terça-feira, 18 de outubro de 2011

Dez Romances sobre Relações Internacionais

Gostei muito da repercussão da lista anterior, com 10 livros acadêmicos sobre política internacional. Agora,como prometido, continuo com uma seleção de romances. O gênero é moderno, de modo que as escolhas abaixos excluem clássicos como os poemas épicos de Homero, Virgílio, Camões ou obras teatrais que vão dos trágicos gregos aos dramas históricos de Shakespeare. Isto posto, vamos à lista, em ordem de publicação dos livros:

Guerra e Paz, Leon Tolstói
Napoleão invade a Rússia e o país se une para expulsá-lo. No processo, Tolstói nos brinda com reflexões pungentes sobre nacionalismo, família, amadurecimento e a busca de sentidos para a vida e a história. O trecho em que o príncipe Andrei, ferido no campo de batalha às portas de Moscou, olha a paz do céu azul e descobre que a glória da guerra é uma quimera é das coisas mais belas que a espécie humana já escreveu neste universo.

O Coração das Trevas, Joseph Conrad
O jovem agente de uma empresa de comércio de marfim relata a viagem de pesadelo que fez subindo o rio Congo, à procura do sr. Kurtz, outrora uma estrela da empresa, que se embrenhou no interior da África e enlouqueceu, criando seu próprio mundo megalomaníaco pela submissão dos nativos. Uma das melhores descrições da força destruidora do colonialismo.

A Montanha Mágica, Thomas Mann
Bem-vindo ao Sanatório Internacional Berghof, onde todos nos encontramos. Nessa clínica de luxo, nos alpes suíços, está internada uma população multinacional que representa uma Europa doente, às vésperas da I Guerra Mundial, e dividida por rivalidades patrióticas e polarizações idelógicas entre direita e esquerda. Outros magistrais romances de Mann também são fundamentais para compreender a política internacional européia dos séculos XIX e XX, em especial “Os Budenbrook” (unificação alemã) e “Doutor Fausto” (queda do Império, República de Weimar e ascensão do nazismo).

Doutor Jivago, Boris Pasternak
Clássico sobre as revoluções russas de 1905 e 1917, e das participações do país nas guerras mundiais, no conflito contra o Japão e nas convulsões internas que acompanharam a adoção do marxismo. O centro do romance é a história de amor entre o médico e poeta Iuri Jivago e sua amante Larissa, que ele conhece quando ambos servem o serviço de saúde do Exército na I Guerra Mundial. A célebre versão para o cinema cobre bem o romantismo, mas deixa de fora muito dos aspectos políticos da obra.

O Leopardo, Tommaso di Lampedusa
Um princípe siciliano assiste de modo resignado e cético às guerras de unificação da Itália, nas quais seu sobrinho toma parte ao lado dos guerrilheiros de Garibaldi. Entre as intrigas da Corte e o declínio do mundo semi-feudal que conheceu, o aristocrata percebe que “algo precisa mudar para que tudo permaneça o mesmo.”

O Mundo se Despedaça, Chinua Achebe
Os ingleses se estabelecem na Nigéria e aos poucos mudam profundamente as sociedades locais. Este romance – considerado o principal clássico da literatura africana contemporânea – conta a história de uma família infeliz do povo Ibo na qual o filho atormentado pelo pai autoritário foge de casa para juntar-se aos missionários cristãos, com consequências inesperadas para toda a aldeia.

The Sorrow of War, Bao Ninh
Nas minhas aulas sobre as guerras do Vietnã, é comum que meus alunos perguntem que livro narra o conflito da perspectiva dos vietnamitas. Este título é a resposta. Uma tocante história de amor e inocência perdida, por meio de um casal de namorados separados pela brutalidade da guerra, e um olhar cético sobre as divisões entre capitalismo e comunismo. Considero-o ainda melhor que “Nada de Novo no Front”, o clássico pacifista sobre a I Guerra Mundial, com o qual tem muito em comum.

Na mesma linha, recomendo “No Zênite”, de Dhuong Thu Huong (Ho Chi Minh, moribundo e amargurado, lamenta os rumos do Vietnã) e “O Americano Tranquilo”, de Graham Greene. Em “Os Cus de Judas”, de Antônio Lobo Antunes, um psquiatra relembra seus traumas no Exército português em Angola e sua oposição à ditadura de Salazar em Portugal, numa narrativa muito semelhante aos clássicos sobre o Vietnã.

