quinta-feira, 9 de julho de 2009

Sob a Névoa de McNamara



Fiquei surpreso com o pouco destaque que a imprensa dos Estados Unidos deu à morte do ex-secretário de Defesa Robert McNamara. Não esperava, claro, que fosse uma cobertura comparável àquela dedicada a Michael Jackson, mas os obituários discretos de McNamara me levam a pensar que se trata de um mal estar da sociedade americana com o fantasma das guerras passadas, questões não resolvidas do Vietnã que voltaram para assombrar os conflitos no Iraque e no Afeganistão. Afinal, simultaneamente à morte do ex-secretário, a retirada das tropas americanas das cidades iraquianas foi realizada em meio a uma onda de violência, e as forças da OTAN lançaram ofensiva contra os Talibãs no vale de Helmand.

McNamara encarna os vícios e virtudes da primeira geração de tecnocratas a exercer postos de chefia no Estado americano. Introduziram métodos modernos de administração, oriundos das escolas de negócios mais prestigiadas (Stanford e Harvard no caso do ex-secretário), da iniciativa privada (Ford) e almejaram a racionalização da máquina pública. O movimento começou com o “brain trust” de Franklin Roosevelt, mas alcançou as maiores dimensões no governo Kenendy, com aquilo que o jornalista David Halberstam batizou, ironicamente, de “os melhores e mais brilhantes”. O sarcasmo vem do fato de que os técnicos mais competentes e bem preparados conduziram o país à tragédia do Vietnã.

McNamara comandou boa parte do envolvimento americano no conflito, como secretário de Defesa nos governos Kennedy e Johnson. Deixou a administração em 1968 e foi presidir o Banco Mundial, numa longa gestão que durou até a década de 1980. Mas para o bem e para o mal, seu período à frente do Pentágono foi a época definidora de sua vida.



O que diferencia McNamara de outros líderes políticos controversos da Guerra Fria foi seu esforço sincero em entender as causas de seus erros. Seu processo de arrependimento público foi longo, e se estendeu pelas décadas de 1990 e 2000. Começou com a publicação de suas memórias, “In Retrospect: the tragedy and lessons of Vietnam”. Esforço ainda tíbio, no estilo tecnocrata que consagrou o autor. O leitor sente que falta algo no livro: calor, emoção, carne, sangue. Vida, enfim.

O mais próximo que McNamara chegou da redenção foi sua participação no excepcional documentário: “Sob a Névoa da Guerra: 11 lições da vida de Robert McNamara”, dirigido por Errol Morris. É uma reflexão dolorosa e riquíssima sobre sua experiência como oficial militar e dirigente político em episódios decisivos do século XX: a Segunda Guerra Mundial, a crise dos mísseis cubanos e, claro, o Vietnã. Ao final, fica a lição mais valiosa e surpreendente para o tecnocrata-mor: a racionalidade não vai nos salvar. A realidade é complexa demais, e as decisões são tomadas “sob a névoa da guerra”, em condições muito, muito, imperfeitas de informação, pressa, e interpretadas de maneira errônea com todo tipo de preconceito e distorção.

Não é pouco para os dias que vivemos, e é difícil imaginar Bush, Cheney ou Rumsfeld numa autocrítica semelhante. Talvez por isso o obituário mais simpático a McNamara tenha sido escrito pelo cineasta Errol Morris, que lembra o trabalho que realizou com o ex-secretário.

Será que McNamara será perdoado? Será que ele merece?

4 comentários:

Helvécio Jr. disse...

Creio que outro aspecto importante dessa reavaliação da vida de McNamara como tecnocrata foi o fato dos EUA terem ido à Guerra do Vietnã no estilo tradicional-clausewitiano-ortodoxo também por influência do pensamento de McNamara. (obtenha dados)

As lições de McNamara pós-Vietnã buscaram minorar um pouco essa "névoa". Hoje os EUA utilizam métodos mais heterodoxos (vide o último decumento do dpto. defesa)que de algum modo se adaptam às novas realidades das Guerras Assimétricas. (névoa) Por isso, o discípulo de Maquiavel S. McNamara afirmou: "era uma guerra que não podíamos vencer".

Pelo menos ele era sabatinado no congresso constantemente não é jogador? Aqui os senadores nos fazem rir!

Maurício Santoro disse...

Salve, Helvécio.

Bem colocado, muito bem colocado. Acrescento apenas que os métodos heterodoxos adotados pelos Estados Unidos são bem recentes, datam praticamente do "surto" de Petraeus. Os EUA entraram no Iraque e no Afeganistão sem esse conhecimento.

Nem me fale do Congresso. Por que não temos um senador especializado em questões externas do porte de um William Fullbright, por exemplo?

abraços

carlos disse...

caro santoro,

respondendo sua pergunta: acredito que sim, numa perspectiva histórica, isto é, sob a luz de uma análise crítica de seu protagonismo nos eventos e posterior atitude, tomada na velhice, honesta, creio, em racionalizar suas responsabilidades tão bem rememoradas no post.

o que é fascinante e, talvez emblemático, é sua procura em entender o que deu errado no conflito do vietnã. certamente, essa busca deve ter sido interiorizada no seu consciente haja vista as barbarides cometidas pelas tropas americanas e o retumbante fracasso militar contra um país de camponeses no fim do mundo tornado importante devido a névoa da guerra fria.

será que alguém do núcleo do poder da era do pequeno bush - nunca vi um sobrenome tão adequado, seguirá o exemplo do mcnamara? difícil acreditar, não?

abçs

Maurício Santoro disse...

Pois é, Carlos, acho difícil que alguém na equipe do W Bush faça um percurso semelhante. Talvez Colin Powell, mas ele só ficou no primeiro mandato.

Abraços