quinta-feira, 3 de abril de 2008
O Longo Caminho Rumo à Paz
Nesta quinta dei aula sobre missões de paz da ONU no Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército, ministrado na Escola de Comando e Estado-Maior. O curso é um dos pré-requisitos para alcançar o generalato, de modo que meu público foi muito qualificado: coronéis com experiência no exterior em missões de paz no Haiti, Timor Leste, Kosovo, Bósnia. É a segunda vez que palestro na instituição, sobre o mesmo tema, e sempre é muito bom.
Acredito que poucas pessoas no meio civil, sobretudo no ambiente universitário, têm noção de como o Exército brasileiro tem um conjunto de oficiais de primeiríssima categoria, lapidados por um processo de promoção muito competitivo, por treinamentos constantes e pelas vivências em operações em países estrangeiros. Um dos coronéis com quem conversei me chamou a atenção para a importância desse tipo de missão em capacitar oficiais, dando-lhes experiência profissional e visão de mundo mais ampla. Em sua época de cadete, segundo me contava, era raro encontrar um militar brasileiro com currículo forte no exterior.
O centro da minha aula foi a exposição sobre os novos modelos de missões de paz que a ONU implementou da década de 1990 em diante. Destaquei a abrangência dessas operações com relação aos modelos clássicos de Suez e do Chipre. Trocando em miúdos: as Nações Unidas saltaram de formato que ressaltava a presença de capacetes azuis entre Exércitos em conflito, para monitorar cessar-fogo acordado entre ambos, para paradigma que abrange enorme quantidade de tarefas: organização de eleições, auxílio humanitário, ações policiais, formulação e execução de políticas públicas e até a construção de Estados nacionais.
Expus as principais crises enfrentadas pela ONU sob o novo modelo (Somália, Ex-Iugoslávia, Bósnia) e tratei das críticas que os países em desenvolvimento fizeram ao caráter muito mais intervencionista adotado pelas Nações Unidas. Em seguida abordei os casos do Timor e do Haiti e debati com os alunos sobre quais podem ser as contribuições brasileiras aos processos de paz, em particular a ênfase em temas de desenvolvimento sócio-econômico e o fato de que o Brasil não tem um passado de potência colonial.
Outro ponto foi o levantamento das tendências contemporâneas nas missões de paz. Por exemplo, o fato de que 75% delas ocorrem na África. Se o Brasil quer exercer liderança internacional, terá que assumir responsabilidades no continente, eu disse. Seguiu-se um ótimo debate sobre Darfur, Angola, Zimbábue e a disposição da opinião pública nacional em arcar com os custos de participar nesse tipo de operação, quando o Brasil deveria ou não participar.
Minha apresentação foi bastante crítica da ONU. Repassei os principais problemas que a organização enfrenta nas missões de paz, desde a falta de coordenação entre os contingentes nacionais até a “síndrome do carro branco”, os desequilíbrios econômicos provocados em países pobres pela chegada de milhares de funcionários internacionais bem remunerados, em dólar. Sempre ocorre inflação e com freqüências dificuldades com a população local, muitas vezes em função da arrogância dos representantes das Nações Unidas. Vários exemplos semelhantes foram citados pelos oficiais e creio que descobrimos a admiração comum pelo excelente livro do general Lélio Silva, “Uma Missão de Paz na África”, que descreve sua experiência à frente das operações de paz em Moçambique e aborda vários dos pontos dos quais tratamos.
Concluímos também que, num cenário de fragilidade institucional, ganha força a figura do líder, como Sergio Vieira de Mello no Timor ou o general Augusto Heleno no Haiti. Pessoas comprometidas, dedicadas, com a habilidade para aprender na prática e adaptar a missão às realidades locais.
Muitas perguntas foram a respeito do futuro da ONU, em especial a partir dos resultados das eleições nos Estados Unidos. Sou cético com relação à possibilidade de mudanças radicais na organização, ou de reformas amplas como a entrada do Brasil no Conselho de Segurança. Acredito que o melhor caminho para a paz, ao menos no curto prazo, é o fortalecimento de organizações regionais. Foi consenso a importância da missão no Haiti para a cooperação militar sul-americana e estão no ar as expectativas (e dúvidas) para o Conselho de Segurança da América do Sul.
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2 comentários:
Gostaria de ter visto e ouvido isso, Maurício. Muito bom.
Meu caro, você deve é palestrar em lugares assim! Os interesses econômicos do Brasil na América do Sul sempre são um tema que provoca bons debates nesse tipo de situação. Aliás, lá estava eu com o Valor debaixo do braço, recomendando a cobertura internacional do seu jornal como a melhor do país.
Abraços
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