sexta-feira, 25 de abril de 2008
Integração Regional e Interesse Nacional
O debate na Internet com relação à vitória de Lugo no Paraguai tem se dado no tom agressivo e cheio de ódios que eu pensava estar reservado para assassinos de crianças, como se os vizinhos tivessem jogado Itaipu pela janela. Em meio ao surto de xenofobia, fica a pergunta: como avaliamos os interesses nacionais diante das decisões do processo de integração regional?
A Europa iniciou sua regionalização por uma combinação de fatores que misturavam segurança e economia. A necessidade de fortalecer a aliança para se contrapor à União Soviética foi poderoso catalisador das decisões pró-integração. Fazer concessões comerciais aos países mais pobres da Comunidade Européia era algo facilmente justificável diante do propósito de combater o comunismo – mensagem simples que mesmo os políticos e eleitores mais isolacionistas eram capazes de compreender e, em geral, de aceitar.
O barão do Rio Branco resolveu as disputas de fronteiras do Brasil há cem anos. O debate sobre a eficácia da política externa brasileira se dá a partir de critérios econômicos, sobre em que medida a diplomacia contribui para o desenvolvimento do país.
O Mercosul, por exemplo, é discutido na opinião pública com base nos ganhos para o comércio exterior, investimentos de empresas brasileiras e acesso a recursos naturais e fontes de energia. Contudo, a perspectiva econômica convive com os objetivos de longo prazo do Itamaraty, que caminham no sentido de consolidar a América do Sul como um espaço de liderança regional brasileira, que serviria de trampolim para a ação do país nos fóruns multilaterais, como a ONU e a OMC. Uso o condicional porque os resultados nas duas arenas têm sido modestos: não se concretizou a reforma do Conselho de Segurança e a Rodada Doha caminha para acordo bastante modesto.
A lógica político-estratégica com freqüência entra em conflito com a mentalidade econômica. Esta vê como objetivo primordial da diplomacia a defesa dos lucros que o Brasil obtém de suas relações externas. Por exemplo, a garantia de insumos (gás, eletricidade) a preços reduzidos. É visão que costuma ser hostil a qualquer tipo de ajuda internacional, afirmando que primeiro deveriam ser resolvidos os problemas domésticos. A perspectiva diplomática pode preferir realizar concessões comerciais em troca de ganhos políticos de difícil mensuração, como a preservação da estabilidade em país vizinho ou a imagem internacional do Brasil como moderado, capaz de negociar pacificamente seus desentendimentos.
No passado, era mais fácil ao Itamaraty lidar com o confronto entre as duas visões. A integração econômica do Brasil com os países vizinhos era reduzida, e política externa era tema exotérico que interessava a poucas pessoas fora de reduzida elite burocrática e empresarial. Hoje os laços regionais se aprofundaram – as exportações brasileiras para a América do Sul são tão grandes quanto para os EUA, as empresas nacionais investem pesadamente na região (sobretudo na Argentina, Venezuela e Chile) e em torno de 50% do gás e 20% da eletricidade consumidos no Brasil vêm dos vizinhos.
Natural que o debate também tenha se ampliado para diversos setores sociais. Infelizmente, a expansão não foi acompanhada de maior compreensão dos brasileiros a respeito da realidade sul-americana. É comum que os brasileiros relutem em se identificar com o resto do continente e se considerem como algo à parte, em geral por causa da língua.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
12 comentários:
Maurício, meu amigo:
Excelente a distinçäo entre partidários da estrategia internacional e os mais preocupados pela economia local. É muito clara.
Saludos
Patricio Iglesias
Hola mi caro,
Por aqui é sempre um debate, mas acho que não é tão diferente assim na Argentina, embora eu ache que o compromisso do seu país com o Mercosul é mais sólido, até pela importância econômica que o bloco tem para o comércio exterior argentino.
Abraços
Concordo que o sentimento de identificação entre os brasileiros e os outros povos sul-americanos é bastante frágil. E tb concordo que a sociedade brasileira enxerga o Mercosul tão-somente como um instrumento comercial.
Contudo, acho que isso é um resultado natural de um processo de consolidação política em que temas de política externa nunca foram discutidos com o povo. O insulamento do próprio MRE em relação à sociedade, que, agora, parece estar sendo combatido, é uma razão bastante plausível para a "ignorância" externa do povo no Brasil.
Como querem que as pessoas entendam, se nunca ninguém se dignou a explicar?
Abração, meu caro!
Maurício, é com muito prazer que volto a comentar no seu blog, sobretudo porque este post reflete todos os meus pensamentos acerca do tema.
Enxergo no Mercosul uma ferramenta extraordinária. Não somente para reforçar os laços comerciais e termos avanços econômicos, mas também para realizar a integração regional que tanto nos falta. Nos enxergam como "país diferente", principalmente porque falamos outro idioma. Deveriamos nos diferenciar pela capacidade de diálogo e na maneira de negociar.
O pior de tudo é que o Brasil não consegue nem ao menos fazer sua lição de casa e nem cuidar do próprio quintal. A Rodada de Doha encontra-se morna, assim como nosso país está sofrendo críticas sobre o etanol e as restrições nas exportações de arroz. Queremos nos tornar cada vez mais internacionais, porém nem ao menos conseguimos ser nacionais, nos afirmando política, econômica e culturalmente. E nem conseguimos cuidar de nosso quintal, com nossos vizinhos, que tanto temos a tratar, conversar e se integrar.
Para onde vamos?
Abraço, e parabéns pelo blog!
A forma como você abordou aqui o tema é deveras interessante.
