
O ciclo está completo. Após seis anos de estudos de pós-graduação, sou doutor em ciência política. Naturalmente, vai levar um tempo até me acostumar ao título, e quando telefonam procurando pelo “dr. Maurício”, minha primeira reação é dizer que foi engano. Quando penso em ritos de passagem, me vem à mente aqueles documentários sobre povos indígenas com um monte de rapazes tendo a pele lixada por couro de jacaré e depois mergulhando num poço de formigas carnívoras. Minha própria cerimônia foi muito diferente – sabem a quantas anda o preço do crocodilo? - e na realidade bem mais tranqüila e afetuosa do que haviam sido minhas experiências anteriores com mestrado e graduação.
Vários dos colegas comentaram que ficaram impressionados com a qualidade da banca. De fato, demorei diversos meses para realizar a defesa justamente porque fiz questão de reunir um grupo de professores que se destacasse pela especialização nos diversos aspectos abordados pela minha tese (relações internacionais, América do Sul, modelos de desenvolvimento). Uma bela supresa, não intencional, foi que eles representavam as três instituições nas quais fiz meus estudos de nível superior – UFRJ, IUPERJ e Torcuato di Tella. Foi a melhor educação que o dinheiro podia comprar no Brasil, e na Argentina. Com a ressalva, fundamental, de que foi toda ela gratuita. Sou mais um beneficário dos que os franceses chamam de “elevador republicano”, uma experiência que deixou em mim, acredito que para toda a vida, a crença na educação pública como o mais importante dos direitos de cidadania.
Um amigo que defendeu seu próprio doutorado há pouco tempo tinha me aconselhado a curtir bastante o momento: “Você terá vários especialistas discutindo seu trabalho em detalhes por uma tarde. É uma sensação gostosa, você verá, aproveite esse instante!”. Tinha recebido a dica com ceticismo, mas comprovei que é verdade. Poucas coisas são tão estimulantes para um pesquisador do que ouvir críticas construtivas, feitas com boa vontade e num ambiente de respeito profissional, que realmente iluminam problemas do texto, abrem outras perspectivas e levam o trabalho adiante.
Muitas pessoas se surpreendem que eu tenha cursado o doutorado ao mesmo tempo em que trabalhava em três empregos. Por estranho que pareça, acho que foi essa intensa atividade profissional que me deu a tranqüilidade (financeira e psicológica) para me dedicar aos estudos. O maior medo que vejo entre os doutorandos brasileiros é o de não conseguir emprego após a defesa, o que faz com que muitos adiem a conclusão de suas pesquisas. Mas é claro que tive dúvidas sérias entre igressar no doutorado ou me dedicar só ao trabalho e no fim o que me decidiu foi o carinho e o incentivo incomparáveis que sempre recebi dos professores e colegas do IUPERJ.
Ninguém se faz sozinho e a vida da gente não é só a vida da gente. Minha escolha de pesquisar a América do Sul se deu num contexto político e acadêmico muito rico, em que a região despontou como centro de atenções para a opinião pública e que no IUPERJ se refletiu na criação do Observatório Político Sul-Americano e em colegas escrevendo teses sobre Argentina, Chile, Venezuela. Na cerimônia de defesa, meu orientador chamou a atenção para a importância de os acadêmicos brasileiros façamos o esforço para compreender o continente, e através de um olhar que busque escapar dos preconceitos nacionalistas e adote enfoque mais regional.