segunda-feira, 28 de junho de 2010

Romantismo: uma questão alemã



“Foi um tempo perigoso para jovens inteligentes... extremamente excitante e tensa, a vida se movimentava entre diversos extremos.”

O principal argumento deste excelente livro do filósofo e jornalista Rudiger Safranski é que o romantismo alemão foi uma reação ao racionalismo do Século das Luzes com profundas implicações para a arte e a política da Alemanha não só no início do século XIX, mas com ecos na ascensão do III Reich e até nas revoltas sociais de 1968. As distintas manifestações românticas têm em comum a valorização das emoções, a ânsia pelo segredo e pelo mistério, a vontade de tornar especial o cotidiano. Como escreveu Eichendorff, “E o mundo começa a cantar, se apenas achas a palavra mágica.” As correntes libertárias priorizavam a autonomia do indivíduo diante das convenções sociais, outras abordagens preconizavam a comunidade e as tradições acima dos desejos pessoais.

Safranski identifica o auge do romantismo alemão entre a Revolução Francesa e a década de 1830. O ímpeto inicial veio do movimento “Sturm und Drang”, de Goethe e Schiller, que contrapunha aos acontecimentos políticos franceses a necessidade de uma profunda transformação no espírito alemão, uma nação dividida em múltiplos reinos, principados, ducados nos quais “tudo estava fragmentado, estreito e pequeno”.

A filosofia cumpriu papel importante nesse processo, com os escritos de Herder e Fichte, defensores de que cada nação tem sua tarefa no curso da história mundial, e à Alemanha estava reservado um grande destino. Mas se os primeiros românticos estavam mais preocupados com poemas de amor, contos de fada e lendas medievais, as guerras napoleônicas tornaram o movimento uma questão política, intensamente nacionalista e um tanto agressiva. Por ironia, muito desse espírito foi transferido para os socialistas e outros grupos de esquerda, que criticavam os românticos por seu desinteresse pelos assuntos públicos: “Os sonhos gerais de libertação continuavam românticos, mas o comportamento pessoal não deve sê-lo”.



Para Safranski, existe uma tensão não-resolvida no romantismo entre a reação ao desencantamento do mundo moderno, com a busca pelo exótico e pelo diferente, e uma certa nostalgia da paz burguesa, da vida simples do campo ou do período medieval. Essa inquietação é bem sintetizada nos versos de Holderlin: “Por que nunca dorme, pois / o ferrão no meu peito?”.

Tais contradições experimentam diversos retornos na vida alemã, diante das crises sociais trazidas pela rápida industrialização do país, e pelas rivalidades internacionais crescentes. O III Reich é apenas a versão mais catastrófica de uma tendência perigosa que está presente em Wagner, Nietzsche e outros: “Procura-se na política algo que jamais se encontrará ali: a salvação, o verdadeiro ser, a resposta às últimas perguntas, a realização dos sonhos, a utopia da vida que deu certo, o Deus da história, o apocalipse...”

2 comentários:

Giovanni Gouveia disse...

Contraponto ou complemento a Sayré e Löwy no "Revolta e Melancolia - O Romantismo na contramão da modernidade"?

http://sociologiaemrede.ning.com/profiles/blogs/revolta-e-melancolia-o

Maurício Santoro disse...

Salve, Giovanni.

Não cheguei a ler o livro do Lowy, mas fiquei bem interessado nele por conta do uso que o Marcelo Ridenti faz da categoria de "romantismo revolucionário" no seu livro sobre a arte brasileira na década de 1960.

Com certeza, o tema do romantismo é amplo e fascinante, e muitas abordagens a ele são sempre bem-vindas.

Abraços