial no governo Cristina. É difícil imaginar uma volta por cima dos Kirchner, diante de resultados eleitorais tão arrasadores. Nestor já renunciou à presidência do partido peronista. O que se coloca como necessidade primordial é a construção de um acordo de governabilidade, para evitar uma paralisia do processo de decisões do Estado que poderia gerar graves problemas na conjuntura da crise econômica. Precedentes como os das presidências de Alfonsín e De La Rua devem estar na cabeça de muitos cidadãos argentinos neste momento.

4 comentários:

carlos disse...

caro santoro,

preocupante o quadro político dos hermanos. por mais que tentem não conseguem superar a tensão latente e histórica entre a capital portenha e o restante do país.

a herança trágica do peronismo paira como um fantasma sobre a argentina. a oligarquia do agronegócio só tem olhos saudosos para a europa.

creio ser péssimo pro mercusul essa instabilidade política da argentina. torço pra que tenham juízo nessa nova situação.

seu post me lembrou as páginas de "sobre heróis e tumbas" do ernesto sabato.

abçs

Maurício Santoro disse...

Prezado Carlos,

é uma honra imerecida para este pobre blogueiro ser comparado a um dos melhores escritores latino-americanos, mas fica o registro agradecido e comovido pela gentileza.

Também acho que o quadro argentino não ajuda o Mercosul. Espero que a liderança política do pais consiga costurar algum tipo de saída para a crise, mas não estou muito otimista...

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Exelente artigo. Uma exposiçäo muito clara pelos näo iniciados nos mistérios da mais escura das ciências ocultas, a "argirologia". E obrigado pela mençäo, o menos que podia fazer era lhe mostrar os vídeos que eu estiva cansado de ver.
Só gostaria fazer um par de comentários:

"Conseguiu chegar num apertado primeiro lugar na província que historicamente é a base peronista. Lembra um pouco o que ocorreu em 2005, quando os Kirchner desbancaram os antigos caciques locais, o casal Duhalde."

Unión Pro fez acordos com distintos "caciques" peronistas. Por exemplo, na minha Sección Electoral (há oito na província) o primeiro candidato a senador provincial era D'Onofrio, um advogado que é um dos históricos líderes do peronismo em San Isidro. E havia cartéis dizendo "De Narváez - Solá - Rucci (a filha do sindicalista, quarta deputada) - El verdadero peronismo de la provincia de Buenos Aires". Todo tempo se falava de "peronizar" e "desperonizar" a campanha eleitoral (imagine todos os analistas que há detrás do De Narváez). De todos modos, tenho a impressäo de que a vitória do De Narváez foi a pesar de ter à "estrutura" em contra, ja que o "aparato" de intendentes, etc. ainda é (era?) dos Kirchner e foi, fundamentalmente, captando (segundo as estadísticas) o eleitorado mais jovem (e, por tanto, mais alejado das identidades tradicionais) e, em uma opinäo muito pessoal, com o eleitorado brutalmente antikirchnerista que iva votar no opositor que melhor estivesse nas pesquisas. O caso de 2005 foi distinto, inverso até diria. Uma parte da vitória do Kirchner se explica em que muitos intendentes duhaldistas e o mesmo gobernador Solá viraram ao kirchnerismo no último momento.

"Isso não surpreende, pois tradicionalmente o eleitorado portenho vota contrariamente ao governo federal."

Creio que pode criar confusäo. Até 2007 (quando ganhou a direita do Pro) o eleitorado de Capital Federal (e também de outras cidades, como Rosario ou Mar Del Plata) foi independentemente do governo do momento claramente progressista, votando no radicalismo ou em forças um pouco mais à esquerda (Frente Grande, FREPASO, ARI, etc.). Veja o quadro; exceptuando 1993 (quando ganhou o PJ, nesse momento governo federal!) sempre apoiu à UCR ou alianças de centroesquerda; ainda na debacle de 2001 estivo com o governo de De La Rúa: http://www.observatorioelectoral.org/informes/analisis/?country=argentina&file=011030
Até hoje, na última eleiçäo, os votos do "Pino" Solanas (que captou a maior parte do eleitorado mais esquerdista) e do Acuerdo Cívico e Social (aliança de radicais) unidos superariam em mais de 12 pontos ao Pro, e isso sem sumar os quase 12 do Heller (do kirchnerismo, o diretor do Banco Credicoop e de posturas mais bem de esquerda) e a os muitos partidos pequenos de extrema esquerda e ao socialismo.

Lamento ter que concordar com você e o Carlos: Dúvidas tenho de que meu pais tenha possibilidades de aportar muito nestos momentos à integraçäo regional.

Saludos!

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

Obrigado pelas suas riquíssimas observações. O peronismo continua a ser um labirinto para mim e sempre fico um pouco tonto com a quantidade de facções em guerra, e o modo com as alianças entre elas mudam o tempo todo.

Agradeço também as correções sobre os padrões de voto em Buenos Aires, eu de fato havia desconsiderado épocas não-peronistas.

Abraços