segunda-feira, 7 de abril de 2008

Do Sendero às FARCs



Um colega de doutorado defendeu tese há poucos dias, tratado do tema do terrorismo na política internacional. Sua pesquisa incluiu um semestre no Programa de Segurança Internacional de Harvard e começamos a conversar sobre a idéia de escrever algo em conjunto, tratando dos problemas da América do Sul. Especificamente, pensamos em uma comparação entre o Sendero Luminoso no Peru e as FARCs na Colômbia. Por que o primeiro foi vencido manu militari pelo Estado, enquanto as segundas seguem atuando 40 anos após sua fundação?

O Sendero teve origem inusitada para um grupo armado: nasceu em plena transição para a democracia, realizando seu primeiro ataque no dia em que Fernando Belaúnde foi eleito para a presidência. Os senderistas conduziram campanha guerrilheira no Trapézio Andino peruano, em especial Ayacucho, e foram conquistando terreno até estar presentes em 25% dos municípios e cometer diversos atentados terroristas na capital, Lima. O auge dos confrontos ocorreu entre 1980 e 1993, atravessando os governos de Belaúnde, Alan Garcia e Alberto Fujimori. No banho de sangue morreram 70 mil pessoas, a maoria camponeses de origem indígena.

Muitos creditam a Fujimori a principal responsabilidade pela derrota do Sendero, mas a realidade é mais complexa. Em seu governo, competente trabalho de investigação policial conseguiu prender Abimael Guzmán, o líder do Sendero. A ironia é que a operação foi conduzida pela Direção Nacional Contra o Terrorismo, uma organização rival do Serviço Nacional de Inteligência, comandado pelo braço direito de Fumijori, Vladmiro Montesinos.



A operação foi liderada por Benedicto Jiménez Baca, um policial muito respeitado que teve vários conflitos com Fujimori e Montesinos – os capangas deste tentaram até roubar Guzmán da polícia e colocá-lo sob custódia do serviço de inteligência.

O Sendero era altamente personalista, a prisão de Guzmán desestruturou o grupo e o efeito foi ainda mais forte quando o próprio líder pediu aos senderistas que entregassem as armas. Não sei em que medida a prisão ou morte de Manuel Marulanda das FARCs teria o mesmo impacto.

Outra particularidade peruana era o enorme isolamento do Sendero com relação ao resto da esquerda. Boa parte dos assassinatos cometidos pelo grupo foram contra líderes de movimentos sociais que discordavam de seus métodos violentos. Amigas feministas peruanas, por exemplo, me contaram das dificuldades que tiveram com o Sendero, e também dos obstáculos em encontrar solidariedade internacional: as guerrilhas da América Central preferiam apoiar os seguidores de Guzmán.

Além da ação policial e do isolamento, os governos peruanos foram bem-sucedidos em criar uma força de contra-insurgência rural, as rondas campesinas, que se contrapuseram ao Sendero no elemento camponês em que o grupo deveria se sentir como “peixe na água”. As rondas haviam sido formadas espontaneamente como organizações de auto-defesa, mas foi só no governo de Alan García que o Estado as reconheceu e incorporou em sua estratégia de segurança.

Por fim, o Peru também realizou uma importante reforma judicial que deu aos magistrados poderes extras e medidas de segurança para poder julgar os membros do Sendero. As medidas só foram implementadas após anos de fracasso, nos quais muitos juízes eram intimidados ou subornados e soltavam os suspeitos. As rondas e as reformas judiciais foram criadas no governo Alan García, que precedeu Fujimori.

A luta contra o Sendero custou caro, muito caro ao Peru, em especial às pessoas pobres que caíram no fogo cruzado entre o grupo e o Estado. Guzmán está em prisão perpétua, Fujimori também foi preso após uma década como ditador e García voltou à presidência. Remanescentes do Sendero ainda atuam no país, mais como bandidos rurais do que qualquer outra coisa.

3 comentários:

Tiago disse...

Maurício, o Antonio Carlos Peixoto, da Uerj, diz em entrevista o seguinte sobre o Sendero:

"O caso talvez mais complexo, e de análise mais difícil, é o peruano. Os movimentos indigenistas peruanos são mais fracos que os congêneres boliviano e equatoriano. A minha hipótese é que o que poderia ter se transformado em fortes movimentos indigenistas foi bloqueado, no caso peruano, pelo fato de a guerrilha do Sendero Luminoso ter se desenvolvido no Altiplano durante mais de dez anos. Mas a base de recrutamento deles não vinha das comunidades indígenas. Muita gente confunde as coisas: “O Sendero Luminoso era uma guerrilha dos camponeses indígenas”. Mentira. Nunca foi. A base de recrutamento do Sendero Luminoso era aquilo que se pode chamar as baixas classes médias das cidades do Altiplano. É o mestiço, o cholo, às vezes era até puro índio, mas não morava em comunidade nem tinha nada a ver com camponês. Não sabia distinguir uma batata da outra — lá existem trinta tipos de batata, uma confusão de batata que ninguém entende. Era o sujeito que, digamos, terminava o curso secundário em algum colégio, normalmente público, da cidade do Altiplano. O que ele ia fazer da vida? Ou até o que terminava um curso superior numa faculdade qualquer, privada ou até pública, do Altiplano. O que ele ia fazer com aquilo? Não tinha o que fazer. Era essa gente, cujos pais eram pequenos funcionários públicos, que tinham um salário muito baixo. Essa gente tinha expectativa de entrar num emprego público, se os cabos eleitorais se afinassem com as elites políticas locais: “Arruma um empreguinho aí para o meu filho, para ele não morrer de fome”. Era por aí.

As comunidades indígenas do Altiplano foram massacradas pelo Sendero Luminoso. Uma história parecida com a de Pol Pot no Kmer Vermelho [movimento comunista do Camboja, nos anos 70]. Ele queria as comunidades para lhe dar apoio logístico. A melhor maneira de fazer isso era chegar numa comunidade e matar trinta indivíduos. Para que os outros tivessem “juízo” e obedecessem lá às consignas dele. Foi assim que funcionou. O Sendero Luminoso nunca teve nada a ver com o campesinato das comunidades agrícolas indígenas do Altiplano. Ele aterrorizava. O segundo fator de bloqueio foi o Exército. Porque o Exército queria tirar o apoio logístico do Sendero Luminoso e pressionava as comunidades indígenas. Resultado: nos anos 80, quando as comunidades indígenas bolivianas e equatorianas floresceram, as do Peru estavam duplamente comprimidas."

Tá nesse link aqui:
http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=611

Abs

Maurício Santoro disse...

Salve, Tiago.

Palestrei duas vezes ao lado do prof. Peixoto, e por coincidência numa delas falei sobre movimentos indígenas nos Andes, numa linha muito próxima àquela que ele defende no texto mencionado por você.

Há um livro excelente da cientista política Deborah Yashar, chamado "Contesting Citizenship in Latin America: the rise of indigenous movements and the postneoliberal challenge", que aborda em profundidade o ponto.

Abraços

Tiago disse...

Obrigado pela dica, vou procurar o livro.
Abs