terça-feira, 18 de agosto de 2009

Mentiras do Rio



Outro dia eu conversava com meu pai, que afirmava que Brasília não tinha escritores (“Fora a Mônica Veloso”). Contra-argumentei com o exemplo do Sergio Leo. Se você o conhece das colunas jornalísticas sobre comércio exterior e política sul-americana, talvez fique surpreso em descobri-lo ficcionista. Se acompanha seu ótimo blog, provavelmente dirá algo como “Eu já sabia!”. Era óbvio que o criador de Oliveira, o canalha da redação, guardava outras cartas na manga. Mais precisamente, os contos de “Mentiras do Rio”, vencedor do Prêmio SESC de Literatura em 2008.

As doze narrativas do livro são ambientadas no Rio de Janeiro, sobretudo no bairro de Copacabana, epicentro dos sonhos, frustrações, esperanças e medos dos personagens que enveredam por enredos que misturam violência e solidão. Com freqüência, ambos os temas estão entrelaçados.

Os dois contos dos quais mais gostei foram “Mademoiselle Souvestre e o Dono do Aterro” e “Não Dá para Voltar ao Rio”. No primeiro, uma professora de francês (que conheci na fila de autógrafos, na noite de lançamento do livro!) e um mendigo têm um encontro inesperado e tenso, marcado pelas diferentes perspectivas de mundo. No segundo, um assalto em um ônibus vira um jogo quase de vida e morte, entre diversas opções de ação para o narrador-protagonista e seu antagonista de arma na mão.

“Previdência” é ambientado entre burocratas numa velha repartição. Li trechos em voz alta para meus colegas de ministério e provocou uma discussão interessante. Mas temos um recado para Sergio Leo: comunicações oficiais para departamentos do mesmo órgão se chamam memorando. Ofício é só para fora! Nada mais cruel do que a crítica literária feita por burocratas.

Os colegas do Poder Legislativo talvez gostassem de “Congresso de Pijama”, no qual um homem se finge de deputado num almoço de fim de semana e o que começa como brincadeira vai ganhando ares mais turbulentos, à medida que ele encarna o personagem e provoca fortes reações dos demais participantes da reunião.

O Rio do Sergio é uma cidade machucada, doída. Talvez “sem caráter”, como escreveu a jornalista Carla Rodrigues, num post sobre o livro. Mas também é povoada por personagens que, de algum modo, não deixam a peteca cair, e seguem adiante apesar dos problemas e de um ou outro sonho meio amassado.

3 comentários:

EleonoraV disse...

Contra-argumento a afirmação do seu pai com o meu próprio pai: Mineiro/brasiliense da gema, chegou aqui em 62, escreveu seu primeiro livro e não parou mais.
Não é porque me gerou não, mas é um grande escritor.
Se quiser te mando um livro dele, meu favorito. Passado em Brasília, cidade caipira/cosmopolita, mistura política e existencialismo, com um toque de Rosa (sua especialidade).
A propósito, Brasília tem até uma "cena" literária. Amadora, desprestigiada e meio perdida, mas existente. Mas isso é assunto para outro comentário...

Sergio Leo disse...

Caríssimo Maurício, obrigado pela benevolência com minhas "Mentiras"...
Faltou um burocrata na revisão, para não deixar passar esse erro terrível, hein? Nisso que dá não submeter os originais aos especialistas! (-; .

Em Brasília, além de excelentes escritores injustamente pouco conhecidos como o José Rezende Jr.(a panela paulista e carioca é complicada, boa parte dos escritores de outras regiões teve de se mudar para essas capitais, para ser notado), tem um filão diplomático com gente que já ganhou espaço nas pouco abertas páginas de resenhas dos jornalões, como o João Almino e outros que ganharão, como o Mário Araújo. Tem o Lourenço Cazarré, já premiado. Não ganham a divulgação de quem mora perto dos editores dos cadernos culturais, mas ando descobrindo essa vizinhança, e me espantando por ser maior que, como seu pai, eu pensava.

Maurício Santoro disse...

Car@s,

Como meu pai lê o blog, a esta hora ele já deve ter anotado os diversos autores que vocês citaram.

Abraços