segunda-feira, 14 de abril de 2008

Pão, Brioches e Nacionalizações



“Nas padarias de Caracas, é mais fácil encontrar brioche do que pão. Livres do congelamento de preços, os brioches, croissants, enroladinhos e outros farináceos com recheio garantem aos padeiros rentabilidade, mesmo se eles adquirem a farinha de trigo no mercado paralelo, para driblar o desabastecimento. Congelado em três bolívares fortes o quilo, o pão é item raro nas prateleiras. “

A excelente reportagem de César Felício foi publicada pelo Valor no dia 3 de abril e ajuda a entender o novo ciclo de instabilidade política e econômica que começou na Venezuela. Chávez enfrenta problemas e sua popularidade caiu para 37%. O presidente reagiu anunciando duas medidas de impacto: a nacionalização da maior siderúrgica do Caribe e das três principais produtoras de cimento.

A alta dos preços do petróleo inundou a economia venezuelana de recursos que bem ou mal chegaram à população. O resultado foi um enorme aumento do consumo e da demanda por todo o tipo de produto. Embora seja um quadro positivo, também tem seu lado ruim: o país sofre da pior taxa de inflação da América Latina e uma das mais elevadas do mundo. O governo Chávez reagiu impondo controles de preços a 130 produtos considerados essenciais. O resultado foi que muitos produtores preferiram segurar seus estoques e um mercado clandestino tem florescido, enquanto faltam gêneros essenciais nas prateleiras. O problema se agrava com a alta do preço global de alimentos.

A Venezuela importa uma grande quantidade do que consome. Uma maneira de combater a inflação seria abrir o mercado para os produtos estrangeiros. A política chavista é contraditória nesse aspecto. Mantém a taxa de câmbio artificialmente baixa – 2,15 bolívares fortes por dólar, enquanto o câmbio paralelo chega ao dobro. Com isso, os importadores são prejudicados e relutam em disponibilizar suas mercadorias. Ademais, há grande quantidade de controles e regulações que dificultam a vida de quem quer comprar produtos no exterior. Para lidar com elas, em geral são necessários bons contatos no governo e com os sindicatos.

Chávez tem reagido às dificuldades econômicas com discurso que propaga conspirações e ameaças à “Revolução Bolivariana”. Em geral, a resposta governamental é assumir o controle dos setores problemáticos. Isso ocorreu com o leite, com a nacionalização de um das principais distribuidoras do produto. E agora acontece o mesmo com a siderurgia e o cimento.

No primeiro caso, Chávez alegou que a siderúrgica Sidor havia desrespeitado direitos trabalhistas e que por isso voltaria ao controle estatal – ela fora privatizada em 1997. A briga com a indústria de cimento vem da incapacidade desse setor de lidar com a demanda crescente da construção civil da Venezuela. A venda de material de área aumentou 49% desde 2007, mas a produção subiu apenas 31%.

Há falta de pessoal qualificado na Venezuela, tanto no setor público quanto no privado. Muitas empresas brasileiras que operam no país levam seus próprios técnicos, não só de nível superior, mas até de ensino médio especializado. Difícil acreditar que as medidas de Chávez resultem em ganhos para o desempenho das companhias nacionalizadas. Até a própria produção de petróleo enfrenta problemas, devido á falta de investimentos da PDVSA em infra-estrutura.

Os conflitos econômicos e os políticos se alimentam mutuamente. No fim de semana Chávez celebrou o sexto aniversário da mobilização popular que o levou de volta ao poder, após o breve golpe de 2002. Com certeza, muitos manifestantes da “Semana do Bravo Povo” se lembram de que o líder da intentona militar foi o presidente da principal federação empresarial do país e que sua primeira medida foi dissolver o congresso.

4 comentários:

Anônimo disse...

Infelizmente o povo venezuelano está entre a cruz e a espada. O governo de Chavez é um desastre econômico para a Venezuela, mas os empresário e líderes da elite não apresentam propostas melhores.

Dificilmente Chavez conseguirá eleger um sucessor (caso mantenha o compromisso de não prolongar ainda mais seu período de governo) e a oposição deve voltar ao poder para fazer o mesmo do mesmo.

Abraços!

Mauricio, disponibilizei um espaço em meu blog para divulgação de eventos acadêmicos, está a suas ordens caso deseje difundir algo.

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Lamento näo comentar como antes no blog, mas meu computador está com problemas! (Por sorte ainda está baixo garantia). Sinto a falta semanal do reporte mauriciano :(
Aqui, na Argentina, foram muito criticadas as medidas porque envolvem á empresa Techint, uma das poucas grandes empresas argentinas.
Cómo va com a tese? Já deixou de ser só "O Maurício" pra ser também o "Doutor Santoro" JAJAJAJAJA
Saludos!

Patricio Iglesias

Anônimo disse...

Então quer dizer que o combustível bolivariano das fanfarronices está acabando...humm...serão notícias alvissareiras no horizonte sul-americano?

Abraços, meu caro!

Maurício Santoro disse...

Salve, Márcio.

De fato, não vejo perspectivas boas para a Venezuela no curto prazo. Tudo leva a crer que o conflito ecônomico jogará mais lenha na fogueira das tensões políticas.

Obrigado pela disponibilização do espaço, usarei com prazer caso apareça algum evento que eu queira divulgar.

Hola, Patricio.

Pensei que você andasse ocupado batendo panelas contra a presidenta Cristina. :-)

Ainda não virei o dr. Santoro, mas está bem próximo. Minha defesa será no dia 30 de maio. Ou seja, mais um mês e meio de espera.

Caro Igor,

Há limite para tudo nesta vida, até para a capacidade do petróleo sustentar uma má política econômica.

Abraços