sexta-feira, 4 de abril de 2008

Legado das Cinzas



Os Estados Unidos falharam em criar um serviço de inteligência de primeiro nível e os fracassos atuais relativos ao 11 de setembro, à Al-Qaeda e ao Iraque são apenas a repetição mais recente de um padrão que data da década de 1950. Essas são as principais conclusões do livro “Legacy of Ashes – the history of the CIA”, do jornalista Tim Weiner, que ganhou o Pulitzer por sua cobertura sobre temas de segurança nacional para o New York Times.

Inteligência é um termo que cobre vários tipos de atuação da CIA: levantamento de informações, com freqüência por métodos ilegais (espionagem, tortura), análise de dados, combate à espionagem estrangeira (contra-inteligência) e operações clandestinas em outros países. O livro de Weiner é uma história muito crítica da CIA com relação a todos esses pontos, mas que enfatiza o último aspecto.

Até a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos tinham um minúsculo aparato de inteligência, que cresceu durante o conflito com a criação do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS, na sigla em inglês), especializado em ações de sabotagem nos países ocupados pela Alemanha nazista. O presidente Truman decidiu acabar com o OSS, por temer que ele minasse as liberdades democráticas e virasse uma gestapo americana. Mas as pressões da Guerra Fria o levaram a recriá-lo sob forma mais ambiciosa em 1947: a CIA.

Weiner é impiedoso em listar os repetidos fracassos da agência em penetrar no bloco soviético e sua total falta de informação qualificada sobre o que ocorria na URSS, na China, na Coréia, no Vietnã e mesmo em Cuba, com conseqüências fatais para as crises nas quais os americanos se envolveram. Impressiona como a CIA nunca teve quadros suficientes com conhecimentos de línguas e culturas estrangeiras e como isso a levou a depender de aliados como a Grã-Bretanha e Israel. Sucessivos diretores da CIA tentaram enfrentar o problema, e nunca conseguiram. Um deles atribuiu a derrota à inexistência de pessoas com tais qualificações nos EUA.

A CIA foi melhor sucedida em esforços de manipulação de eleições (Itália, Japão, Chile) e organização de golpes de Estado (Irã, Guatemala, Indonésia, Chile). O ponto, diz Weiner, é que essa maneira de fazer política externa simplesmente não funciona, porque fomenta o anti-americanismo e leva ao surgimento de oponentes ainda mais radicalizados. O argumento é válido para casos como o Irã – onde a queda dos nacionalistas abriu caminho para os aiatolás – mas as estratégicas da CIA funcionaram bem em outros lugares, onde governos comunistas ou de esquerda foram trocados por ditaduras pró-EUA.

A história das operações clandestinas da CIA é razoavelmente bem conhecida, depois de anos de escândalos. O que me interessa mais é sua dificuldade em produzir análise qualificada. O caso da URSS é exemplar. O foco da inteligência em capacidades militares levou a agência a não perceber um pequeno detalhe: o de que a economia soviética desmoronava.

Weiner cita um relatório interno da CIA compara o impacto da queda da URSS para a agência com o do asteróide que teria extinto os dinossauros. A história da CIA nos últimos 15 anos é a da busca infrutífera, e às vezes desesperada, de novo papel num mundo de ameaças difusas, imprecisas e onde os presidentes americanos preferem com freqüência outras fontes de informação: o Pentágono, o Departamento de Estado ou mesmo a CNN...

Weiner pinta quadro sombrio da CIA pós-11 de setembro, incapaz de lidar com a Al-Qaeda, mentindo sobre a presença de armas de destruição em massa no Iraque, para agradar ao governo Bush, e recorrendo a torturas e prisões ilegais para tentar obter informações. Ele cita dados impressionantes sobre funcionários que deixaram a agência, muitos para ir trabalhar para empresas de segurança privada, como a Blackwater.

5 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Mauricio, estava fazendo uma pesquisa sobre Jaguaribe na internet e caí aqui no seu blog. Boa surpresa!!! Adorei os poucos textos que li. Gostei muito da nossa aula e estou muito ansiosa pela próxima! Essa preparação nos faz descobrir um pouco mais acerca do que nos constrói. Esse legado politico-diplomatico me fascina. Bjs, Marcela

Anônimo disse...

SALVE JOGADOR,

Só uma pergunta. Esse esforço de transformação institucional que ocorre na Abin não vem ocorrendo na CIA? o Weiner diz que a CIA não superou o fim da Guerra Fria?

abraços.

Helvécio.

Maurício Santoro disse...

Olá, Marcela.

Bom, você não é a primeira a cair aqui depois de digitar no Google termos como "Hélio Jaguaribe" ou "Celso Furtado". Seja bem-vinda.

Gostei muitíssimo de ter dado a aula para vocês no sábado, é um privilégio bárbaro da minha profissão o convívio com pessoas inteligentes e entusiasmadas. Vamos repetir a dose no próximo sábado. Acabo de responder ao seu email.

Salve, Helvécio.

Sim, o Weiner afirma que a CIA está perdida no pós-Guerra Fria, em particular no pós-11 de setembro.

O caso brasileiro é interessante, e muito, porque aqui estamos fazendo um esforço para construir um aparato de inteligência desvinculado do passado autoritário do país. Tarefa árdua, mas promissora.

Abraços

Anônimo disse...

Mauricio,

É de espantar que os EUA não soubessem a situação real da economia russa até 1989. Antes da queda do muro, as informações da CIA davam conta de que os russo estavam com uma economia sólida.

Gostei da dica do livro.

Abraços!

Maurício Santoro disse...

Olá, Márcio.

Sim, é inacreditável. Mas a bem da verdade, o mesmo ocorria com a universidade americana. Por exemplo, o livro clássico do Paul Kennedy, "Ascensão e Queda das Grandes Potências", é de meados dos anos 80 e afirma que quem estava em decadência eram os EUA!

Abraços