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Até onde sei, “A Última Trincheira” é o único livro de um autor brasileiro sobre as FARCs. O autor é o jornalista Fábio Pannunzio, que foi à Colômbia em 1999 para realizar uma série de reportagens para a TV Bandeirantes. Escreveu um misto de romance com relato de não-ficção que é um testemunho importante das fracassadas negociações de paz entre a guerrilha e o governo Andrés Pastrana (1998-2002).
Pannunzio chamou seu livro de romance, mas me parece que uns 80% são jornalismo. A narrativa segue duas paralelas. A primeira é a história dele mesmo, e de seu cinegrafista, indo à Colômbia e tentando entrevistar comandantes das FARCs, estabelecendo-se em San Vicente del Caguán, “a capital da guerrilha”, cidade que foi escolhida para sediar a zona desmilitarizada durante as negociações. A segunda é a de uma família de camponeses que se vê envolvida no fogo cruzado entre FARCs, Exército e paramilitares.
O livro foi publicado em 2001 e a rápida progressão dos acontecimentos na Colômbia fez com que ele já adquirisse o sabor de um relato histórico – no caso, do tenso contexto em que se deram as negociações de paz. Pannunzio descreve uma Bogotá apavorada e perigosa, que contrasta com a segurança que a capital adquiriu recentemente, ao se tornar o que um amigo colombiano chama de “ilha de legitimidade” em meio a um mar ainda turbulento. Há uma passagem tragicômica na qual o autor-narrador é assaltado em meio a um bem executado conto do vigário, em pleno centro de Bogotá.
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O cerne do livro é são as duas semanas que Pannunzio passa na zona desmilitarizada e que lhe faz ver outra Colômbia. Uma de camponeses pobres, de origem indígena, que são a base de recrutamento da guerrilha. Ele descreve o alívio de San Vicente del Caguán com a interrupção dos combates, ainda que matizado pelo medo de que a guerra retornasse. Narra também os esforços da guerrilha em administrar a área.
Pannunzio traça um retrato em geral simpático das FARCs, descrevendo seus integrantes e líderes como pessoas comprometidas com um ideal de transformação social ampla. Contudo, seu livro fornece informações e detalhes que permitem interpretações mais críticas da guerrilha: o poder de vida e morte exercido sobre camponeses, o recrutamento de adolescentes (alguns de até 12 anos), ilegal pelas leis da guerra, os seqüestros e a extorsão praticados para financiar a luta armada e o desconhecimento da realidade colombiana mais ampla, fora do meio rural limitado em que se dão os combates.
Dois pontos me chamam a atenção no retrato que Pannunzio pinta da guerrilha: sua fortíssima vinculação com o meio rural e modo como a sociabilidade cotidiana no campo se impregnou da violência que consome o país sem tréguas há 60 anos.
O que faz falta no livro é a busca de informações sócio-econômicas e históricas mais amplas, que pudessem iluminar a breve experiência pessoal do autor no país. Pannunzio ouviu as FARCs e os moradores de San Vicente del Caguán, mas não há relatos de entrevistas com autoridades, com acadêmicos ou com paramilitares, nem a busca de entender melhor as transformações pelas quais a guerrilha passou em seus mais de 40 anos – por exemplo, a tentativa frustrada de se estabelecer como partido político (a União Patriótica) na década de 1980.