quarta-feira, 18 de abril de 2012

A Batalha pelo Petróleo na Argentina

A presidente Cristina Kirchner enviou ao Congresso da Argentina um projeto de lei para tornar a empresa petrolífera YPF novamente propriedade do Estado, como ela havia sido de sua fundação em 1922 até a privatização em 1993. A decisão ilustra os constantes embates argentinos entre modelos de desenvolvimento nacionalistas e liberais e a má relação do país com os investidores externos desde a crise de 1998-2002.

A comparação com o Brasil é esclarecedora. A partir da Revolução de 1930 os diversos governos brasileiros adotaram uma estratégia de desenvolvimento na qual o Estado teve papel central. Nos anos 1990 houve inflexões liberais nesse moodelo, mas suas principais instituições permaneceram. O petróleo foi nacionalizado na década de 1950 e até hoje está sobre controle estatal, embora não mais como monopólio. A Petrobras é a maior empresa da América Latina e uma peça-chave para políticas públicas de desenvolvimento, inovação tecnológica e até incentivo à cultura.

O nacional-desenvolvimentismo na Argentina foi sempre mais frágil do que no Brasil e nunca conseguiu se estabilizar em instituições que lhe transformassem em política de Estado. Governos liberais com frequência reverteram decisões de presidentes nacionalistas e o setor petrolífero foi particularmente sensível a esse tipo de confronto. A YPF teve importante papel nos esforços argentinos de crescimento, mas nem de longe alcançou a influência e o prestígio da Petrobras.

A guinada liberal da Argentina na década de 1990 foi bem mais profunda do que a do Brasil. A YPF foi privatizada pelo presidente peronista Carlos Menem (a então deputada Cristina Kirchner, do mesmo partido, votou a favor) em sua campanha de tornar a Argentina a grande vitrine das reformas do Consenso de Washington. O Estado manteve 20% das ações da empresa.

Desde sua chegada à presidência em 2003, os Kirchner têm revertido a liberalização econômica dos anos 90 e reestatizado diversas empresas, do abastecimento de água (Suez) às Aerolíneas Argentinas. Havia tensões crescentes da Casa Rosada com a YPF, envolvendo esforços para aumentar o peso dos empresários argentinos na companhia. Houve também, claro, a renegociação da dívida externa em termos muito desfavoráveis aos credores. Isso fez com que os investidores estrangeiros ficassem relutantes com o país, temerosos das mudanças abruptas no marco regulatório. A Argentina tem recebido menos investimentos não só do que o Brasil, mas também do que a Colômbia e o Chile.

A Espanha é um dos maiores investidores estrangeiros na Argentina e desde 1999 a YPF era controlada por uma empresa espanhola, a Repsol. Pelo projeto de renacionalização, o governo argentino passará a deter 51% das ações da YPF o que significará a necessidade de acordos e negociações com os sócios privados. A Repsol anunciou que irá recorrer a tribunais internacionais para acordar uma indenização bilionária (o governo argentino ainda não disse quanto irá pagar pela nacionalização) e as autoridades espanholas criticaram a decisão argentina, classificando-a como “tiro no pé”.

Para o Brasil, o ressurgimento de uma estatal petrolífera assertiva na Argentina também trará dificuldades para a Petrobras, bastante ativa no país vizinho.

***

Os últimos dias foram bastante intensos para mim em termos de entrevistas. Os links:

- Nacionalização da YPF (Globo News)

- Ofensiva de Primavera dos Talibãs (Globo News)

- Cúpula de Cartagena mostra divisão entre Estados Unidos e América Latina (Agência France Presse)

7 comentários:

Anônimo disse...

Por um lado, temos um governo sabidamente populista - mas fortalecido diante de opositores bisonhos ou enfraquecidos, tendo apenas a grande imprensa como rival em seu projeto de poder.

Do outro, um governo cujo chefe de Estado, ainda que informal, se diverte matando elefantes em Botswana, mesmo sendo membro honorário da WWF, numa viagem cara e extravagante (isso, claro, para não falar das falcatruas envolvendo gente de sangue azul).

E que não reclamou quando Menem entregou-lhes uma riqueza nacional em troca de favores excusos. Pagaram gordas propinas.

Ah, claro, sem esquecer da telefonia brasileira, a eles entregue sem maior reflexão de parte dos grandes meios de imprensa daqui.

Porque eles podem fazer o que bem entendem e os nossos governos são sempre acusados de populistas, autoritários, etc.?

Porque podem entrar de sola no resto do mundo, enquanto medidas similares de Argentina, Brasil, etc., são vistas como medidas ditatoriais?

Entendo perfeitamente a postura do blog quanto ao assunto. Fica bem claro que a Argentina sofrerá represálias comerciais e queimará ainda mais seu filme no cenário econômico internacional.

Mas não consigo engolir a defesa ardorosa do neoliberalismo - seja o promovido pelos militares ou o de estilo menemista - feita por diversos meios. Modelo esse que deixou a Argentina numa crise mil vezes pior que a atual.

Não vou me identificar apenas para evitar ataques de comentaristas. Mas quero deixar claro que, apesar de discordar, sou leitor frequente do blog.

Anônimo disse...

http://www.lanacion.com.ar/1465579-las-constructoras-espanolas-hacen-la-america-en-brasil

De um jornal anti-kirchnerista.

Anônimo disse...

http://www.lanacion.com.ar/1465889-el-suicidio-economico-de-la-clase-politica-europea

Pior deve ser aqui mesmo...

"O" Anonimo disse...

É uma triste sina dos argentinos. Eles elegem populistas e bandidos, e depois que seu país se transformar em uma Venezuela, vão colocar a culpa nos imperialistas e neoliberais. Vão ser jumentos lá em La Plata!

Marc Jaguar disse...

Exatamente, "O Anonimo"....
Eh muito mais facil encher as proprias burras de dinehiro, patrocinar facilidades para apadrinhados politicos, nao investir em na gestao da maquina publica, nao estabelecer politicas solidas no campo economico, preferindo sempre o discurso ufanista-enganador e quando o Titanic estiver jah em rota de colisao inevitavel com o iceberg, comecar a culpar os imperialistas, os neoliberais, usamericanu, etc. etc. etc...
Pobre Argentina......"los hermanos" nao merecem esse destino....

Abracos, Mauricio!

Goncalez

Maurício Santoro disse...

A Argentina sempre desperta paixões muito contraditórias, acaba funcionando como uma espécie de laboratório onde as pessoas aplicam seus dogmas sobre Estado e mercado... A realidade da história e da política é sempre muito, muito mais complicada.

"O" Anonimo disse...

Não tem muita complicação na Argentina. É um dos maiores fracassos de desenvolvimento no século XX. A causa próxima também é obvia: o peronismo recebeu a Argentina como um dos países mais ricos do mundo, hoje é um pais de renda media.