segunda-feira, 6 de julho de 2009

A Batalha pela Alma da África do Sul



Eu procurava um livro com bom panorama da África do Sul contemporânea, pós-apartheid. Encontrei. “Bring Me My Machine Gun – the battle for the soul of South África”, do jornalista britânico Alec Russell, condensa sua experiência como correspondente do Financial Times e seu convívio com os principais líderes do país. Muito bem escrito e com excelentes percepções sobre as coisas boas e ruins que tem acontecido na nação do arco-íris – algo que o destaca da literatura recente, bem mais pessimista.

A eleição de Mandela despertou enormes expectativas de uma “renascença africana” capitaneada pela África do Sul, o Estado mais rico da região. É claro que a maioria delas não se concretizou, e que a longa noite do apartheid tem se mostrado mais difícil de ser dissolvida do que se imaginava. Contudo, houve progressos significativos. A democracia foi implementada com sucesso, com sistema multipartidário, imprensa e sindicatos livres, e sociedade civil organizada e contestadora. A economia cresceu às taxas mais elevadas desde a Segunda Guerra Mundial. Políticas de ação afirmativa criaram uma classe média negra.

Os avanços foram contrabalanceados por problemas sérios. O partido de Mandela, o Congresso Nacional Africano, envolveu-se em numerosos escândalos de corrupção e tem se mostrado bastante autoritário, pouco propenso a aceitar críticas, com freqüência acusando a oposição de racista. Ironicamente, o CNA absorveu seu velho rival do apartheid, o Partido Nacional, mas enfrentou seu primeiro racha, com a formação do COPE, fundado por militantes que não aceitaram a polêmica liderança do novo presidente, Jacob Zuma.

A política econômica acalmou os empresários ao adotar os cânones liberais, mas não atraiu muitos investidores externos (há mercados emergentes mais estáveis e prósperos). O progresso de empreendedores negros beneficiou uma minoria, e as desigualdades sociais e étnicas do país cresceram no pós-apartheid. A ação afirmativa foi mal implementada em diversos casos, em particular no serviço público, resultando em deficiências de funcionários qualificados em áreas-chave para o país, agravada por ampla emigração de brancos de formação universitária. Há campos explosivos que podem degenerar em sérios conflitos sociais, como a questão agrária.



As duas maiores catástrofes provavelmente são o aumento do crime e a epidemia de AIDS. Russell aponta com precisão o legado de anarquia do apartheid, quando os cidadãos negros não confiavam na polícia e passaram a recorrer a grupos de vigilantes, milícias e linchamentos. No entanto, acho que ele não a importância devida aos crimes sexuais, que merecem análise mais aprofundada pelo que mostram da fragilidade das mulheres na sociedade local. Quanto à AIDS, Russell conta em detalhes como os diversos líderes políticos sul-africanos falharam em lidar com a doença, em grande medida pelos preconceitos que ela desperta junto aos mais pobres, em especial na zona rural.

Outro bom momento do livro é o capítulo a “sombra do Zimbábue”. Russell a examina não só como o fracasso retumbante da política externa sul-africana em lidar com a promoção da democracia na região, mas também como uma espécie de espelho distorcido que mostra como a relativa estabilidade obtida na era pós-apartheid pode degenerar na tirania, caos econômico e ódio racial do país vizinho.


O livro consegue o equilíbrio entre as entrevistas do autor com os presidentes Mandela, Mbeki e Zuma (foto que abre o post) e as histórias cotidianas que mostram as transformações em curso no país. Russell é um analista político primoroso e seu livro ilumina a personalidade complexa e atormentada de Mbeki, e os riscos que o carismático Zuma leva para a presidência da República.

7 comentários:

Enzo Mayer Tessarolo disse...

Olá Mauricio,

Dada a dificuldade em encontrar bons livros sobre a África aqui no Brasil, é sempre bom ler por aqui as suas resenhas e sugestões. Aliás, um bom livro que acabei comprando depois ver sua análise foi o "A África explicada a meus filhos".

Abraços,
Enzo.

Enzo Mayer Tessarolo disse...

nossa.. muitos "bons" no meu comentário...oaehaeouh

Maurício Santoro disse...

Oi, Enzo.

O livro do embaixador Costa e Silva é excelente, mas o grande barato dele é a África Ocidental (Nigéria, Benin) ao passo que minha própria preferência é pelos países do Cone Sul africano, como é o caso da terra de Mandela.

Abraços

carlos disse...

salve, santoro,

o post, elucidativo por sinal, me lembra o oriente médio.

explico: pelo que já li e refleti sobre a última guerra colonial do planeta ou, acredito eu, conflito imobiliário capitaneado pelo governo de israel, a solução mais viável e duradoura pra região seria à moda da áfrica do sul, um só país com dois povos e três línguas oficiais, árabe, hebreu e inglês. seria possível tal solução ou delírio de minha parte? adianto que há grupos israelenses defendendo a proposta.

abçs

Maurício Santoro disse...

Carlos,

A meu ver a solução de um Estado multiétnico em Israel seria impossível na atual conjuntura - com o ritmo de crescimento demográfico árabe, os judeus logo seriam sobrepujados, como os sunitas e cristãos no Líbano.

Contudo, poucos imaginavam algo como a África do Sul contemporânea há 50 anos, de modo que sempre nos resta a esperança. Quem sabe o que futuro reserva?

Abraços

Red IQ Callao disse...

Hola Mauricio tudo bom?
meu chamo Daniel Arce Santos sou natural de Lima Peru e vou ficar por algumas semanas aqui em brasilia.O motivo de meu comentario e para saber si podemos ter comunicaçao o melhor ainda um encontro ya que trabalhei items com relaçao a temas politicos.
Meu mail e darcesantos@gmail.com.

fico em aguardo e parabens pelo sucesso

Maurício Santoro disse...

Claro, Daniel!

Envio um email para você, para mantermos contato.

abraços