quarta-feira, 2 de junho de 2010

Guerrilha no Paraguai?



Em abril e maio o Paraguai esteve em “estado de emergência” em cinco departamentos do norte do país, onde operaria o “Exército do Povo Paraguaio (EPP)”, uma guerrilha de extrema-esquerda. Contudo, há razões para desconfiar da existência do grupo nos termos em que tem sido descrito. Certos indícios apontam para outra história – pode muito bem ser uma quadrilha a serviço de facções de extrema-direita.

O EPP tornou-se conhecido em 2009, quando o jornal ABC Color publicou um documento atribuído à guerrilha. Segundo o texto, o EPP foi criado em 2008, como dissidência do Partido Patria Libre, de orientação comunista. Membros dessa sigla foram presos nos últimos anos em função do envolvimento com crime organizado, como o seqüestro e assassinato da filha do ex-presidente Raul Cubas.

Em 2009 e 2010, o EPP foi acusado de diversos crimes, sobretudo ataques a policiais e seqüestros de fazendeiros. As estimativas são de que o grupo seria pequeno, talvez 20 ou 30 pessoas. Em contraste, o estado de emergência decretado pelo presidente Fernando Lugo mobilizou cerca de três mil policiais e militares. Sua vigência resultou em algumas prisões e várias denúncias de corrupção e abuso de poder por parte das autoridades paraguaias.

Há dúvidas com relação à existência do EPP, e de suas vinculações políticas concretas.

Até este momento, o único documento atribuído ao grupo é o texto publicado pelo ABC Color. Trata-se de um jornal ligado ao general Lino Oviedo, que tentou dar um golpe militar na década de 1990 e foi derrotado por Lugo nas eleições presidenciais. Imprensa e autoridades têm declarado indícios que ligariam o EPP às FARCs e ao Sendero Luminoso, mas não apresentaram provas. É o tipo de acusação que parece ser feito sob medida para criar comoção na opinião pública.

Os crimes atribuídos ao EPP ocorrem num momento difícil para Lugo. O presidente enfrenta fragilidades na sua heterogênea coalizão de apoio, problemas com sua base eleitoral devido aos escândalos sexuais em que se envolveu e até ameaças de impeachment pelo Congresso. Seu vice pertence ao Partido Liberal e é visto com muito mais simpatia pelos conservadores do que o ex-bispo católico. Meus amigos paraguaios com freqüência comentam sobre os riscos de algum tipo de golpe ou ação de força contra Lugo.

A maior parte da esquerda paraguaia apóia o presidente, embora muitos movimentos sociais estejam descontentes com sua política econômica e com o espaço que os liberais desfrutam em seu governo.

Naturalmente, é possível que o EPP seja mesmo como foi descrito: um pequeno grupo de extrema-esquerda, atuando de maneira violenta e fora do jogo político tradicional. Há precedentes na América Latina. O ataque do MTP argentino ao quartel de La Tablada, em pleno governo democrático de Raúl Alfonsín, parece ter sido exatamente isso.

4 comentários:

Luiz Rodrigues disse...

Mauricio,

estava esperando por este post. Deu uma boa esclarecida... eu estava duvidando da existência desse grupo... um país com pouca tradição revolucionária organizada ter um levante destes justamente quando a direita se afasta do poder.. muito estranho.

Interessante saber que há precedente, já é mais um elemento para análise... por falar nisso sabe alguma coisa de um levante contra o Alfonsin liderado por um Sylvio Frota argentino chamado "Senedin" ou algo parecido????


saudações

Luiz

Maurício Santoro disse...

Salve, Luiz.

Para variar, a imprensa brasileira abordou a crise recente no Paraguai de uma maneira muito ruim, e isso nas poucas vezes em que tratou do assunto.

Incrível como se fala tão pouco de um pais onde o Brasil tem tantos interesses e preocupações.

Sobre a sua pergunta, sim, conheço a história. Foram uma série de revoltas militares na década de 1980, conhecidas como "carapintadas", que tinham como objetivo parar os julgamentos dos crimes cometidos pela ditadura militar argentina.

O Exército se mostrou muito relutante em reprimi-las e o governo acabou capitulando em quase tudo, com duas leis, "Obediência Devida" e "Ponto Final". Depois Menem anistiou vários outros militares que haviam sido presos.

Só na década de 2000 é que a Suprema Corte as julgou inconstitucionais e retornaram os processos.

Abraços

Marcelo L. disse...

Olá Mauricio,

Esperava também um texto seu sobre a "guerrilha" paraguaia...há denúncias realmente fortes que parte dos ataques são invenções para o governo paraguaio realizar desapropriações por 5x o valor da fazenda (tem até um capataz preso por isso pelos fiscales)...

Há quem diga foi um golpe que reforçou o poder do vice que é de extrema-direita do partido Colorado além de negócios para lá de estranhos...e ainda tem a sobrinha do Lugo que é uma figura no mínimo controversa.

Já, estou pensando que o melhor para o país guarani é novas eleições por que estas já são "velhas"...parafraseando Lenin

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

A política paraguaia é extremamente corrupta e violenta, de modo que sempre cabe cautela ao analisar as notícias que vem de lá. São realmente estranhas.

abraços