À Espera dos Bárbaros, J. M. Coetzee
Um magistrado serve numa remota província do Império, quando surgem rumores de uma ameaça bárbara nas terras selvagens além da fronteira. Uma força militar é despachada para lidar com a questão e logo o protagonista descobre que a civilização pode ser muito mais violenta que a bárbarie. Este romance sombrio e reflexivo é geralmente considerado uma alegoria do apartheid, mas acredito que ele funciona às maravilhas como uma representação dos dilemas de segurança da Guerra Fria, ou das dificuldades de entendimento entre culturas muito diferentes. São temas parecidos aos dos clássicos dos romances de espionagem, em especial os do mestre John Le Carré, como “O Espião que Veio do Frio” e “Tink Taylor Soldier Spy” (no Brasil, “O Espião que Sabia Demais”).

O Fundamentalista Relutante, Moshin Hamid
Um executivo paquistanês radicado nos Estados Unidos começa a questionar profundamente sua identidade e seus ideais políticos após os atentados de 11 de setembro de 2001. É a melhor obra literária sobre os impactos do terrorismo contemporâneo. “Sábado”, de Ian McEwan e “O Homem no Escuro”, de Paul Auster, são bons contrapontos, na perspectiva das consequências para o Ocidente.

A Mulher Foge, David Grossman (Nas edições internacionais, o título é “Até o Fim da Terra”)
Simplesmente o melhor romance sobre os conflitos árabe-israelenses. Contado por meio de uma mulher que sofre com a ausência do filho, que luta na 2ª Guerra do Líbano, e procura o ex-amante, pai do rapaz, para passar em revisão sua vida pessoal e a de Israel, de 1967 aos dias atuais. A descrição do Exército do Egito cruzando o Canal de Suez em 1973 é simplesmente a melhor narrativa de batalha desde Tolstói. Para interessados no tema, vale ler também o mestre Amós Oz (“A Caixa Preta”, “Uma Certa Paz”).

8 comentários:

Márcio Pimenta disse...

Olá Mauricio,

Recomendaria ainda, "Diplomacia Suja", um livro autobiográfico, escrito em forma de romance, de um embaixador inglês que entre um gole e outro de uisque e vodka, relata os bastidores da diplomacia inglesa em países da Ásia.

Não é um grande livro, mas vale por ser um material pouco comum.

(me desculpe não citar o autor, mas estou com um pouco de pressa e não achei o livro aqui na minha estante. Posso mandar para você depois com mais calma.)

Abração!

Maurício Santoro disse...

Salve, Márcio.

Sei qual é o livro, mas nunca o li.

abraços

Fábio Fávero disse...

Gostei muito da seleção; na falta de viagens, é muito bom uma narrativa não convencional de outras realidades, que marcam mais profundamente que muitos livros de histórias...eu me lembrei de um livro tupiniquim neste sentido, do Érico Veríssimo, chamado o Senhor Embaixador, que é bem interessante, e reflete um pouco o período da Guerra Fria e o intervencionismo dos EUA na América Latina...

IgorTB disse...

Faço coro com o Senhor Embaixador, do Érico Veríssimo, por ser um autor brasileiro.

Vc me apresentou a uma costureirinha chinesa que curtia ler Balzac que tb me marcou. Claro que não é, nem de longe, comparável aos clássicos que vc cita. Mas é gostoso de ler...

Saudade de vc, meu caro!

Abração

Maurício Santoro disse...

Caros Fábio e Igor,

Não li o "Senhor Embaixador", mas curiosamente o Érico Veríssimo escreveu um romance sobre o Vietnã, chamado "O Prisioneiro". Não é tão bom quanto os citados aqui, mas é interessante.

Igor, adoro "Balzac e a Costureirinha Chinesa", mas ele trata apenas da política interna da China, e não de RI. Talvez eu escreva uma lista só com romances assim, onde entrariam clássicos de Balzac, Stendhal, Dostoievski e Pamuk, entre outros.

Me avise quando vier ao Rio, e marcamos um papo para colocar (a muita) conversa em dia.

abraços

Anônimo disse...

Recomendaria tbm um livro fantástico que trata as ideologias políticas, com suporte filosófico e histórico...desde a antigüidade até os tempos de hj..com uma linguagem analítica, sempre tendo como parâmetro os acontecimentos da sociedade moderna. Llanque, Marcus: "Politische Ideengeschichte, Ein Gewebe politischer Diskurse" ; Oldenburg..Passo o título em alemao, pq facilita a procura da obra traduzida ( acho q só tem em inglês aí). Como moro na Alemanha, nao posso informar se a obra foi ou nao traduzida para o português...

Maurício Santoro disse...

Anônimo,

chequei na Amazon e encontrei alguns livros dele, mas todos em alemão.

abraços

Wellington Amarante disse...

Olá, Maurício!

Fugindo um pouco (só um pouco) da temática, você poderia me indicar alguns livros (não-ficcionais) sobre a relação entre diplomatas e jornalistas? Agradeço desde já a atenção.

Abraços