A forma como eu veja a questão na Europa é que finalmente se havia compreendido que só se poderia manter uma estabilidade política e pacigofénica se houvesse harmonia e equidade económicas e justiça social.
Claro que a coisa não corre como poderia (ou deveria), mas o primeiro passo foi tomado e, com essa equidade económica, na qual os mais ricos estiveram ajudando os mais pobres, países como Portugal e Espanha (que em 1986 estavam na segunda categoria), encontram-se hoje ocupando duas das quatro posições institucionais mais elevadas (há uns meses atrás poderiam ter até ocupado as quatro), mostrando um papel importante no processo de amadurecimento da UE.
A situação sulamericana, parece-me, possui muitos entraves do ponto de vista da psicologia. Nenhum país quer se assumir, novamente, como colónia de outro país e teme perder a sua independência e autonomia. Creio que é aí que a Mercosul deve investir: na comprovação de que uma união dos países da região fortifica a todos e dá-lhes o mesmo relevo. O Brasil, pelas suas dimensões, acaba por, possivelmente, assustar aos demais que não querem se mostrar inferiores ao Brasil.
Não sei... só a minha opinião.
Maurício, dois comentários:
Sob o ponto de vista do direito internacional eu creio que não é possível fazer modificações nas cláusulas do tratado de Itaipú correto?
E sobre o Lugo, será que ele vai ser lertado pelo Chavez assim como ocorreu com o Evo?
abraços.
Helvécio
*flertado*
Salve, meus caros.
Volto ao blog depois de alguns dias em Brasília, onde aliás discuti bastante temas de cooperação internacional - o que merece um post à parte.
Me parece que temos um consenso que a sociedade brasileira vê o Mercosul principalmente em termos de comércio, e tem dificuldades de lidar com assuntos mais relacionados ao aspecto puramente político (estabilidade, boas relações diplomáticas, etc).
Como o Igor colocou, creio que muito se deve ao modo isolado com o qual a política externa era discutida. E concordo com o Dênis, que identifica uma tensão entre os objetivos sul-americanos e as grandes linhas da estratégia diplomática brasileira.
É como se o Brasil fosse grande demais para caber no continente, as ambições nacionais são maiores, e mais complicadas de serem equacionadas com as demandas da região.
Helvécio, TODOS os acordos internacionais podem ser rejeitados pelos países que os ratificaram, aderir a eles é uma decisão soberana de cada Estado. A questão é sempre o custo político e econômico de se fazer isso.
O que o Paraguai quer mudar no Tratado de Itaipu é a obrigação de só poder vender a energia ao Brasil, mas nas condições atuais me parece impensável que o Itamaraty ceda nesse aspecto.
Chávez tem oferecido acordos de venda de petróleo a preços muito bons aos países sul-americanos e acredito que o Paraguai de Lugo assinará algo nessa linha.
Mas historicamente Assunção depende muitíssimo mais de Brasília e de Buenos Aires do que de qualquer outra capital. E Lugo tem mais em comum com a Igreja progressista do Brasil do que com os movimentos militares do nacionalismo venezuelano.
Abraços
Olá,Maurício!!Retorno após breve período no seu blog,e vejo que o excelente nivel das discussões permanece o mesmo.Bom,a respeito dessa questão de integração regional,gostaria de fazer um questionamento: até que ponto as concessões que o Brasil até então se mostra disponivel a conceder(revisão no preço da energia elétrica para o Paraguai,além do reajuste do preço do gás natural para a Bolívia)pode efetivamente consolidar a integração,ao invés de fazer com que o Brasil,em médio ou longo prazo acabe estando suscetível a "chantagens" por parte de seus vizinhos,com intuito de conseguir uma ou outra vantagem do Brasil?? Tenho medo de que a nossa diplomacia,com claro interesse de manter coeso o bloco(lembre-se,não faz muito tempo,o Uruguai ameaçou -apenas com palavras,claro - abandonar o bloco ao não ver uma vontade sua atendida),esteja,ao invés de fortalecer os laços do Mercosul para além do interesse comercial,formando uma mentalidade de chantagem(do tipo:"me dê o que eu quero,ou eu abandono o bloco,o Paraguai já ganhou,a Bolívia também,então,Brasil,você também tem que me dar,senão eu estou fora")??
Sei que parece simplista essa linha de raciocínio,Maurício,mas ao mesmo tempo,a impressão que tenho é a de que o Brasil parece ter mais interesse efetivo na integração regional que seus vizinhos,que,aparententemente,têm intere muito mais por beneficios imediatos do que a longo prazo.
Um abraço,e mais uma vez,parabéns pelo blog.
Caro Rafael,
você tocou no cerne da questão. Certamente, a posição brasileira de realizar concessões com relação à Bolívia criou expectativas no Paraguai de que algo semelhante também ocorreria.
Nossos vizinhos têm necessidade ainda maior do Mercosul do que o Brasil. Todos os demais membros do bloco, à exceção da Venezuela, dependem mais do mercado mercosulino para seu comércio do que o Brasil.
O que está em jogo é a questão da distribuição dos ganhos do processo de integração regional, com os sócios menores pressionando por uma fatia maior do bolo. Como o Brasil passa por um momento de prosperidade macroeconômica e cofres cheios, há disposição para atendê-los.
Nesse contexto, estou curioso para ver como se estruturará o Parlamento do Mercosul. Um legislativo fortalecido seria uma ferramenta importante para mediar os conflitos dentro do bloco.
Abraços
Maurício, parabéns pelo Blog e pelos textos, claros, objetivos e de um bom senso excepcional. Vou adicionar sua página no meu blog. Um grande abraço!
Obrigado, David.
Seja bem-vindo ao blog.
Abraços
Postar um comentário